domingo, 2 de setembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 9 - SEGUNDA PARTE - COLABORAÇÃO: PAULO SENA



O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Transcorridos os primeiros momentos de assombro, passados a observar a desconhecida, nova vítima da crueldade do doutor Démon, Luís Paulo de Rastignac carregou a mulher que chorava e a estendeu no leito.
- Tenha coragem - disse para confortá-la. - Agora ninguém mais lhe fará mal.
A mulher se moveu debilmente, conservando as pálpebras abaixadas e seu corpo de formas esculturais parecia adaptar-se mal à dureza do colchão.
Luís Paulo, solícito, ajeitou-lhe melhor o travesseiro debaixo da cabeça e então a mulher abriu os olhos, magníficos olhos verdes, que desprendiam clarões de esmeralda.
- Saia daqui! Não me toque! Você é um louco! Estou trancada na mesma cela de um louco! - gritou, com voz rouca.
O rapaz se retraiu imediatamente para acalmá-la, e se apressou a explicar:
- Não se assuste, senhora, eu não sou louco, não. Apesar de estar internado na clínica do doutor Démon, o meu juízo é perfeito.
- Mas... Então, por que o senhor está trancado neste triste lugar? - perguntou a loura, que, apesar de aparentar quarenta anos, ainda possuía rara beleza.
- Sério motivo me faz permanecer entre os loucos, embora eu não seja demente - explicou Luís Paulo. - E tudo me dá a entender que a senhora goza de perfeita lucidez mental, também.
- Exato - quase gemeu a loura. - Não sou louca. Meus parentes são pérfidos e me sequestraram nesta maldita clínica. Agora eles devoram os meus bens, enquanto eu morro aqui de tristeza e desespero.
- Eu já estava imaginando isso, precisamente - disse Luís Paulo, com aquela veemência, própria de sua vigorosa juventude.
Olhou penalizado para aquela infortunada senhora e acrescentou:
- Muito suspeitam de que o doutor Démon reuniu uma grande fortuna, prestando-se a esses negócios escusos. Eu, senhora, estou aqui para evitar que uma pobre jovem que entrou nesta clínica, à procura de sua mãe, seja vítima da maldade desse médico patife. Para salvá-la, estou passando por louco. Era o único meio que dispunha para entrar nesta clínica de horrores, sem que o doutor Démon suspeitasse das minhas intenções.
- Talvez o senhor seja o anjo que Deus me envia para que ao mesmo tempo em que salva essa pobre moça, ajuda-me a reaver a liberdade, a sair deste manicômio, onde vivo sequestrada sem esperança. Posso, contar com o senhor...?
- Luís Paulo de Rastignac, esse é meu nome - apressou-se a responder o rapaz. - A senhora pode contar comigo. É dever de todo homem honesto ajudar a perseguidos e injustiçados!
- O senhor nãoimagina com que prazer escuto essas suas nobres palavras, Meu nome é Glória Lantier. Pertenço a uma das famílias mais ricas e poderosas da Martinica. Daquela ilha distante me trouxeram até Nova Orleans para que ficasse sequestrada na clínica do doutor Démon. Eu não sou ingrata e saberei corresponder a tudo aquilo que o senhor possa fazer por mim.
- Eu tampouco sou pobre, sou filho do barão de Rastignac, que é um dos grandes proprietários, na Lousiana. Farei tudo quanto estiver ao meu alcance em favor da senhora; porém desinteressadamente. Espero, muito breve, poder tirá-la daqui, juntamente com a moça pela qual estou passando por louco, quando na realidade sou louco, sim, porém, só de amor, pela minha adorável Maria “Flor de Amor”, a criatura mais linda que há sobre a terra.
- Você está apaixonado, meu bom amigo?
- Só vivo para amar essa criatura, que tão justamente é apelidada de "Flor de Amor".
- Tem algum plano para devolver a liberdade à sua enamorada? - perguntou a loura Glória Lantier.
- Sim - respondeu o rapaz, explicando que aproveitaria a visita diária que o doutor Démon fazia aos internados na clínica, para atacá-lo.
- Sou um atleta - afirmou com suficiência Luís Paulo. - Tenho punhos de ferro. Com eles, vou deixar o médico maldito sem dentes. Ele cairá aos meus pés, sem sentidos e eu aproveitarei para fugir com Maria e com a senhora, por uma passagem secreta da clínica, que tive a sortede descobrir.
Mas, quando acabou de explicar seu projeto, viu que a bela senhora loura fazia gestos de desaprovação.
- Mas enquanto você golpeia o doutor Démon, os enfermeiros, rudes e hercúleos, acudirão em defesa de seu patrão, a quem nunca perdem de vista, e você receberá o troco, sendo barbaramente surrado por esses criminosos. Em seguida, será fechado numa cela solitária, com uma camisa de força. E nunca mais poderá fazer coisa alguma para salvar sua amada e nem para me salvar.
- Tem razão... - murmurou o veemente Luís Paulo, forçado a reconhecer que as advertências de Glória Lantier não podiam ser mais justas.
- Para você enfrentar o doutor Démon - tornou a dizer Glória - precisa de uma arma. E eu trouxe uma pistola bem escondida, no fundo duplo de minha mala, quando viajei com meus parentes da Martinica para cá. Eu não possuo coragem suficiente para utilizá-la, porém você, rapaz nobre e forte, pode fazer com ela um ato de justiça, que muitos infelizes que aqui gemem vão agradecer-lhe.
Falando assim, Glória sacou a arma de uma bolsa oculta na saia e a estendeu para Luís Paulo.
- Faça o que eu lhe aconselho. Fique com essa pistola. Amanhã, quando o relógio da catedral soar as badaladas das nove horas, o doutor Démon, que tem por hábito fazer a essa hora sua visita médica aos reclusos de sua clínica, abrirá a porta de sua cela. Então, Luís Paulo, apenas aberta a porta, neste instante você dispara contra ele, tratando de fazer pontaria no seu vil coração. Os enfermeiros, querendo salvar suas vidas, fugirão. E nós nos apoderaremos das chaves da clínica e poremos em liberdade não só a moça que você ama, mas aos outros infelizes que contra sua vontade permanecem reclusosnesta clínica.
- Senhora Lantier... É terrível o que me propõe fazer. Matar um homem sem lhe dar tempo de se defender, por pior que ele seja, não é uma ação nobre...
- Então, prefere ficar preso aqui dentro? - replicou Glória, com sarcasmo, - Prefere que o médico satânico faça enlouquecer, de verdade, à "Flor de Amor", como, segundo parece, fez enlouquecer sua pobre mãe? Pense que não será perseguido pela justiça, porque a polícia imediatamente descobriria o tipo de atividade que ele desenvolve neste manicômio e seus numerosos crimes! É preciso usar a força! O importante é que o senhor atire, sem hesitar, logo que se abra a porta da cela!
A ideia de derramar sangue humano repugnava a Luís Paulo, mas, por outro lado, a situação era tal que não oferecia melhor solução.
- Está bem, senhora Lantier - decidiu. - Alguém, qualquer dia, precisaria encarregar-se de pôr um ponto final aos crimes desse demônio, e o destino quis que fosse eu. Agradeço-lhe por ter-me dado o ensejo de cumprir um ato de justiça, não me esquecerei disto.
Durante todo o dia, Luís Paulo não se atreveu a comunicar-se com a sua "Flor de Amor", apesar de saber que ela devia estar muito ansiosa, sem suas notícias.
Mas o rapaz temia que tudo fosse descoberto antes do tempo e que a cólera do doutor Démon pudesse desafogar-se sobre a mocinha indefesa. Glória Lantier, depois daquele breve diálogo, guardou silêncio. E veio a noite, sem que nada acontecesse. Não se ouviam mais nem mesmo os gritos dilacerantes dos dementes: era como se a tenebrosa clínica tivessesido abandonada pelos seus habitantes. Pela manhã, Glória dirigiu com delicadeza a palavra ao companheiro:
- Acha ainda que devemos tentar a fuga do modo que projetamos? São quase nove horas, Démon não tardará em aparecer.
- Não tenho motivo para mudar de ideia! Por nada no mundo queria que "Florde Amor" ficasse nas mãos desse homem infernal.  Tranquilize-se, não terei nenhuma hesitação. O doutor Démon e os enfermeiros também, se quiserem reagir, não sairãovivos daqui!
- O que lhe recomendo - insistiu, Glória, como se tivesse um particular interesse em acentuar os detalhes, ou como se tivesse medo de que o plano não desse certo, - é atirar, atirar logo que a porta se abra, apontando para o coração do doutor.
Luís Paulo puxou a pistola do bolso e verificou se estava pronta para ser usada, destravando-a.
- Não tenha dúvidas - assegurou. - Sei que também a senhora, além da moça que amo, sofreria, se a tentativa falhasse...
- Escute... - Interrompeu a mulher, com voz sufocada. - Estou ouvindo uns passos. São eles, sim! O malvado Démon e seus enfermeiros vêm fazer a visita de todos os dias! Lembre-se: atire depressa!
Rápido, Luís Paulo dirigiu-se para o lado oposto da cela, de modo a colocar-se numa posição favorável para atingir o inimigo.
Havia empunhado a arma e sua mão não tremia.
Glória, por sua vez, encolhera-se num canto, para não se arriscar a ser alvejada também. Seus belíssimos olhos verdes pareciam desprender chamas...
Os cadeados rangeram e a porta da cela se abriu.
- Atire! Atire, senão estamos perdidos! - gritou ainda a mulher.
Luís Paulo ia apertar o gatilho, quando, inesperadamente, um grito de horror lhe escapou dos lábios.
- Maria, meu bem!... "Flor de Amor", é você?
De fato, era mesmo Maria, a encantadora "Flor de Amor", muito pálida que havia aparecido na porta da cela, servindo de escudo, com o seu corpo frágil, para o de seu carrasco, o doutor Démon.
- Maria, meu tesouro! - disse, precipitando-se para ela.
- Queriam que eu fosse seu assassino!... Queriam que...
Mas não pôde terminar a frase. O doutor Démon, rubro de cólera, irrompeu na cela, gritando como um possesso para os enfermeiros:
- Segurem esse rapaz e metam-lhe a camisa de força! Vai pagar caro a farsa que está representando na minha clínica! Vamos! Dêem-lhe o que ele merece!
O momento de terrível surpresa sofrido pelo jovem, quando viu que esteve a ponto de disparar contra sua amada, foi aproveitado pelo doutor Démon para lhe arrebatar a pistola de sua mão trêmula pela intensa emoção. E ato contínuo foi agredido por dois hercúleos enfermeiros que, sem piedade, o esmurraram, fazendo-o rolar para o chão, sem sentidos, entre os gritos de medo e de horror da pobre Maria “Flor de Amor”.
Quando voltou a si, Luís Paulo se encontrou estendido no leito da cela, oprimido, torturado pela camisa de força, usada para com os loucos furiosos.
De pé, junto dele, estava a perversa marquesa Renata, aquela que se fizera passar por Glória Lantier, aquela que, com sua tremenda astúcia e habilidade no logro, por pouco não fizera o rapaz matar a doce "Flor de Amor".
- Víbora maldita! - gritou Luís Paulo, tentando em vão libertar-se da camisa de força. - Você me enganou, você me traiu, pondo em perigo a vida da mulher que amo!...
Mas não escapará da punição que merece! A mão da justiça a alcançará onde estiver, lembre-se disto!
- É o que veremos! - riu a marquesa. - Por ora, você está em meu poder, e não creio que possa contar a mais ninguém o que lhe aconteceu. Quanto à sua idolatrada "Flor de Amor" pode ficar descansado, porque o sábio doutor Démon cuidará dela.
E a pérfida se afastou, fazendo ressoar ainda sua sinistra risada pelos tétricos corredores da clínica.

2 comentários:

  1. Paulo que situação terrível essa em que Luís Paulo se se envolveu! Que mulher demoníaca essa Renata! Já vi que Luís Paulo e Flor de Amor, vão sofrer muito ainda! Que drama!

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  2. Que situação. Vamos ver como Luís Paulo vai se sair dessa... Emocionante!

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