quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 14 - SEGUNDA PARTE - COLABORAÇÃO: PAULO SENA


O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL



Mais frio e calculista do que Denise, o larápio havia imaginado instantaneamente um plano de ação, e estava decidido a pô-lo em prática.
Flora, já reanimada, investiu.
- E o senhor, como pode ser tão atrevido? Largue imediatamente a condessinha, se não quer que eu chame os criados para que usem a força! Não tem o direito de aproveitar-se, se ela se rebaixou até o senhor por ingenuidade! Saiba que o homem que tenta seduzir uma jovem inexperiente, é um infame!...
- Senhorita, deixe-me falar, por favor - demandou Afonso, com voz calma. - Asseguro-lhe que está cometendo um enorme erro e que faz mal em insultar-me. Suas censuras, porém, não me atingem, porque sei que ignora como se passam realmente as coisas, permita ao menos que eu me explique!
- É totalmente inútil! - replicou Flora. - Poupe-se o trabalho de inventar mentiras! Isto só serviria para piorar a sua situação! Largue a condessinha, vamos!
- Quer dizer que tem mesmo a intenção de contar o que viu ao conde?
- Lamento pela senhorita Denise, mas é o que farei! Não posso deixar o senhor conde na ignorância disso!
- Escute-me, então...
Flora, vendo que o rapaz estava resolvido a continuar a discussão, e não só isto, mas que não tencionava largar Denise, não querendo recorrer a meios extremos, fazendo estourar um escândalo, disse depois de um momento de incerteza:
- Está bem! Explique-se, então, mas depressa!
- Serei breve - respondeu Afonso, tentando tomar um ar sério e compenetrado, - Eu não sou, como lhe pareço, um humilde cavalariço, mais sim um fidalgo, tão nobre como o conde Fernando. Meu nome é... Luís Paulo de Rastignac!
- Como?!- disse Flora, estupefata. - Seria o senhor o filho do ilustre barão Ernesto?
- Precisamente! - retorquiu o malandro, lançando um olhar triunfante à Denise que continuava muito pálida. – E é por amor a esta jovem que eu me faço passar por um rapaz pobre e sem família...
- Continuo a não compreender...
- Se me permite, esclarecerei a situação: eu e a condessinha nos conhecemos no Canadá, em Ottawa. Vimo-nos e amamo-nos, no mesmo instante. Infelizmente, porém, percebemos que a nossa união era impossível. Meu pai, homem à antiga, jamais daria consentimento para o meu matrimônio com uma moça pobre e sem família, privada até mesmo de um nome legítimo, já que naquela época ela ainda não havia encontrado o pai...
- Quando meu pai acabou de resolver os negócios que o levaram a Ottawa, tivemos de separar-nos. Eu já temia não tornar a ver a minha Denise, quando há alguns dias avistei-a, por acaso, junto do pai. Indagando aqui e ali, vim a saber toda a sua triste estória. É claro que eu não me podia apresentar logo ao conde, que, por outro lado, nem, me conhece, e pedir-lhe a mão da filha... Mas eu me torturava, pensando que com o tempo e com a separação, o amor de Denise fosse enfraquecendo. Cogitei então o estratagema que a senhorita viu, sujeitei-me a ser cavalariço, para ficar perto dela. Mais tarde, logo que tenha uma oportunidade, comparecerei à presença do conde Fernando e lhe farei o meu pedido, de acordo com as regras do protocolo...
Efetivamente, o delinquente dava prova de possuir bastante imaginação e desembaraço para conseguir inventar tão relevante número de lorotas em poucos minutos. E o tom de sinceridade com que havia falado não deixara de impressionar fortemente a romântica Flora, muito embora ela não estivesse de todo convencida.
- E agora, senhorita - concluiu Afonso - diga-me, sinceramente, se julga oportuno contar ao conde o que viu. Aliás, o que iria fazer seria apenas pô-lo a par, com um pouco de antecipação...
- Se é assim - disse Flora - eu lhe darei o tempo de agir conforme o que estabelecem...  Não quero ser desmancha prazeres, afinal... Mas vai dar-me a sua palavra de fidalgo, então, de que se comportará sempre honestamente com a moça! Ela é tão jovem, tão inocente, que não conhece as insídias e maldades dos homens!...
- Pode ficar tranquila - apressou-se a responder Afonso, lançando um olhar irônico e expressivo para Denise. A fim de dissipar aquela atmosfera de instintivo e recíproco rancor, que se havia criado depois da sua intempestiva chegada, com sua habitual cortesia, Flora se aproximou da falsa condessinha e disse-lhe, estendendo-lhe a mão:
- Perdoe-me, se há pouco pareci um pouco severa e impulsiva demais. Não podia imaginar que o homem que a beijava fosse não só o seu namorado, como ainda por cima um nobre!
- Já está perdoada. - Balbuciou Denise, que ainda não se recompusera do susto. - O importante, no momento, é que papai não saiba. Acho que ele não aprovaria o modo de agir de Luís Paulo, embora tudo tenha sido feito de boa fé...
- Sosseguem, guardarei zelosamente o segredo - assegurou a bondosa Flora, despedindo-se, com um amistoso aceno de cabeça.
Imersa em seus pensamentos a jovem se dirigiu novamente para as alamedas do parque. Aquela noite estava sendo tão pródiga em acontecimentos, que sentia cada vez mais necessidade de respirar o ar fresco.
Havia atravessado já quase todo o jardim, quando, súbito, ouviu um rumor de passos no saibro, bem diante dela. Olhou naquela direção, curiosa, e, também um pouco amedrontada. Então Flora avistou diante de si um homem alto e robusto, com o rosto adornado por farta barba grisalha...
- Queira desculpar, senhorita... - disse o desconhecido, tirando o chapéu... Preciso falar com, o conde Fernando de Chanteloup, sei que a hora é imprópria, mas o motivo que me traz aqui é realmente de grande importância, e não posso perder muito tempo...
- Não sei se ainda estará acordado a esta hora - disse Flora - mas venha comigo até o palacete e eu anunciarei sua visita, Pode dizer seu nome?
- Sou o barão Ernesto de Rastignac e conheço o conde Fernando há muito tempo, por isto, tomei a liberdade de vir incomodá-lo a esta hora.
Imaginando, depois do que Afonso havia dito, que o velho tivesse ido ao palacete saber noticias do filho, Flora o precedeu pela alameda e depois de tê-lo introduzido no amplo vestíbulo, ordenou ao mordomo que anunciasse ao conde Fernando a visita do barão Ernesto de Rastignac.
Enquanto isto, Afonso e Denise, na porta da coudelaria congratulavam-se mutuamente pelo modo brilhante com que tinham conseguido safar-se da precária situação em que os colocou Flora, com o seu súbito aparecimento.
- Você é formidável! - dizia Denise a Afonso. - Não fosse a sua presença de espírito e toda a nossa intriga teria fracassado, miseravelmente.
- Pode ficar sossegada - declarou o larápio, pavoneando-se. - Sou especialista em safar-me das situações difíceis!
- Mas acho - objetou Denise, - que cometeu um erro usando o nome de uma pessoa que o conde conhece...
- Tolice!- riu Afonso, ainda orgulhoso de sua idéia. - Afinal de contas, quem pode vir agora provar que não sou Luís de Rastignac? Mas deixemos para lá estas futilidades. Diga-me, quando acha que seria mais oportuno tentarmos, o golpe de que falávamos antes de aparecer essa importuna?
Denise refletiu um pouco, depois disse:
- Quanto mais depressa melhor. Acho que bem poderia ser amanhã. É um dia particularmente propício, porque todas as quintas-feiras o conde vai à cidade, tratar de negócios que são sempre demorados. E, sendo assim, creio que teremos uma boa metade do dia livre! Eu esta mesma noite tratarei de tirar com cera o molde da chave que sei onde a guarda o conde.
- Ótimo, então! - exclamou Afonso. - Ficamos então...
Não terminou a frase porque, inesperadamente, havia chegado das sombras do parque uma voz feminina, chamando:
- Senhorita Denise! Condessinha!...
Saindo da coudelaria, Afonso dirigiu-se à recém-chegada.
- Senhorita Flora, por aqui novamente? Confesso que não esperava revê-la...
- Vim dar uma notícia da qual tenho certeza de que vai gostar! Adivinhe quem chegou ao palacete! O senhor seu pai, o barão Ernesto! - continuou Flora, alegre, como sempre que podia dar alguma boa notícia.
Daquela vez, no entanto,não podia imaginar que o que tinha vindo dizer não era nada agradável para os dois cúmplices.
- Não pode ser! - exclamou Afonso, empalidecendo, enquanto Denise, aterrorizada, abraçava-se a ele.
- Não duvide. Neste momento, já está falando com o conde Fernando! Deve ter vindo pedir notícias do senhor, que há vários dias não dá sinal de vida, não é? Ande, vá falar com ele, por favor! O coitado parecia seriamente preocupado...
- Não posso aparecer diante dele vestindo esta libré - tentou esquivar-se Afonso, já maldizendo a infeliz idéia que tivera, de fazer-se passar por Luís Paulo. - Devo trocar de roupa, ao menos! Meu pai, quando souber que aqui sou cavalariço, vai ficar muito zangado, e é bom que pelo menos eu me apresente vestido decentemente!
- Tem razão - concordou Flora. - Eu o esperarei à porta do palácio, mas, por favor, veja se anda depressa!
- Que azar! - praguejou Afonso, quando Flora chegou a uma distância em que não podia mais ouvi-lo. - E agora, que faço? Minha tramoia será imediatamente descoberta!
Ficou incerto, por um instante, depois, tirando do bolso um punhal, murmurou em tom soturno, enquanto Denise o olhava, incapaz até de falar, de tanto medo.
- A única saída que me resta, é acabar com a vida dessa mulher a quem disse que eu sou Luís Paulo de Rastignac! Se ela não tiver contado nada a ninguém, ainda estará em tempo!
Sem mais demora correu atrás da jovem, cuja sombra se avistava longe, nas alamedas do jardim.
Mal chegou junto dela, tentando reprimir a respiração ofegante, ele exclamou:
- Eh, senhorita, mudei de ideia! Para ser franco, esta visita inesperada me desconcertou um pouco.
- Como assim? - perguntou Flora, admirada.
- Explicarei tudo em duas palavras: é verdade que amo Denise mais do que minha própria vida, mas, antes de comprometer-me diante do pai dela, queria refletir mais um pouco, sobre o passo que vou dar. Compreende, não?
- Mas, como? Não me havia dito há poucos minutos, que não via a hora de poder falar com o conde, para lhe pedir a mão da filha?
- Sim, é verdade, mas... Sabe, sou jovem, um pouco volúvel, tenho medo de fazer a infelicidade de Denise, tomando uma decisão estouvada...
- Já compreendi muito bem, não tenha dúvida - respondeu Flora, secamente. - O senhor deve considerar sua relação com Denise um namorico sem consequências. Não é verdade? Devo dizer, aliás, que imaginei isto, logo que os vi. Mas tome cuidado para não cometer imprudências! O conde Fernando adora a filha e não o perdoaria nunca se lhe acontecesse algum mal, muito embora o senhor tenha salvo sua vida!
- Senhorita, parece-me que agora está exagerando!
- Em absoluto! E agora venha ao palácio e se apresente a seu pai, se não quiser que eu conte ao conde Fernando a cena a que assisti, involuntariamente!
Uma profunda ruga sulcou a testa de Afonso, ao passo que em seus olhos brilhava um clarão de ira, mal reprimida.
- E se eu lhe dissesse que tenho gravíssimos motivos que me obrigam a não ver meu pai?
- Pode fazer o que quiser, mas eu o avisei; já sabe o que lhe acontecerá... Contarei a ele que o senhor está aqui!
Flora se interrompeu bruscamente, enquanto a voz lhe morria na garganta. Um brilho metálico lhe chamara a atenção e, aguçando os olhos no escuro, avistara o punhal na mão do rapaz, instintivamente, incapaz de gritar, de tão apavorada, virou-se e tentou fugir. Mas o vil malandro correu atrás dela e a alcançou.
Um instante depois, o silêncio reinante no jardim foi quebrado por um grito de dor. Flora, vítima de sua retidão, havia caído pesadamente ao chão, talvez mortalmente ferida pelo punhal do covarde facínora, molhando de sangue a areia da alameda! 

2 comentários:

  1. Até agora só os maus têm se dado bem. E quantos maus nessa história. Acho que a pobre Flora morreu, mas se não, não vai contar nada por um bom tempo. Estou esperando a virada dos bons, porque até agora os maus estão ganhando de goleada. kkkkkkkk

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  2. Pobre Flora desde o começo, pressenti que ela estava correndo um sério risco. Mas acho que Afonso e Denise, uma hora vão cometer um erro que será o fim dessa encenação. Mas o Dr, Démon e Renata vão demorar mais a serem desmascarados! Que folhetim!

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