sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 18 - PARTE 1 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO
DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XVIII

O DESTINO DE UM INOCENTE

Quando o conde Fernando entrou na biblioteca, encontrou o barão numa poltrona, com a cabeça entre as mãos, numa atitude de grande desconforto... Vendo que o fidalgo olhava à sua volta com ar interrogativo, o velho acenou com a cabeça para uma porta que abria para a parte oposta àquela de onde o amigo havia entrado.
- Mandei Luís Paulo para lá. Não quis nem mesmo ouvir-lhe uma palavra, antes que você viesse... Não era necessário... Mas, diga-me antes, como está a senhorita Flora? Que disse o médico? Corre perigo de vida?
O conde Fernando encheu um cálice com licor e bebeu-o de um trago. O que acontecera, aumentando as terríveis emoções da semana anterior, parecia tê-lo envelhecido prematuramente.
- Infelizmente, a ferida é grave - disse com voz que tentava ser firme. - Mas agora, se não o desagrada, chame seu filho. Quero esclarecer de vez esta questão, embora o assunto seja muito doloroso tanto para você como para mim...
O barão Ernesto se pôs de pé e dirigiu-se para a porta, abrindo-a com decisão.
Pálido, mas franco e resoluto como quem sabe que nada tem a reprovar a si mesmo, Luís Paulo apareceu no espaço aberto.
O conde Fernando, que o conhecia desde criança e estava habituado a tratá-lo amigavelmente, disse-lhe:
- Temos que falar muito seriamente. Recuso-me a crer que tenha sido você quem golpeou a senhorita Flora, mas...
- Um momento! - interrompeu o pai de Luís Paulo, saindo de sua dolorosa meditação. Depois, com a fisionomia fechada e os olhos cintilantes, voltou-se para o jovem: - Fernando é demasiadamente bom e gentil, mas se realmente você cometeu o delito do qual Flora Sardon o acusou, não merece nenhuma defesa, nenhuma piedade! Fique sabendo que serei eu o primeiro a entregá-lo à polícia!
Embora o coração lhe batesse descompassadamente, e ainda se sentisse muito abatido pelo tratamento que lhe haviam infligido a marquesa Renata e o doutor Démon, Luís Paulo se adiantou com passo firme, fitando o pai com determinação.
- Não penso em fugir à responsabilidade, papai - respondeu com calma. - Mas previno ao senhor que as suas palavras, embora justificáveis, não me causam medo; eu sou inocente!
- Inocente! - retrucou o barão, - Esta é sempre a primeira palavra que sai da boca de um culpado! É preciso provar que é inocente! É preciso dar uma prova!
- É exatamente o que desejo fazer, papai. Pergunte-me tudo o que quiser e, eu responderei!
- Escute, Luís Paulo. - prosseguiu o velho, aproximando-se do filho e olhando-o nos olhos como querendo ler no fundo de sua alma - você sabe que tudo fiz para lhe dar uma boa educação, digna da sua posição social, e para que um dia pudesse dignamente herdar o meu título, pois bem, responda-me agora: como pôde ter esquecido tudo o que lhe ensinei?Como se atreveu a macular dessa maneira o nosso nome?...
Luís Paulo, impulsivamente, deu um passo em direção ao velho.
- Pai, o senhor me insulta, se crê que sou culpado do que aconteceu! Tive sempre em mente e no coração os seus conselhos e seus sábios ensinamentos, Deus sabe disso!
- Se é verdade que você é um fidalgo, comporte-se como tal, confessando sua culpa: por que você feriu Flora Sardon? Por que tentou assassiná-la? Responda-me, ou ai de você!
Vendo que Luís Paulo ficara desconcertado ante as duras palavras do pai, o conde Fernando que, de resto, não conseguia convencer a si mesmo de que aquele belo e honesto rapaz tivesse chegado ao ponto de apunhalar uma jovem, como qualquer malfeitor, interveio:
- Ouça, Luís Paulo, reconheço que na vida de um homem não é difícil que surja um momento em que ele possa, quase num estado de inconsciência, deixar-se arrebatar pela paixão até a extrema violência, sei bem que em casos assim,até o mais nobre e melhor, será capaz de cometer ações que,de mente serena, não conseguirá sequer justificar. Admitido isso, diga-me sinceramente: é o responsável pelo que aconteceu esta noite?
Luís Paulo ergueu altivamente a cabeça e, levando a mão ao coração, solenemente, respondeu sem hesitação:
- Juro, perante Deus, que sou inocente. Eu não apunhalei Flora Sardon!
- Creio em você, Luís Paulo. - disse o conde Fernando, convencido pelo tom de sinceridade que vibrava nas palavras do jovem. - O coração me diz que você é inocente. Dê-me a sua mão e perdoe se, por um momento, pude duvidar de você.
Com um sorriso franco nos lábios, Luís Paulo apertou a mão do nobre, dizendo:
- Obrigado, conde!
Mas seu velho pai se interpôs entre os dois, exclamando:
- Um momento! Se o conde Fernando está disposto a acreditarem você e a lhe dar essa grande prova de amizade, pode fazê-lo. Mas eu sou seu pai e não posso permitir que sobre seu comportamento paire sequer a menor dúvida! Já lhe disse que prove sua inocência. Mas se não prová-la, não terá mais o direito de me considerar seu pai!
- Mas, papai - protestou Luís Paulo - eu lhe menti alguma vez, para que agora não acredite na minha palavra? Sabe que sempre fui honesto e leal e que nunca o envergonhei com nenhuma ação má!
- Gostaria de poder acreditar! - murmurou o barão. – Ficaria contente se pudesse novamente estreitá-lo em meus braços, sem sombra de suspeita! Mas se ora duvido da sua honestidade, não é por falta de amor paterno. Tenho ainda nos ouvidos a voz daquela infeliz quando pronunciava seu nome, como sendo o do seu agressor!...
- Já lhe disse que não é possível que tenha dito meu nome!
- Está querendo duvidar do que afirmo?
- Não, mas deve ter havido um terrível equívoco!
- Se há um equívoco, devemos esclarecê-lo imediatamente!
Antes de tudo, que fazia você esta noite no jardim deste palácio?
Luís Paulo ficou um momento perplexo.
- Seria demasiado longo explicar isso... Terei de contar o que me aconteceu antes.
- Pois trate de fazê-lo, então, mas procure ser o mais breve possível!
Luís Paulo, que por momentos sentia sua fraqueza aumentar, consequência ainda do grande esforço que fizera para livrar-se das rudes mãos dos criados de Fernando, sentou-se à beira de uma poltrona e, apoiando a cabeça dolorida numa das mãos, começou:
- Se devo desculpar-me, papai, espero que me permita dizer tudo o que puder fazer luz sobre o trágico acontecimento. Desculpe se começo a defender-me, fazendo-lhe uma pequena acusação: por que o senhor não veio ao meu encontro na clínica do doutor Démon, como ficara acertado? Por que o senhor não respondeu à carta que lhe mandei?
O barão Ernesto abriu os braços, espantado.
- Como poderia responder a uma carta sua, se não recebi nenhuma? Além disso, quando indaguei do diretor da clínica sobre sua saúde, foi-me dito, para minha enorme surpresa, que você tinha fugido, aproveitando a relativa liberdade que lhe davam, já que consideravam seu estado de saúde não ser particularmente grave.
- Tudo mentira! O doutor Démon me manteve sequestrado, servindo-se da cumplicidade de uma belíssima mulher, impedindo-me qualquer contato com o exterior e chegou até a me narcotizar, a fim de ter certeza de que não me comunicaria com ninguém de fora. Os rumores que corriam a propósito das irregularidades que acontecem no manicômio do doutor Démon eram perfeitamente fundados! Quanto à mocinha pela qual corri o risco de ficar para sempre prisioneiro naquele lugar maldito, está ainda lá, nessa clínica, e não sei como fazer para libertá-la, tal é a astúcia diabólica daquele homem!
- O que você diz é inverossímil! - exclamou o barão sacudindo, incrédulo, a cabeça. - Parece-me de fato impossível que em nossa cidade um homem possa ficar prisioneiro num lugar sem que ninguém tenha notícia dele! Não estamos mais na Idade Média e tais atrocidades já foram abolidas há muito tempo!
- No entanto, papai, eu juro que é a pura verdade!
- E ainda admitindo que o que você diz seja exato – replicou inflexível, o pai de Luís Paulo, que parecia querer resgatar, usando grande severidade, todo um passado de condescendência- qual o motivo de sua presença neste palácio?
- Mas é simples: hoje, milagrosamente, consegui fugir do manicômio, burlando a vigilância dos meus carcereiros, e saí pela estrada estadual, na esperança de encontrar uma carruagem que me levasse ao centro da cidade. Mas este bairro, principalmente à noite, é pouco frequentado, e assim só depois de ter caminhado um bom pedaço, fraco como estou, pude conseguir carona numa velha carruagem que me trouxe até ao portão do jardim. Aliás, meia hora antes, eu o vi, papai,quando passou na carruagem a toda velocidade, mas embora tivesse gritado, o senhor não me escutou. Se isto tivesse acontecido, agora eu não me encontraria na situação de ter que responder pela acusação de uma tentativa de homicídio!Minha intenção era pedir auxílio ao conde Fernando, para poder arrancar aquela moça das garras do doutor Démon.
- Não podia recorrer à polícia?
- Não, papai, seria inútil, sei muito bem que esse médico malvado é bastante esperto para tomar suas precauções e transfigurar de tal modo os fatos que, no caso de uma investigação por qualquer autoridade, tudo possa aparentar regularidade no seu manicômio.
O conde Fernando pôs-se de pé e colocou a mão sobre o ombro do jovem.
- Acredito em tudo quanto o rapaz disse - exclamou – e se não tivesse acontecido a desgraça que nos reuniu aqui, teria dado, sem dúvida nenhuma, todo o meu apoio para a liberdade da moça pela qual ele se interessa. Aliás, ainda lhe ofereço, se houver tempo.
Se bem que sua cólera já estivesse em parte abrandada, e se sentisse agora mais propenso a crer nas palavras do filho,talvez porque o conde Fernando fora o primeiro a demonstrar-lhe confiança, o severo barão Ernesto insistiu:
- Você é muito generoso e prestativo, amigo Fernando, mas Luís Paulo não sairá desta sala enquanto não estiver plenamente justificado! A acusação da senhorita Flora ainda pesa sobre ele. É impossível que ela delirasse, e é preciso descobrir o motivo!...
- Contudo - respondeu o conde Fernando que, tendo já estado em contato direto como doutor Démon por causa de Marta, interessava-se pela situação de Luís Paulo – Flora não estará em condições de falar por algum tempo, infelizmente. Se eu estivesse em seu lugar, Ernesto,ajudaria meu filho a levar a cabo o que pensava fazer...

2 comentários:

  1. Paulo gostei dessa atitude de Fernando, pelo menos uma vez ele acreditou num inocente! Mas desconfio que não vai ser por muito tempo, pois Denise e Afonso, com certeza logo darão um jeito de incriminar o pobre Luís Paulo que talvez até seja levado novamente para a clínica ou para o presídio. Enquanto isso, Flor de Amor encontra-se completamente desprotegida na clínica perversa! Que drama!

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  2. Paulo, essa história é bem folhetinesca mesmo. Até as coincidências conspiram contra os bons. Será que pode haver mais alguma maldade. Tentarão eliminar Flora? Luís Paulo fugirá para provar sua inocência? Vamos esperar. Mas está muito bom.

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