O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo XVIII
O DESTINO DE UM INOCENTE
Quando o conde Fernando entrou na biblioteca, encontrou o barão
numa poltrona, com a cabeça entre as mãos, numa atitude de grande
desconforto... Vendo que o fidalgo olhava à sua volta com ar interrogativo, o
velho acenou com a cabeça para uma porta que abria para a parte oposta àquela
de onde o amigo havia entrado.
- Mandei Luís Paulo para lá. Não quis nem mesmo ouvir-lhe uma
palavra, antes que você viesse... Não era necessário... Mas, diga-me antes,
como está a senhorita Flora? Que disse o médico? Corre perigo de vida?
O conde Fernando encheu um cálice com licor e bebeu-o de um trago.
O que acontecera, aumentando as terríveis emoções da semana anterior, parecia
tê-lo envelhecido prematuramente.
- Infelizmente, a ferida é grave - disse com voz que tentava ser
firme. - Mas agora, se não o desagrada, chame seu filho. Quero esclarecer de
vez esta questão, embora o assunto seja muito doloroso tanto para você como
para mim...
O barão Ernesto se pôs de pé e dirigiu-se para a porta, abrindo-a
com decisão.
Pálido, mas franco e resoluto como quem sabe que nada tem a
reprovar a si mesmo, Luís Paulo apareceu no espaço aberto.
O conde Fernando, que o conhecia desde criança e estava habituado
a tratá-lo amigavelmente, disse-lhe:
- Temos que falar muito seriamente. Recuso-me a crer que tenha
sido você quem golpeou a senhorita Flora, mas...
- Um momento! - interrompeu o pai de Luís Paulo, saindo de sua
dolorosa meditação. Depois, com a fisionomia fechada e os olhos cintilantes,
voltou-se para o jovem: - Fernando é demasiadamente bom e gentil, mas se
realmente você cometeu o delito do qual Flora Sardon o acusou, não merece
nenhuma defesa, nenhuma piedade! Fique sabendo que serei eu o primeiro a
entregá-lo à polícia!
Embora o coração lhe batesse descompassadamente, e ainda se
sentisse muito abatido pelo tratamento que lhe haviam infligido a marquesa
Renata e o doutor Démon, Luís Paulo se adiantou com passo firme, fitando o pai
com determinação.
- Não penso em fugir à responsabilidade, papai - respondeu com
calma. - Mas previno ao senhor que as suas palavras, embora justificáveis, não
me causam medo; eu sou inocente!
- Inocente! - retrucou o barão, - Esta é sempre a primeira palavra
que sai da boca de um culpado! É preciso provar que é inocente! É preciso dar
uma prova!
- É exatamente o que desejo fazer, papai. Pergunte-me tudo o que
quiser e, eu responderei!
- Escute, Luís Paulo. - prosseguiu o velho, aproximando-se do
filho e olhando-o nos olhos como querendo ler no fundo de sua alma - você sabe
que tudo fiz para lhe dar uma boa educação, digna da sua posição social, e para
que um dia pudesse dignamente herdar o meu
título, pois bem, responda-me agora: como pôde ter esquecido tudo o que lhe
ensinei?Como se atreveu a macular dessa maneira o nosso nome?...
Luís
Paulo, impulsivamente, deu um passo em direção ao velho.
-
Pai, o senhor me insulta, se crê que sou culpado do que aconteceu! Tive sempre
em mente e no coração os seus conselhos e seus sábios ensinamentos, Deus sabe
disso!
-
Se é verdade que você é um fidalgo, comporte-se como tal, confessando sua
culpa: por que você feriu Flora Sardon? Por que tentou assassiná-la?
Responda-me, ou ai de você!
Vendo
que Luís Paulo ficara desconcertado ante as duras palavras do pai, o conde
Fernando que, de resto, não conseguia convencer a si mesmo de que aquele belo e
honesto rapaz tivesse chegado ao ponto de apunhalar uma jovem, como qualquer
malfeitor, interveio:
-
Ouça, Luís Paulo, reconheço que na vida de um homem não é difícil que surja um
momento em que ele possa, quase num estado de inconsciência, deixar-se
arrebatar pela paixão até a extrema violência, sei bem que em casos assim,até o
mais nobre e melhor, será capaz de cometer ações que,de mente serena, não
conseguirá sequer justificar. Admitido isso, diga-me sinceramente: é o
responsável pelo que aconteceu esta noite?
Luís
Paulo ergueu altivamente a cabeça e, levando a mão ao coração, solenemente,
respondeu sem hesitação:
-
Juro, perante Deus, que sou inocente. Eu não apunhalei Flora Sardon!
- Creio em você, Luís
Paulo. - disse o conde Fernando, convencido pelo tom de sinceridade que vibrava
nas palavras do jovem. - O coração me diz que você é inocente. Dê-me a sua mão e perdoe se, por um momento, pude duvidar de você.
Com um sorriso franco nos lábios, Luís
Paulo apertou a mão do nobre, dizendo:
- Obrigado, conde!
Mas seu velho pai se interpôs entre os
dois, exclamando:
- Um momento!
Se o conde Fernando está disposto a acreditarem você e a lhe dar essa grande
prova de amizade, pode fazê-lo. Mas eu sou seu pai e não posso permitir que
sobre seu comportamento paire sequer a menor dúvida! Já lhe disse que prove sua
inocência. Mas se não prová-la, não terá mais o direito de me considerar seu
pai!
- Mas, papai -
protestou Luís Paulo - eu lhe menti alguma vez, para que agora não acredite na
minha palavra? Sabe que sempre fui honesto e leal e que nunca o envergonhei com
nenhuma ação má!
- Gostaria de
poder acreditar! - murmurou o barão. – Ficaria contente se pudesse novamente
estreitá-lo em meus braços, sem sombra de suspeita! Mas se ora duvido da sua honestidade,
não é por falta de amor paterno. Tenho ainda nos ouvidos a voz daquela infeliz
quando pronunciava seu nome, como sendo o do seu agressor!...
- Já lhe disse que não é possível que
tenha dito meu nome!
- Está querendo duvidar do que afirmo?
- Não, mas deve ter havido um terrível
equívoco!
- Se há um equívoco, devemos esclarecê-lo
imediatamente!
Antes de tudo,
que fazia você esta noite no jardim deste palácio?
Luís Paulo ficou um momento perplexo.
- Seria
demasiado longo explicar isso... Terei de contar o que me aconteceu antes.
- Pois trate de
fazê-lo, então, mas procure ser o mais breve possível!
Luís Paulo, que
por momentos sentia sua fraqueza aumentar, consequência ainda do grande esforço
que fizera para livrar-se das rudes mãos dos criados de Fernando, sentou-se à
beira de uma poltrona e, apoiando a cabeça dolorida numa das mãos, começou:
- Se devo
desculpar-me, papai, espero que me permita dizer tudo o que puder fazer luz
sobre o trágico acontecimento. Desculpe se começo a defender-me, fazendo-lhe
uma pequena acusação: por que o senhor não veio ao meu encontro na clínica do
doutor Démon, como ficara acertado? Por que o senhor não respondeu à carta que
lhe mandei?
O barão Ernesto abriu os braços, espantado.
- Como poderia
responder a uma carta sua, se não recebi nenhuma? Além disso, quando
indaguei do diretor da clínica sobre sua saúde, foi-me dito, para minha enorme
surpresa, que você tinha fugido, aproveitando a
relativa liberdade que lhe davam, já que consideravam seu estado de saúde não ser
particularmente grave.
- Tudo mentira!
O doutor Démon me manteve sequestrado, servindo-se da cumplicidade de uma
belíssima mulher, impedindo-me qualquer contato com o exterior e
chegou até a me narcotizar, a fim de ter certeza de que não me comunicaria com
ninguém de fora. Os rumores que corriam a propósito das irregularidades que
acontecem no manicômio do doutor Démon eram perfeitamente fundados! Quanto à
mocinha pela qual corri o risco de ficar para sempre prisioneiro naquele lugar
maldito, está ainda lá, nessa clínica, e não sei como
fazer para libertá-la, tal é a astúcia diabólica daquele homem!
- O que você
diz é inverossímil! - exclamou o barão sacudindo, incrédulo, a cabeça. -
Parece-me de fato impossível que em nossa cidade um homem possa ficar
prisioneiro num lugar sem que ninguém tenha notícia dele! Não estamos mais na
Idade Média e tais atrocidades já foram abolidas há muito tempo!
- No entanto, papai, eu juro que é a pura
verdade!
- E ainda
admitindo que o que você diz seja exato – replicou inflexível, o pai de Luís
Paulo, que parecia querer resgatar, usando grande severidade, todo um passado
de condescendência- qual o motivo de sua presença neste palácio?
- Mas é
simples: hoje, milagrosamente, consegui fugir do manicômio, burlando a
vigilância dos meus carcereiros, e saí pela estrada estadual, na esperança de
encontrar uma carruagem que me levasse ao centro da cidade. Mas este bairro,
principalmente à noite, é pouco frequentado, e assim só depois de ter caminhado
um bom pedaço, fraco como estou, pude conseguir carona numa velha carruagem que
me trouxe até ao portão do jardim. Aliás, meia hora antes, eu o vi,
papai,quando passou na carruagem a toda velocidade, mas embora tivesse gritado,
o senhor não me escutou. Se isto tivesse acontecido, agora eu não me
encontraria na situação de ter que responder pela acusação de uma tentativa de homicídio!Minha
intenção era pedir auxílio ao conde Fernando, para poder arrancar aquela moça
das garras do doutor Démon.
- Não podia recorrer à polícia?
- Não, papai,
seria inútil, sei muito bem que esse médico malvado é bastante esperto para
tomar suas precauções e transfigurar de tal modo os fatos que, no caso de uma
investigação por qualquer autoridade, tudo possa aparentar regularidade no seu
manicômio.
O conde Fernando pôs-se de pé e colocou a
mão sobre o ombro do jovem.
- Acredito em
tudo quanto o rapaz disse - exclamou – e se não tivesse acontecido a desgraça
que nos reuniu aqui, teria dado, sem dúvida nenhuma, todo o meu apoio para a liberdade
da moça pela qual ele se interessa. Aliás, ainda lhe ofereço, se houver tempo.
Se bem que sua
cólera já estivesse em parte abrandada, e se sentisse agora mais propenso a crer
nas palavras do filho,talvez porque o conde Fernando fora o primeiro a
demonstrar-lhe confiança, o severo barão Ernesto insistiu:
- Você é muito
generoso e prestativo, amigo Fernando, mas Luís Paulo não sairá desta sala
enquanto não estiver plenamente justificado! A acusação da senhorita Flora
ainda pesa sobre ele. É impossível que ela delirasse, e é preciso descobrir o
motivo!...
- Contudo -
respondeu o conde Fernando que, tendo já estado em contato direto como doutor
Démon por causa de Marta, interessava-se pela situação de Luís Paulo – Flora não
estará em condições de falar por algum tempo, infelizmente. Se eu estivesse em
seu lugar, Ernesto,ajudaria meu filho a levar a cabo o que pensava fazer...
Paulo gostei dessa atitude de Fernando, pelo menos uma vez ele acreditou num inocente! Mas desconfio que não vai ser por muito tempo, pois Denise e Afonso, com certeza logo darão um jeito de incriminar o pobre Luís Paulo que talvez até seja levado novamente para a clínica ou para o presídio. Enquanto isso, Flor de Amor encontra-se completamente desprotegida na clínica perversa! Que drama!
ResponderExcluirPaulo, essa história é bem folhetinesca mesmo. Até as coincidências conspiram contra os bons. Será que pode haver mais alguma maldade. Tentarão eliminar Flora? Luís Paulo fugirá para provar sua inocência? Vamos esperar. Mas está muito bom.
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