O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Mais
frio e calculista do que Denise, o larápio havia imaginado instantaneamente um
plano de ação, e estava decidido a pô-lo em prática.
Flora,
já reanimada, investiu.
-
E o senhor, como pode ser tão atrevido? Largue imediatamente a condessinha, se
não quer que eu chame os criados para que usem a força! Não tem o direito de
aproveitar-se, se ela se rebaixou até o senhor por ingenuidade! Saiba que o
homem que tenta seduzir uma jovem inexperiente, é um infame!...
-
Senhorita, deixe-me falar, por favor - demandou Afonso, com voz calma. -
Asseguro-lhe que está cometendo um enorme erro e que faz mal em insultar-me.
Suas censuras, porém, não me atingem, porque sei que ignora como se passam
realmente as coisas, permita ao menos que eu me explique!
-
É totalmente inútil! - replicou Flora. - Poupe-se o trabalho de inventar
mentiras! Isto só serviria para piorar a sua situação! Largue a condessinha, vamos!
-
Quer dizer que tem mesmo a intenção de contar o que viu ao conde?
-
Lamento pela senhorita Denise, mas é o que farei! Não posso deixar o senhor
conde na ignorância disso!
-
Escute-me, então...
Flora,
vendo que o rapaz estava resolvido a continuar a discussão, e não só isto, mas
que não tencionava largar Denise, não querendo recorrer a meios extremos,
fazendo estourar um escândalo, disse depois de um momento de incerteza:
-
Está bem! Explique-se, então, mas depressa!
-
Serei breve - respondeu Afonso, tentando tomar um ar sério e compenetrado, - Eu
não sou, como lhe pareço, um humilde cavalariço, mais sim um fidalgo, tão nobre
como o conde Fernando. Meu nome é... Luís Paulo de Rastignac!
-
Como?!- disse Flora, estupefata. - Seria o senhor o filho do ilustre barão
Ernesto?
-
Precisamente! - retorquiu o malandro, lançando um olhar triunfante à Denise que
continuava muito pálida. – E é por amor a esta jovem que eu me faço passar por
um rapaz pobre e sem família...
-
Continuo a não compreender...
-
Se me permite, esclarecerei a situação: eu e a condessinha nos conhecemos no
Canadá, em Ottawa. Vimo-nos e amamo-nos, no mesmo instante. Infelizmente,
porém, percebemos que a nossa união era impossível. Meu pai, homem à antiga,
jamais daria consentimento para o meu matrimônio com uma moça pobre e sem
família, privada até mesmo de um nome legítimo, já que naquela época ela ainda
não havia encontrado o pai...
-
Quando meu pai acabou de resolver os negócios que o levaram a Ottawa, tivemos
de separar-nos. Eu já temia não tornar a ver a minha Denise, quando há alguns
dias avistei-a, por acaso, junto do pai. Indagando aqui e ali, vim a saber toda
a sua triste estória. É claro que eu não me podia apresentar logo ao conde,
que, por outro lado, nem, me conhece, e pedir-lhe a mão da filha... Mas eu me
torturava, pensando que com o tempo e com a separação, o amor de Denise fosse
enfraquecendo. Cogitei então o estratagema que a senhorita viu, sujeitei-me a
ser cavalariço, para ficar perto dela. Mais tarde, logo que tenha uma
oportunidade, comparecerei à presença do conde Fernando e lhe farei o meu
pedido, de acordo com as regras do protocolo...
Efetivamente,
o delinquente dava prova de possuir bastante imaginação e desembaraço para conseguir
inventar tão relevante número de lorotas em poucos minutos. E o tom de
sinceridade com que havia falado não deixara de impressionar fortemente a
romântica Flora, muito embora ela não estivesse de todo convencida.
-
E agora, senhorita - concluiu Afonso - diga-me, sinceramente, se julga oportuno
contar ao conde o que viu. Aliás, o que iria fazer seria apenas pô-lo a par,
com um pouco de antecipação...
-
Se é assim - disse Flora - eu lhe darei o tempo de agir conforme o que
estabelecem... Não quero ser desmancha
prazeres, afinal... Mas vai dar-me a sua palavra de fidalgo, então, de que se
comportará sempre honestamente com a moça! Ela é tão jovem, tão inocente, que
não conhece as insídias e maldades dos homens!...
-
Pode ficar tranquila - apressou-se a responder Afonso, lançando um olhar
irônico e expressivo para Denise. A fim de dissipar aquela atmosfera de
instintivo e recíproco rancor, que se havia criado depois da sua intempestiva
chegada, com sua habitual cortesia, Flora se aproximou da falsa condessinha e
disse-lhe, estendendo-lhe a mão:
-
Perdoe-me, se há pouco pareci um pouco severa e impulsiva demais. Não podia
imaginar que o homem que a beijava fosse não só o seu namorado, como ainda por
cima um nobre!
-
Já está perdoada. - Balbuciou Denise, que ainda não se recompusera do susto. -
O importante, no momento, é que papai não saiba. Acho que ele não aprovaria o
modo de agir de Luís Paulo, embora tudo tenha sido feito de boa fé...
-
Sosseguem, guardarei zelosamente o segredo - assegurou a bondosa Flora,
despedindo-se, com um amistoso aceno de cabeça.
Imersa
em seus pensamentos a jovem se dirigiu novamente para as alamedas do parque.
Aquela noite estava sendo tão pródiga em acontecimentos, que sentia cada vez
mais necessidade de respirar o ar fresco.
Havia
atravessado já quase todo o jardim, quando, súbito, ouviu um rumor de passos no
saibro, bem diante dela. Olhou naquela direção, curiosa, e, também um pouco
amedrontada. Então Flora avistou diante de si um homem alto e robusto, com o
rosto adornado por farta barba grisalha...
-
Queira desculpar, senhorita... - disse o desconhecido, tirando o chapéu...
Preciso falar com, o conde Fernando de Chanteloup, sei que a hora é imprópria,
mas o motivo que me traz aqui é realmente de grande importância, e não posso
perder muito tempo...
-
Não sei se ainda estará acordado a esta hora - disse Flora - mas venha comigo
até o palacete e eu anunciarei sua visita, Pode dizer seu nome?
-
Sou o barão Ernesto de Rastignac e conheço o conde Fernando há muito tempo, por
isto, tomei a liberdade de vir incomodá-lo a esta hora.
Imaginando,
depois do que Afonso havia dito, que o velho tivesse ido ao palacete saber
noticias do filho, Flora o precedeu pela alameda e depois de tê-lo introduzido
no amplo vestíbulo, ordenou ao mordomo que anunciasse ao conde Fernando a
visita do barão Ernesto de Rastignac.
Enquanto
isto, Afonso e Denise, na porta da coudelaria congratulavam-se mutuamente pelo
modo brilhante com que tinham conseguido safar-se da precária situação em que
os colocou Flora, com o seu súbito aparecimento.
-
Você é formidável! - dizia Denise a Afonso. - Não fosse a sua presença de
espírito e toda a nossa intriga teria fracassado, miseravelmente.
-
Pode ficar sossegada - declarou o larápio, pavoneando-se. - Sou especialista em
safar-me das situações difíceis!
-
Mas acho - objetou Denise, - que cometeu um erro usando o nome de uma pessoa
que o conde conhece...
-
Tolice!- riu Afonso, ainda orgulhoso de sua idéia. - Afinal de contas, quem
pode vir agora provar que não sou Luís de Rastignac? Mas deixemos para lá estas
futilidades. Diga-me, quando acha que seria mais oportuno tentarmos, o golpe de
que falávamos antes de aparecer essa importuna?
Denise
refletiu um pouco, depois disse:
-
Quanto mais depressa melhor. Acho que bem poderia ser amanhã. É um dia
particularmente propício, porque todas as quintas-feiras o conde vai à cidade,
tratar de negócios que são sempre demorados. E, sendo assim, creio que teremos
uma boa metade do dia livre! Eu esta mesma noite tratarei de tirar com cera o
molde da chave que sei onde a guarda o conde.
-
Ótimo, então! - exclamou Afonso. - Ficamos então...
Não
terminou a frase porque, inesperadamente, havia chegado das sombras do parque
uma voz feminina, chamando:
-
Senhorita Denise! Condessinha!...
Saindo
da coudelaria, Afonso dirigiu-se à recém-chegada.
-
Senhorita Flora, por aqui novamente? Confesso que não esperava revê-la...
-
Vim dar uma notícia da qual tenho certeza de que vai gostar! Adivinhe quem chegou
ao palacete! O senhor seu pai, o barão Ernesto! - continuou Flora, alegre, como
sempre que podia dar alguma boa notícia.
Daquela
vez, no entanto,não podia imaginar que o que tinha vindo dizer não era nada
agradável para os dois cúmplices.
-
Não pode ser! - exclamou Afonso, empalidecendo, enquanto Denise, aterrorizada,
abraçava-se a ele.
-
Não duvide. Neste momento, já está falando com o conde Fernando! Deve ter vindo
pedir notícias do senhor, que há vários dias não dá sinal de vida, não é? Ande,
vá falar com ele, por favor! O coitado parecia seriamente preocupado...
-
Não posso aparecer diante dele vestindo esta libré - tentou esquivar-se Afonso,
já maldizendo a infeliz idéia que tivera, de fazer-se passar por Luís Paulo. -
Devo trocar de roupa, ao menos! Meu pai, quando souber que aqui sou cavalariço,
vai ficar muito zangado, e é bom que pelo menos eu me apresente vestido
decentemente!
-
Tem razão - concordou Flora. - Eu o esperarei à porta do palácio, mas, por
favor, veja se anda depressa!
-
Que azar! - praguejou Afonso, quando Flora chegou a uma distância em que não
podia mais ouvi-lo. - E agora, que faço? Minha tramoia será imediatamente
descoberta!
Ficou
incerto, por um instante, depois, tirando do bolso um punhal, murmurou em tom
soturno, enquanto Denise o olhava, incapaz até de falar, de tanto medo.
-
A única saída que me resta, é acabar com a vida dessa mulher a quem disse que
eu sou Luís Paulo de Rastignac! Se ela não tiver contado nada a ninguém, ainda
estará em tempo!
Sem
mais demora correu atrás da jovem, cuja sombra se avistava longe, nas alamedas
do jardim.
Mal
chegou junto dela, tentando reprimir a respiração ofegante, ele exclamou:
-
Eh, senhorita, mudei de ideia! Para ser franco, esta visita inesperada me
desconcertou um pouco.
-
Como assim? - perguntou Flora, admirada.
-
Explicarei tudo em duas palavras: é verdade que amo Denise mais do que minha
própria vida, mas, antes de comprometer-me diante do pai dela, queria refletir
mais um pouco, sobre o passo que vou dar. Compreende, não?
-
Mas, como? Não me havia dito há poucos minutos, que não via a hora de poder
falar com o conde, para lhe pedir a mão da filha?
-
Sim, é verdade, mas... Sabe, sou jovem, um pouco volúvel, tenho medo de fazer a
infelicidade de Denise, tomando uma decisão estouvada...
-
Já compreendi muito bem, não tenha dúvida - respondeu Flora, secamente. - O
senhor deve considerar sua relação com Denise um namorico sem consequências.
Não é verdade? Devo dizer, aliás, que imaginei isto, logo que os vi. Mas tome
cuidado para não cometer imprudências! O conde Fernando adora a filha e não o
perdoaria nunca se lhe acontecesse algum mal, muito embora o senhor tenha salvo
sua vida!
-
Senhorita, parece-me que agora está exagerando!
-
Em absoluto! E agora venha ao palácio e se apresente a seu pai, se não quiser
que eu conte ao conde Fernando a cena a que assisti, involuntariamente!
Uma
profunda ruga sulcou a testa de Afonso, ao passo que em seus olhos brilhava um
clarão de ira, mal reprimida.
-
E se eu lhe dissesse que tenho gravíssimos motivos que me obrigam a não ver meu
pai?
-
Pode fazer o que quiser, mas eu o avisei; já sabe o que lhe acontecerá...
Contarei a ele que o senhor está aqui!
Flora
se interrompeu bruscamente, enquanto a voz lhe morria na garganta. Um brilho
metálico lhe chamara a atenção e, aguçando os olhos no escuro, avistara o
punhal na mão do rapaz, instintivamente, incapaz de gritar, de tão apavorada,
virou-se e tentou fugir. Mas o vil malandro correu atrás dela e a alcançou.
Um
instante depois, o silêncio reinante no jardim foi quebrado por um grito de
dor. Flora, vítima de sua retidão, havia caído pesadamente ao chão, talvez mortalmente
ferida pelo punhal do covarde facínora, molhando de sangue a areia da alameda!
Até agora só os maus têm se dado bem. E quantos maus nessa história. Acho que a pobre Flora morreu, mas se não, não vai contar nada por um bom tempo. Estou esperando a virada dos bons, porque até agora os maus estão ganhando de goleada. kkkkkkkk
ResponderExcluirPobre Flora desde o começo, pressenti que ela estava correndo um sério risco. Mas acho que Afonso e Denise, uma hora vão cometer um erro que será o fim dessa encenação. Mas o Dr, Démon e Renata vão demorar mais a serem desmascarados! Que folhetim!
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