O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Transcorridos os
primeiros momentos de assombro, passados a observar a desconhecida, nova vítima
da crueldade do doutor Démon, Luís Paulo de Rastignac carregou a mulher que
chorava e a estendeu no leito.
- Tenha coragem -
disse para confortá-la. - Agora ninguém mais lhe fará mal.
A mulher se moveu
debilmente, conservando as pálpebras abaixadas e seu corpo de formas
esculturais parecia adaptar-se mal à dureza do colchão.
Luís Paulo, solícito,
ajeitou-lhe melhor o travesseiro debaixo da cabeça e então a mulher abriu os
olhos, magníficos olhos verdes, que desprendiam clarões de esmeralda.
- Saia daqui! Não me
toque! Você é um louco! Estou trancada na mesma cela de um louco! - gritou, com
voz rouca.
O rapaz se retraiu imediatamente para
acalmá-la, e se apressou a explicar:
- Não se assuste,
senhora, eu não sou louco, não. Apesar de estar internado na clínica do doutor
Démon, o meu juízo é perfeito.
- Mas... Então, por que o
senhor está trancado neste triste lugar? - perguntou a loura, que, apesar de
aparentar quarenta anos, ainda possuía rara beleza.
- Sério motivo me faz
permanecer entre os loucos, embora eu não seja demente - explicou Luís Paulo. -
E tudo me dá a entender que a senhora goza de perfeita lucidez mental, também.
- Exato - quase gemeu
a loura. - Não sou louca. Meus parentes são pérfidos e me sequestraram nesta
maldita clínica. Agora eles devoram os meus bens, enquanto eu morro aqui de
tristeza e desespero.
- Eu já estava
imaginando isso, precisamente - disse Luís Paulo, com aquela veemência, própria
de sua vigorosa juventude.
Olhou penalizado para
aquela infortunada senhora e acrescentou:
- Muito suspeitam de
que o doutor Démon reuniu uma grande fortuna, prestando-se a esses negócios
escusos. Eu, senhora, estou aqui para evitar que uma pobre jovem que entrou
nesta clínica, à procura de sua mãe, seja vítima da maldade desse médico
patife. Para salvá-la, estou passando por louco. Era o único meio que dispunha
para entrar nesta clínica de horrores, sem que o doutor Démon suspeitasse das
minhas intenções.
- Talvez o senhor
seja o anjo que Deus me envia para que ao mesmo tempo em que salva essa pobre
moça, ajuda-me a reaver a liberdade, a sair deste manicômio, onde vivo
sequestrada sem esperança. Posso, contar com o senhor...?
- Luís Paulo de
Rastignac, esse é meu nome - apressou-se a responder o rapaz. - A senhora pode
contar comigo. É dever de todo homem honesto ajudar a perseguidos e
injustiçados!
- O senhor nãoimagina
com que prazer escuto essas suas nobres palavras, Meu nome é Glória Lantier.
Pertenço a uma das famílias mais ricas e poderosas da Martinica. Daquela ilha
distante me trouxeram até Nova Orleans para que ficasse sequestrada na clínica
do doutor Démon. Eu não sou ingrata e saberei corresponder a tudo aquilo que o
senhor possa fazer por mim.
- Eu tampouco sou
pobre, sou filho do barão de Rastignac, que é um dos grandes proprietários, na
Lousiana. Farei tudo quanto estiver ao meu alcance em favor da senhora; porém
desinteressadamente. Espero, muito breve, poder tirá-la daqui, juntamente com a
moça pela qual estou passando por louco, quando na realidade sou louco, sim,
porém, só de amor, pela minha adorável Maria “Flor de Amor”, a criatura mais
linda que há sobre a terra.
- Você está apaixonado, meu bom amigo?
- Só vivo para amar essa
criatura, que tão justamente é apelidada de "Flor de Amor".
- Tem algum plano para
devolver a liberdade à sua enamorada? - perguntou a loura Glória Lantier.
- Sim - respondeu o
rapaz, explicando que aproveitaria a visita diária que o doutor Démon fazia aos
internados na clínica, para atacá-lo.
- Sou um atleta -
afirmou com suficiência Luís Paulo. - Tenho punhos de ferro. Com eles, vou
deixar o médico maldito sem dentes. Ele cairá aos meus pés, sem sentidos e eu
aproveitarei para fugir com Maria e com a senhora, por uma passagem secreta da
clínica, que tive a sortede descobrir.
Mas, quando acabou de
explicar seu projeto, viu que a bela senhora loura fazia gestos de
desaprovação.
- Mas enquanto você
golpeia o doutor Démon, os enfermeiros, rudes e hercúleos, acudirão em defesa
de seu patrão, a quem nunca perdem de vista, e você receberá o troco, sendo
barbaramente surrado por esses criminosos. Em seguida, será fechado numa cela
solitária, com uma camisa de força. E nunca mais poderá fazer coisa alguma para
salvar sua amada e nem para me salvar.
- Tem razão... -
murmurou o veemente Luís Paulo, forçado a reconhecer que as advertências de
Glória Lantier não podiam ser mais justas.
- Para você enfrentar
o doutor Démon - tornou a dizer Glória - precisa de uma arma. E eu trouxe uma
pistola bem escondida, no fundo duplo de minha mala, quando viajei com meus
parentes da Martinica para cá. Eu não possuo coragem suficiente para utilizá-la,
porém você, rapaz nobre e forte, pode fazer com ela um ato de justiça, que
muitos infelizes que aqui gemem vão agradecer-lhe.
Falando assim, Glória
sacou a arma de uma bolsa oculta na saia e a estendeu para Luís Paulo.
- Faça o que eu lhe
aconselho. Fique com essa pistola. Amanhã, quando o relógio da catedral soar as
badaladas das nove horas, o doutor Démon, que tem por hábito fazer a essa hora
sua visita médica aos reclusos de sua clínica, abrirá a porta de sua cela.
Então, Luís Paulo, apenas aberta a porta, neste instante você dispara contra
ele, tratando de fazer pontaria no seu vil coração. Os enfermeiros, querendo
salvar suas vidas, fugirão. E nós nos apoderaremos das chaves da clínica e
poremos em liberdade não só a moça que você ama, mas aos outros infelizes que
contra sua vontade permanecem reclusosnesta clínica.
- Senhora Lantier...
É terrível o que me propõe fazer. Matar um homem sem lhe dar tempo de se
defender, por pior que ele seja, não é uma ação nobre...
- Então, prefere
ficar preso aqui dentro? - replicou Glória, com sarcasmo, - Prefere que o
médico satânico faça enlouquecer, de verdade, à "Flor de Amor",
como, segundo parece, fez enlouquecer sua pobre mãe? Pense que não será
perseguido pela justiça, porque a polícia imediatamente descobriria o tipo de
atividade que ele desenvolve neste manicômio e seus numerosos crimes! É preciso
usar a força! O importante é que o senhor atire, sem hesitar, logo que se abra
a porta da cela!
A ideia de derramar
sangue humano repugnava a Luís Paulo, mas, por outro lado, a situação era tal
que não oferecia melhor solução.
- Está bem, senhora
Lantier - decidiu. - Alguém, qualquer dia, precisaria encarregar-se de pôr um
ponto final aos crimes desse demônio, e o destino quis que fosse eu.
Agradeço-lhe por ter-me dado o ensejo de cumprir um ato de justiça, não me
esquecerei disto.
Durante todo o dia,
Luís Paulo não se atreveu a comunicar-se com a sua "Flor de Amor",
apesar de saber que ela devia estar muito ansiosa, sem suas notícias.
Mas o rapaz temia que
tudo fosse descoberto antes do tempo e que a cólera do doutor Démon pudesse
desafogar-se sobre a mocinha indefesa. Glória Lantier, depois daquele breve
diálogo, guardou silêncio. E veio a noite, sem que nada acontecesse. Não se
ouviam mais nem mesmo os gritos dilacerantes dos dementes: era como se a
tenebrosa clínica tivessesido abandonada pelos seus habitantes. Pela manhã,
Glória dirigiu com delicadeza a palavra ao companheiro:
- Acha ainda que
devemos tentar a fuga do modo que projetamos? São quase nove horas, Démon não
tardará em aparecer.
- Não tenho motivo
para mudar de ideia! Por nada no mundo queria que "Florde Amor"
ficasse nas mãos desse homem infernal.
Tranquilize-se, não terei nenhuma hesitação. O doutor Démon e os
enfermeiros também, se quiserem reagir, não sairãovivos daqui!
- O que lhe recomendo
- insistiu, Glória, como se tivesse um particular interesse em acentuar os detalhes,
ou como se tivesse medo de que o plano não desse certo, - é atirar, atirar logo
que a porta se abra, apontando para o coração do doutor.
Luís Paulo puxou a
pistola do bolso e verificou se estava pronta para ser usada, destravando-a.
- Não tenha dúvidas -
assegurou. - Sei que também a senhora, além da moça que amo, sofreria, se a
tentativa falhasse...
- Escute... -
Interrompeu a mulher, com voz sufocada. - Estou ouvindo uns passos. São eles, sim! O
malvado Démon e seus enfermeiros vêm fazer a visita de todos os dias!
Lembre-se: atire depressa!
Rápido, Luís Paulo dirigiu-se
para o lado oposto da cela, de modo a colocar-se numa posição favorável para
atingir o inimigo.
Havia empunhado a arma e sua mão não tremia.
Glória, por sua vez, encolhera-se
num canto, para não se arriscar a ser alvejada também. Seus belíssimos olhos
verdes pareciam desprender chamas...
Os cadeados rangeram e a porta da cela se abriu.
- Atire! Atire, senão estamos perdidos! - gritou
ainda a mulher.
Luís Paulo ia apertar o gatilho,
quando, inesperadamente, um grito de horror lhe escapou dos lábios.
- Maria, meu bem!... "Flor de Amor", é
você?
De fato, era mesmo Maria, a encantadora
"Flor de Amor", muito pálida que havia aparecido na porta da cela,
servindo de escudo, com o seu corpo frágil, para o de seu carrasco, o doutor
Démon.
- Maria, meu tesouro! - disse, precipitando-se para
ela.
- Queriam que eu fosse seu assassino!... Queriam
que...
Mas não pôde terminar a frase. O
doutor Démon, rubro de cólera, irrompeu na cela, gritando como um possesso para
os enfermeiros:
- Segurem esse rapaz e metam-lhe
a camisa de força! Vai pagar caro a farsa que está representando na minha clínica!
Vamos! Dêem-lhe o que ele merece!
O momento de terrível surpresa
sofrido pelo jovem, quando viu que esteve a ponto de disparar contra sua amada,
foi aproveitado pelo doutor Démon para lhe arrebatar a pistola de sua mão
trêmula pela intensa emoção. E ato contínuo foi agredido por dois hercúleos
enfermeiros que, sem piedade, o esmurraram, fazendo-o rolar para o chão, sem
sentidos, entre os gritos de medo e de horror da pobre Maria “Flor de Amor”.
Quando voltou a si, Luís Paulo se
encontrou estendido no leito da cela, oprimido, torturado pela camisa de força,
usada para com os loucos furiosos.
De pé, junto dele, estava a
perversa marquesa Renata, aquela que se fizera passar por Glória Lantier,
aquela que, com sua tremenda astúcia e habilidade no logro, por pouco não
fizera o rapaz matar a doce "Flor de Amor".
- Víbora maldita! - gritou Luís
Paulo, tentando em vão libertar-se da camisa de força. - Você me enganou, você
me traiu, pondo em perigo a vida da mulher que amo!...
Mas não escapará da
punição que merece! A mão da justiça a alcançará onde estiver, lembre-se disto!
- É o que veremos! -
riu a marquesa. - Por ora, você está em meu poder, e não creio que possa contar
a mais ninguém o que lhe aconteceu. Quanto à sua idolatrada "Flor de Amor" pode ficar descansado,
porque o sábio doutor Démon cuidará dela.
E a pérfida se
afastou, fazendo ressoar ainda sua sinistra risada pelos tétricos corredores da
clínica.
Paulo que situação terrível essa em que Luís Paulo se se envolveu! Que mulher demoníaca essa Renata! Já vi que Luís Paulo e Flor de Amor, vão sofrer muito ainda! Que drama!
ResponderExcluirQue situação. Vamos ver como Luís Paulo vai se sair dessa... Emocionante!
ResponderExcluir