quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 12 - SEGUNDA PARTE - COLABORAÇÃO: PAULO SENA


O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Afonso sussurrou entre dentes:
- Cale-se! Não descubra o nosso jogo!
Estas palavras e o olhar do rapaz bastaram para Denise reagir e calar, embora não imaginasse por que motivo Afonso estava ali, percebia, porém, que ele, se agira daquele modo, devia haver algum oculto objetivo.
O conde Fernando logo se aproximou de Denise, que já estava de pé, e afagou o rosto da jovem, sorrindo de alegria, ao vê-la já recuperada.
Foi o momento que o matreiro Afonso aproveitou para retirar o furador cuja ponta ferira ao cavalo.
- Querida filhinha, sente-se melhor, agora?
- Sim, papai - respondeu Denise, virando-se para Afonso, com expressão significativa. - Leve-me para casa, por favor, papai.
- Agora mesmo, minha filha, agora mesmo!
Momentos depois, voltando-se para Afonso, que havia esperado de pé, acrescentou:
- Quer entrar conosco no palacete? Desejo demonstrar-lhe, de maneira tangível, o meu reconhecimento:
Era o que Afonso desejava, mas, para não despertar suspeitas, esquivou-se:
- Não, obrigado, senhor. Eu sou pobre, é verdade, mas não aceito recompensas por aquilo que faço espontaneamente. Teria a impressão de não merecê-las!
- Permita ao menos que eu lhe ofereça um terno, em troca do seu, que está completamente estragado! Isto eu lhe peço como um favor! - insistiu o conde, favoravelmente impressionado pela atitude desinteressada do rapaz. - A substituição de um terno não pode ofender a sua dignidade, não acha? Tanto mais que não poderia andar por aí assim...
- Bem, se o senhor insiste... - cedeu logo o vigarista.
- De fato, esta é a única roupa decente que me resta, e ficou em mau estado...
- Está vendo? Vamos, suba o senhor também para a carruagem! Ficaremos um pouco apertados, mas o percurso é pequeno.
Logo que chegaram ao palácio, Fernando, tendo mandado acomodar seu salvador numa das saletas, levou Denise para o apartamento desta e chamou uma doméstica, para que a ajudasse a despir-se e a fizesse tomar um calmante, a fim de restaurar-lhe os nervos abalados.
- Oh, papai... - choramingava Denise, como se em vez de ter levado um pequeno susto, estivesse para morrer.
- Foi algo terrível... Terrível mesmo!...
- Tem razão, minha filha - consolou Fernando - e se não fosse esse corajoso rapaz, a coisa poderia acabar mal. Agora não pense mais nisto, vamos...
- Não posso deixar de pensar! - respondeu Denise. - Foi impressionante demais!... Quanto ao rapaz, seja agradecido a ele o resto de sua vida, papai!Ele deu mesmo uma grande prova de coragem, não é? E merece uma recompensa!
- Foi o meu primeiro pensamento, filhinha. Mas ele não quer aceitar nada, apesar de ter sido sincero, confessando que não é rico...
- Garanto que se você lhe oferecer um cheque, de uma boa quantia, ele o meterá no bolso!
- Não creio. Em todo caso, tentarei novamente - concluiu o conde, dirigindo-se para a porta. - Agora procure repousar, faça este favor a seu pai.
Esta, porém, não era a intenção da jovem, que estava curiosa para ver como agiria Afonso, e mesmo para ter uma idéia mais exata de quais eram as suas intenções.
- Papai - pediu com voz suave, - deixe-me descer também, para agradecer ao rapaz. Já estou ótima, pode crer!
- Não... Você sofreu um forte abalo, minha filha! Deve experimentar dormir um pouco!
- Não conseguiria... Quero que você fique junto de mim, sabe? Depois que o nosso salvador for embora, então, eu irei para a cama e você segurará minha mão, para ver se eu durmo. Por favor, papai... Não conseguiria dormir de outro modo...
Enternecido com a hipocrisia dela, o conde retornou sobre seus passos e, depondo-lhe um beijo na fronte, ofereceu-lhe o braço, dizendo:
- Você é adorável, querida. Não se pode recusar-lhe nada... Vamos descer para a saleta, então, se tanto o deseja...
Um minuto depois, o conde e aquela que o fidalgo julgava ser sua filha apertavam novamente a mão de Afonso que, enquanto esperava, havia admirado, com inveja e cupidez, os esplendores daquela residência verdadeiramente principesca.
- Meu amigo - exclamou Fernando - espero que me perdoe, se na confusão que sobreveio ao acidente, esqueci-me de fazer as apresentações: sou o conde Fernando de Chanteloup e esta é Maria... Ou seja, Denise, a minha filha.
- Eu me chamo Afonso Houdin - disse por sua vez o vigarista, olhando disfarçadamente para Denise. E imaginando que sorte ela tivera em estar ocupando um lugar daqueles.
- Foi um prazer ter podido fazer alguma coisa pelo senhor e pela senhorita sua filha.
- Permita então que eu lhe retribua o favor - disse o conde, tirando do bolso do paletó o talão de cheques.
Mas Afonso se opôs imediatamente, com falso calor:
- Não, senhor conde! Já lhe disse que não aceito recompensas, quando acho que não as mereço.
- Diga-me então o que posso fazer pelo senhor! Eu me aborreceria se ficasse com esta dívida! O senhor não desejará alguma coisa que possa aceitar sem ferir sua suscetibilidade?
Por um instante, o ladrão fingiu pensar, depois respondeu, com ar embaraçado:
- Uma coisa eu desejaria... Mas não quero pedir demais...
- Fale, não tenha receio! - apressou-se a encorajá-lo Fernando, passando a mão em torno dos ombros de Denise, que assistia interessadíssima à cena. - Só o pensamento de que o senhor talvez tenha salvo da morte o meu maior tesouro, faz-me parecer insignificante até mesmo um pedido exagerado.
- Queria dizer-lhe o seguinte, senhor... Eu saí de minha cidade para procurar trabalho em outro lugar, mas, desgraçadamente, os tempos estão ainda difíceis e a crise de desemprego continua sendo um problema atual. Se o senhor fizesse a gentileza de conseguir-me uma colocação, qualquer que fosse, eu lhe ficaria grato durante toda a vida...
- Se é somente isto, considere-se desde já empregado!- Condescendeu logo o conde Fernando. - E diga-me: que sabe fazer?
- Entendo bastante de cavalos, um lugar de cavalariço, por exemplo, seria o ideal, para mim.
- Sem dúvida, Afonso! Por coincidência, há alguns dias que um dos meus cavalariços foi embora e o lugar está vago! Pode ocupá-lo, hoje mesmo! Terá um ótimo salário, comida e morada! Gosta da ideia?
- Se gosto! Nunca poderia esperar tamanha sorte! O senhor não terá queixas de mim! - exclamou Afonso, fingindo entusiasmo, pois para ele o trabalho sempre havia sido um dos piores suplícios que podem ser infligidos a um ser humano.
Denise, porém, não pensava como o conde Fernando, temendo que Afonso estragasse os seus planos.
Enfim, não podia dizer nada que fizesse ver a Afonso que ela tencionava dificultar-lhe o emprego no palácio.
Sentia, fixos nela, os olhos do rapaz e estremecia só de pensar no que ele lhe faria, se pudesse imaginar o que ela pretendia fazer.
Todavia, logo que Afonso saiu acompanhado de um criado que lhe devia mostrar o quarto onde se alojaria, e a enorme coudelaria do conde, a mocinha disse a Fernando:
- O senhor também está um pouco pálido, papai... Que tal se fôssemos repousar um pouco, talvez depois de tomarmos uma boa xícara de chá?
- Seria bom, Denise, mas não queria que eu ficasse a seu lado, e que segurasse a sua mão, até você dormir?
- Ah, isto foi um capricho de criança assustada e eu me censuraria se deixasse que o senhor, papai, se sacrificasse por mim.
- Mas sabe que para mim é um prazer estar ao seu lado, minha filha! Dormirei mais tarde!
- Não, será agora! - retorquiu Denise, impelindo, com delicada firmeza, o fidalgo para a porta. - Desta vez, é o senhor que vai fazer uma vontade à sua filha!
Incapaz de resistir, inteiramente subjugado pela habilidade consumada da astuciosa pequena, o conde Fernando resolveu, contra a própria vontade, obedecer.
Mal havia fechado a porta atrás de si, Denise, saindo por outra porta, desceu ao jardim, imaginando que Afonso a esperasse ali, onde havia muitas pérgulas afastadas de olhos indiscretos.
De fato, havia percorrido apenas uns cem metros pela alameda quando Afonso, vindo de um caminho lateral que, com toda a probabilidade, devia dar nas cocheiras, foi ao eu encontro, sorrindo.
- Minha bela Denise, estou realmente maravilhado! - exclamou. - Não pensei que você fosse tão esperta na arte de enganar os outros! O tolo do conde está mesmo convencido de que você é filha dele! Temos de aproveitar-nos depressa desta formidável oportunidade!
Mas contrariamente ao que Afonso esperava, ela se voltou contra ele, dizendo em tom nada benévolo, nem afetuoso:
- Vá embora daqui! - sibilou. - Enlouqueceu, por acaso? O que aconteceria, se alguém nos visse conversando?
- Não é preciso ter medo!
- Mas enfim, posso saber o que veio fazer aqui?
O rapaz desatou a rir.
- Simples, meu bem! Entrei neste maravilhoso palácio para ficar perto de você!
- E como conseguiu saber que eu estava morando aqui?
- Por puro acaso!
Ela fez uma careta irônica, de pessoa nada convencida.
- Quer dar-me a entender que foi também por acaso que ficou no caminho da nossa carruagem, onde, também por acaso, os cavalos empinaram?
A estas palavras o vigarista riu novamente e, em vez de responder à pergunta da jovem, abraçou-a, beijando-a na boca.
Denise pareceu gostar da homenagem, mas, repentinamente, separou-se dele, sussurrando:
- Cuidado, vem gente!... - e continuou, no instante em que Flora saía do caminho por onde havia chegado Afonso:
- Mais uma vez eu lhe agradeço pela sua coragem!... Oh, bom dia, senhorita Flora! Este é Afonso Houdin, o moço que salvou minha vida e a de papai, não faz ainda nem uma hora!
- Está falando sério? - exclamou Flora, sinceramente admirada, porque ainda não sabia do acidente. - E como foi?
- Posso contar-lhe! Venha comigo ao meu apartamento...
E tomando Flora pelo braço, Denise se dirigiu para a entrada do palácio, falando, animada.
Afonso, que ficara por um momento desconcertado com a súbita retirada das duas moças, não pôde deixar de apreciar a astúcia e a presteza de espírito de Denise, que tinha sabido sair com desenvoltura de uma situação bastante embaraçosa. "Não é nada tola, a pequena!", comentou, falando consigo. "Pelo contrário, é tremendamente viva e astuta... Contando com ela, eu, chegarei a ser até milionário!"

2 comentários:

  1. Paulo, como Afonso é esperto! E o pobre Fernando, como sempre acreditou nele também. Fernando nasceu para ser ludibriado! Que história cheia de lances emocionantes! Legal!

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  2. Até agora só os maus estão se dando bem. Vamos ver quando isso vai mudar. Estou esperando a reviravolta. Muito bom, Paulo!

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