domingo, 16 de setembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 14 - PRIMEIRA PARTE - COLABORAÇÃO: PAULO SENA


O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL

Capítulo XIV

UM AMOR NASCENTE

O ódio implacável que Denise, a pérfida filha da marquesa Renata, nutria por Flora Sardon, em vez de diminuir com o tempo, aumentava cada vez mais.
O motivo era também o ciúme, porque Flora, desde que entrara a serviço do conde Fernando, com sua bondade e sua grande habilidade em dar conta dos encargos que lhe tinham sido confiados, havia sabido conquistar a estima e a simpatia não só de todo o pessoal, como também do próprio dono da casa.
Porque Fernando, apesar de atormentado pelas preocupações com a saúde de Marta, não podia deixar de notar que Flora havia se tornado um elemento verdadeiramente indispensável na vida de cada dia em seu palácio.
Naturalmente, pois, era-lhe muito grato e cumulava-a de amabilidades. Se antes costumava, depois do jantar, isolar-se na sala de visitas para conversar com a suposta filha, agora havia adquirido o hábito de convidar Flora para ficar com eles e esta, para retribuir à cortesia, procurava alegrar o ambiente, tocando piano e cantando, com sua bela voz, não muito possante, mas bem entoada.
Esta nobre amizade sempre crescente entre Flora e o conde aborrecia Denise, que temia que Fernando, ao fazer o testamento a privasse de relevante quantia ou de alguma propriedade, para doá-la à senhorita Flora Sardon.
Denise temia também que o conde, persuadido da incurabilidade de Marta e precisando de afeto e compreensão, experimentasse por Flora um sentimento superior a simples amizade.
Para certificar-se da situação, certa noite, logo que tomou o café na sala de visitas, pediu ao pai licença para ir dormir, pretextando dor de cabeça.
Mas, em vez de ir para seu quarto, escondeu-se atrás das grossas cortinas que separavam a sala de visitas do salão de refeições e permaneceu em observação.
Não se passou muito tempo e teve a confirmação de suas suspeitas, Flora estava sentada ao piano e acabava de tocar, com maestria, um famoso noturno de Chopin.
O conde, que ouvira enlevado a bela música, recostado a uma poltrona, levantou-se e, aproximando-se da jovem, disse com voz suave:
- Prezada Flora, não sabe quanto prazer me dá, com sua companhia. Toca como um anjo, sinceramente; como por milagre, consegue transportar para as notas toda a bondade que o seu coração encerra. Aprecio-a mais ainda, porque, em minha vida, conheci muito pouca bondade...
- O senhor é gentil demais, conde - esquivou-se Flora, corando de prazer ao elogio. - Não sou tão grande coisa quanto o senhor imagina.
- Para mim, você é!...
E assim falando Fernando num gesto quase instintivo, segurou a mão dela, na qual depositou um beijo. Flora, surpreendida com aquele comportamento inusitado, pois o conde sempre fora austero e reservado, por alguns momentos ficou sem palavras. Vendo que ela não falava, o conde, receoso de tê-la ofendido, disse:
- Desculpe a minha impulsividade, mas você é tão bonita, tão bondosa, que não se pode deixar de admirá-la.
- O senhor me lisonjeia, conde. Eu não passo de uma pobre moça, sem futuro e sem ambições.
- É nisto que está errada! - exclamou Fernando, com ênfase. - Você possui todas as boas qualidades que uma mulher pode desejar e eu as aprecio muito...
Encabulada, Flora se pôs de pé. O conde a fitou fixamente, nos olhos, desgostoso.
- Já quer ir? -indagou.
- Sim, conde. Acho melhor, a música me emocionou um pouco e desejo ficar sozinha.
- Foi somente a música... Que a emocionou?
Ela não respondeu. Inesperadamente, Fernando atraiu-a para si e, estreitando-a delicadamente nos braços, depositou um demorado beijo em seus lábios.
Por um instante, pareceu que ela não conseguia reagir, depois, desvencilhando-se, o rosto corado, balbuciou:
- Conde, por favor... Não faça isto... Não me obrigue a abandonar sua casa...
Mas Fernando, segurando-lhe a cabeça entre as mãos e fitando-a nos olhos, interrompeu-a:
- Não Flora, você não irá embora desta casa! Não compreende que eu a amo? Você é a única mulher, no mundo, que pode substituir no meu coração a pobre Marta, cuja doença é incurável! E estou certo de que eu também não lhe sou indiferente... Estarei enganado?
- Não... Ou por outra, enganou-se, sim... Minha situação não me permite...
Mas o conde não a deixou continuar e fechou-lhe os lábios com outro beijo, ainda mais longo e mais apaixonado do que o primeiro.
Afagando-lhe amorosamente os cabelos, sussurrou:
- Querida, doce Flora, não me abandone... Não me deixe sozinho a sofrer neste grande palácio, eu lhe peço!
- Tem sua filha!
- Ela um dia casará e irá embora e eu não terei mais ninguém junto de mim. Não quero ficar sem você... Diga que me ama, querida! Que me ama como eu a amo!
Incapaz de resistir mais, respirando aflitivamente, Flora se abandonou nos braços dele, murmurando, quase num soluço:
- Eu o amo, sim, Fernando! Amo-o loucamente... Não queria que você soubesse, mas se não lhe sou indiferente, para que hei de calar-me? Fernando, meu amor, beije-me... Abrace-me... Quisera que o mundo terminasse agora, neste momento em que estou sabendo que minha paixão é correspondida!
Denise, do seu posto de observação, tinha visto e ouvido tudo, reprimindo com esforço uma exclamação de raiva.
Quando viu Flora e Fernando beijarem-se novamente afastou-se com cautela da cortina atrás da qual estivera escondida e, em passos rápidos, desceu ao jardim.
A intrigante, que com sua mente corrupta interpretava de modo bem diferente a necessidade de afeto do pai, queria procurar Afonso, para lhe descrever a cena à qual havia assistido e para lhe pedir conselho sobre o modo melhor de agir, já que no momento não tinha possibilidade de comunicar-se com sua mãe, a marquesa Renata.
Ocultando-se na sombra das árvores para não ser vista pelos criados, já que havia dado ordem para que ninguém a incomodasse no quarto, chegou bem depressa à coudelaria onde esperava encontrar o seu querido Afonso.
A noite estava tépida e clara, e o malandro estendido numa cômoda espreguiçadeira, fumava placidamente um cigarro, contemplando o céu, provavelmente congratulando-se consigo mesmo pela habilidade com que conseguira penetrar no palacete do conde...
Mal avistou Denise, jogou fora o cigarro e, pondo-se bruscamente de pé, exclamou:
- Caramba, até, que enfim eu a vejo sozinha! Já estava farto de fingir-me seu muito humilde e devotado empregado!
- Vamos entrar na coudelaria! – disse Denise, depois de ter retribuído o beijo que ele lhe deu. - Seria um desastre se me encontrassem aqui!
Afonso segurou-lhe a mão e, guiando-a para a ampla coudelaria, fê-la sentar-se numa carruagem, acomodando-se junto dela. Disse, depois:
- Por que veio numa hora tão estranha procurar este pobre lobo solitário em sua toca? Deve haver um motivo bastante grave para fazê-la negligenciar as necessárias precauções! Se Flora a visse, seria capaz de ir imediatamente fazer intriga com o conde.
- Por favor, não me fale dessa intrigante! - explodiu Denise, com os olhos brilhantes de cólera, - É uma raposa matreira aquela, e sabe cuidar da vida!
- Por que diz isto? - indagou Afonso, sem excessivo interesse.
- Pareceu-me inofensiva, fora o seu defeito de meter o nariz em tudo...
- Inofensiva? Imagine que em pouco tempo ela já conseguiu se tornar a namorada de meu pai!...
- Não me diga! Então sabe viver mesmo! Tem bem certeza do que está dizendo?
- Se tenho! Acabei de vê-los, oculta atrás de uma cortina, abraçando-se e beijando-se como dois colegiais!
O malandro guardou silêncio por um momento, perguntando-se talvez, se aquela novidade valia a pena ser comunicada ao doutor Démon.
- E agora, que tenciona fazer? – perguntou,       pouco depois.
A bonita boca de Denise se contorceu, num trejeito maldoso.
- O que sei é que farei tudo para que ela seja expulsa do palacete! E recursos não me faltam, felizmente!
- Não seja tola, Denise! Que lhe importa isto, afinal? Penso até que assim apareceu o modo de nos arranjarmos definitivamente para o futuro, sem necessidade de esperar que seu querido paizinho nos faça o favord e morrer!
Longe de indignar-se com o tom do delinquente, já que era da sua mesma laia; a pequena se chegou mais para ele e perguntou interessada:
- Qual seria esse modo? Tenho a impressão de que posso adivinhá-lo, sabe?
- As coisas estão assim, - começou Afonso, depois de ter acendido outro cigarro. - Ontem, depois de longas e pacientes investigações, consegui descobrir o cofre onde o conde guarda as joias e o dinheiro que conserva no palacete, que sem dúvida será muita "grana"...
- A princípio pensei em arrombar o cofre, tirar tudo e ir embora, sem falar com ninguém. Depois, examinando melhor o cofre, constatei que, para abri-lo eu precisaria usar uma ferramenta com a qual se precisa trabalhar demoradamente... Você poderia pedir ao conde a chave, com o pretexto de examinar as joias ali guardadas e tirar o molde dela, com um pouco de cera. Feito isso, para uma pessoa habilidosa como eu, será uma brincadeira fabricar outra chave. Depois, então, nós nos apoderaremos de tudo e iremos para algum outro lugar gozar o fruto de nosso talento! Hem que tal? - concluiu o bandido, com a entonação que usaria um general, terminada a. exposição de um genialíssimo plano. Não acha boa a ideia? Pense bem! Nunca mais teremos de preocupar-nos com coisa alguma, a não ser amar-nos e gastar dinheiro!
- Acho o plano arriscado demais... - disse Denise, pensativa, - Confesso que bem que gostaria de largar tudo e ir embora daqui com você, mas deve incluir nos seus cálculos meu "papai", que porá logo a polícia atrás de nós...
- Isto é verdade - concordou Afonso, mortificado.
- Além disto, minha mãe quando saiu da casa do conde, carregou com ela uma grande parte das joias. Verdade é que algumas de grande valor ficaram... Mas não podemos pegá-las e fugir. Poderíamos, isto sim, fabricar a chave e usá-la para ir tirando somente temporariamente as joias, o tempo suficiente para mandar algum ourives de confiança arranjar umas pedras falsas, que seriam colocadas no lugar das verdadeiras. O conde não é possível que verifique as joias uma por uma, cada vez que abre o cofre... E assim evitaríamos ser descobertos logo em seguida...
- Querida Denise, você é realmente digna de ser amada por um sujeito como eu! -aprovou Afonso, entusiasmado. - Isto é que é um plano, querida! Você merece um beijo!
Ato contínuo, Denise saiu da carruagem, seguida de Afonso.
- A propósito – disse ainda o malandro. - Depois que dermos o golpe, você virá comigo, não é?
- Quanto a isto, pode ficar tranquilo! Não vejo a hora de voltar à vida que levava antigamente e que me vi obrigada a deixar por falta de dinheiro, diga minha mãe o que disser, eu irei com você. Eu quero é viver intensamente! Viagens, festas, diversões e champanha a correr todas as noites!
- Isto é que se chama falar, minha gata! - riu Afonso, com sarcasmo. - E agora dê-me outro beijinho, volte para o seu tenebroso palácio e trate de fazer, seus projetos para o futuro, Não tenha receio. Nós dois, bem de acordo, saberemos dar golpes grandiosos!
Atraiu para si a jovem, apertando-a com força nos braços. Justamente quando suas bocas se uniam num novo beijo, ouviram um ruído vindo de trás e, voltando-se rapidamente, viram Flora imóvel à porta da coudelaria iluminada pelo luar. A jovem, depois de haver deixado o conde Fernando, descera para caminhar um pouco pelo jardim e pensar, assim como para recobrar-se da emoção que lhe causara a inesperada declaração de amor do nobre.
Depois, de longe vira a porta da coudelaria aberta e se encaminhara naquela direção, para ver se, estava tudo em ordem.
Agora petrificada pela surpresa via a aparentemente ingênua menina, aquela que ela julgava ser a filha do conde, que nos braços do cavalariço, respondia apaixonadamente aos seus beijos.
- Senhorita Denise! - conseguiu dizer, afinal. - Que é isto? Sinto muito, mas terei de contar o que vi ao senhor seu pai! E ele, que está fazendo tudo, para educá-la com sadios princípios morais, ficará muito magoado quando souber que a senhorita troca beijos com um cavalariço!
Assustada, incapaz de defender-se ou mesmo de justificar o sucedido, Denise fez menção de afastar-se de Afonso, mas este, fitando com olhos ameaçadores a recém chegada, com ar de desafio, atraiu-a novamente para si. 


2 comentários:

  1. Paulo, acho que Flora está mexendo num vespeiro! O que será que vai acontecer? E Fernando, esqueceu a pobre Marta? Pressinto muito drama ainda! Que folhetim cheio de surpresas! Legal!

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  2. Emocionante e cheia de reviravoltas! É uma história bem folhetinesca mesmo! Vamos ver os próximos lances.

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