O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Facículo
I
Rev. G.H. 1343
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
maio 1973
O INFERNO DE UM ANJO
Capítulo
II
NA MANSÃO
DOS MORTOS-VIVOS
Os violentos tratamentos que o
doutor Démon aplicou em Marta tiveram o resultado desejado pela marquesa e o
médico criminoso: perturbar a razão da pobre moça, cujo "crime" foi
amar sincera e profundamente o rico conde Fernando Chanteloup.
Injeções de perigosas drogas e
frequentes choques elétricos tinham-lhe tirado a energia e a memória.
Confinada numa cela isolada com
apenas uma janelinha fechada com pesadas barras de ferro, a infortunada Marta
viu transcorrer dois anos, roubados à sua jovem vida.
Nos primeiros dias, os gritos e
as imprecações de Marta deram pretexto para que a infame Viviana lhe vestisse
continuamente a camisa de força. Depois, os "remédios" empregados
pelo médico demoníaco fizeram Marta cair numa total passividade, como se
estivesse definitivamente resignada a suportar seu trágico destino.
Lá mesmo, naquela sombria cela
onde nunca entrou um raio de sol, Marta dera à luz sua filhinha; uma linda
menina. Marta deu-lhe o nome de Maria, pensando na
Rainha dos Céus. E tendo em conta que a garotinha era fruto de seu idílio,
deu-lhe o carinhoso apelido de "Flor de Amor".
Contra a vontade de
Renata, Démon não quis tirar a filhinha de Marta. A garotinha serviria de
entretenimento e consolação à infeliz sequestrada, que assim daria menos
trabalho.
Impossibilitada do
convívio humano, Marta falava com "Flor de Amor", como se a miúda
garotinha pudesse entendê-la.
E na confusa memória
da pobre sequestrada ainda havia viva uma lembrança que todas as drogas do
infernal doutor Démon não conseguiram apagar, seu primeiro e único amor,
Fernando! E Marta falava dele à sua filhinha, dizendo-lhe que seu papai era o
mais bonito e atraente dos homens.
Agora, "Flor de
Amor", a garotinha, estava com um ano e meio, era inteligente e vivaz,
porém, nada podia perceber da horrenda situação em que ela e sua mãe se
encontravam.
Na clínica, havia
alguém compadecido do infortúnio de Marta, que procurava confortar a triste
sequestrada. Era um preto bondoso, de nome Benedito, velho escravo do avarento
e malvado doutor Démon. O sorriso afável daquele homem e a boa vontade com que
lhe prestava pequenos serviços causavam grata impressão na perturbada Marta,
habituada a suportar os maus-tratos da perversa Viviana.
Benedito era escravo
porque, no começo do século XIX, época em que aconteceram os fatos verídicos
deste romance vivido, a Louisiana era mais uma colônia que a França tinha na
América, onde a escravidão vigorava rigorosa e cruel. Bem apessoado, sessenta
anos, muito inteligente, Benedito aprendeu a ler e, nos livros da biblioteca de
seu amo, aprendeu noções de Química, Física e Farmácia, o que lhe permitia ser
auxiliar do doutor Démon no preparo de fórmulas e remédios, no laboratório da
clínica.
Além desse seu
trabalho, que podemos denominar científico, Benedito, sob as ordens de Viviana,
servia de faxineiro, de garçom, cuidava dos cavalos e cultivava o jardim.
Muita infâmia tinha
visto o explorado preto dentro daquela clínica, mas para ele o caso mais
revoltante era o de Marta, aquela pobre jovem, perfidamente enlouquecida pelo
doutor Démon e mantida em rigoroso sequestro.
Naquele dia, Marta
estava escrevendo pela centésima vez uma longa e inútil carta ao seu
inesquecível Fernando. Num descuido da mãe, a pequena "Flor de Amor",
brincando rasgou a carta, fazendo depois com ela uma bolota, que escondeu no
corpete de seu vestidinho, sempre rindo alegremente.
Inesperadamente, apareceu Benedito.
Estava pálido e tremia:
- Dona Marta, -
perguntou, - como está a senhora? Sente-se forte? Seria capaz de caminhar?
- Senhor Benedito, o
senhor sabe o que me acontece, é comose tivesse perdido o uso das pernas. E não
me surpreende... Levo tantos meses estendida neste leito...
- Pois tem de fazer
um esforço e caminhar, dona Marta! Hoje é sua única oportunidade para fugir desta
casa maldita! O doutor, que nunca abandona à clínica, viajou esta tarde,
com destino a Charleston. Viviana, que gosta de beber e dançar, aproveitando a
ausência do patrão, organizou uma comilança na cozinha, tomando parte nela
enfermeiras e enfermeiros. Estão bebendo e comendo do melhor, Charles toca o
violino, Marcelo acordeão. A pândega vai durar algumas horas. Temos de fugir! -
apressou Benedito.
- Mas o senhor tem me
dito que, sempre, todas as portas da clínica estão trancadas e sei que as
chaves estão com dona Viviana e não com o senhor. - observou Marta.
- Isso não nos
impedirá a fuga. A senhora vai para a biblioteca do doutor Démon, É o único
aposento da casa que as janelas não têm grades. Fica no segundo andar. A porta
está no mesmo patamar. Arranjarei uma corda bem resistente, amarraremos na
varanda, e nos servirá para descer até o jardim.
Descerei pela corda
com a menina, bem apertada contra o meu coração. E a senhora, dona Marta, me
seguirá. Pense que não temos tempo a perder, - falou Benedito.
É fácil imaginar a
ânsia de Marta e a luz de esperança que se acendeu na sua alma torturada, vendo
finalmente abrir-se um caminho de salvação para ela e sua filhinha.
Ergueu-se com
esforço, suas pobres pernas mal resistindo a sustentá-la e assaltada por súbito
pressentimento, tirou de sua velha bolsa um papel, escondendo-o em seguida sob
as roupas da menina.
- É melhor que a
prova de que você é filha do conde Fernando de Chanteloup fique
consigo-murmurou.
Benedito tomou
"Flor de Amor" no colo e, retendo a respiração, conseguiram percorrer
o corredor, subir pela escada até o segundo andar. Marta cambaleava a cada
instante, as pernas quase não a obedeciam mais, porém sua vontade de sair
daquele inferno era desesperada.
Já na biblioteca, o
bom Benedito, apertando contra o peito a querida menininha, foi o primeiro a
iniciar a perigosa descida pela corda amarradaà balaustrada de ferro da varanda
daquela
sala. Com angústia e ansiedade, Marta viu descer até o chão o velho Benedito,
mantendo fortemente apertada contra o seu peito a querida menina. Quando,
finalmente, viu-os a salvo, Marta ia segui-los no caminho da fuga, mas, nesse
momento crítico, a porta abriu-se bruscamente e como um furacão, a raivosa
Viviana penetrou na biblioteca.
Imediatamente deu-se conta do que
estava acontecendo, vendo a corda amarrada à varanda, pela qual acabavam de
descer Benedito e a pequenina "Flor de Amor". Marta já estava
tentando galgar a balaustrada de ferro, quando, de repente, as mãos duras como
ferro da "enfermeira" se crisparam no seu pescoço.
- Miserável! Queria aproveitar-se
de minha festinha para fugir! - rugiu Viviana. - E esse patife do Benedito,
onde está? Ele já fugiu com a garota? Pois bem, você vai ficar sem ela, e eu
vou furar-lhe os olhos para que nunca mais possa vê-la, se por acaso algum dia
essa criança puder estar perto de você. Eu...
Mas a bruxa silenciou de repente.
É que escutando o rumor dos cascos de um cavalo, isto lhe deu a entender que
realmente Benedito levava consigo "Flor de Amor", e sua raiva e furor
aumentaram mais ainda.
- Minha filha!... - gemeu Marta.
- Deixe-me ir atrás dela ou mate-me, eu não posso viver sem minha filhinha!
Na manhã seguinte, quando o
doutor Démon voltou de sua viagem, a perversa Viviana informou-lhe da fuga de
Benedito, levando a menina consigo. O médico sinistro ficou lívido de ira e
disse:
- Vou denunciar a fuga desse
escravo, para que o cacem como a pior das feras e se voltar para esta casa, eu
o matarei a golpes de rebenque, como matei Domingos, o outro escravo, que
também quis reaver a liberdade.
* * *
Os planos maquiavélicos da
astuciosa marquesa Renata Duplessis, com a ajuda do malvado doutor Démon
tiveram completo sucesso.
Agora, o riquíssimo e bonitão
conde Fernando era seu esposo. Renata nadava em milhões num belo palácio.
Após romper com Marta, Fernando
passou uma noite de sofrimentos inauditos, na manhã seguinte, sabendo que não
podia viver sem ela, o rapaz foi à procura de sua amada.
Mas Marta não se encontrava na
sua meiga casinhola, indagara na cidade e soubera que, durante alguns dias
estivera hospedado no hotel Lyon, um forasteiro, de nome André de
Saint-Evremont que, precisamente se ausentara durante a noite anterior.
Então Fernando de Chanteloup
supusera que os dois amantes teriam fugido juntos.
Cego de dor, devorado
pelo despeito, Fernandocasou com Renata, com a ânsia de encontrar o
esquecimento, para ver se conseguiria esquecer a amada Marta, junto à outra.
Mas o jovem conde só achou decepção naquele matrimônio.
Nunca amou, nem
poderia amar aquela que agora era sua esposa, seu coração rebelde seguia
pertencendo a Marta, e assim teria de ser, até a hora de sua morte.
Muito bela e
ambiciosa, Renata Duplessis gozava da doce vida dos poderosos da terra: luxo,
diversões incessantes, festas da alta-roda, viagens, joias, criadagem solícita,
sempre às suas ordens...
Dezessete anos
passaram-se assim. Às vezes, pareciaimpossível a Fernando que houvesse
transcorrido tanto tempo, desde o dia em que Marta apareceu como desleal e traidora aos
seus olhosenganados por fatídicas aparências.
Renata celebrava
nesse dia sua festa de aniversário. Estava festejando trinta e seis anos, mas
aparentava vinte e cinco.
Os cuidados que tinha
com sua pessoa a mantinham jovem e resplandecente. Sua elegância e sua coleção
de jóias eram invejadas por todas as mulheres de Nova Orleans. E ela, que não
conhecia o remorso, parecia ser muito feliz.
Os salões do palácio
regurgitavam de convidados, figuras da nobreza e altas personalidades da
política e do exército. Mesas ricamente preparadas, uma seleta orquestra,
flores, rios dechampanha e de licores, casais dançando, rindo, brincando,
namorando...
Estupenda num vestido
de veludo preto, bordado com pérolas rosadas, Renata tinha brilhado na sua
festa como uma rainha, ou como uma deusa.
De madrugada, os
convidados se retiraram nas suas carruagens luxuosas. E Renata também se
despedira de seu marido.
- Vou dormir sozinha
no quarto azul - disse ela a Fernando. - Estou tão cansada que desejo repousar
até o meio-dia.
- Como queira, meu
bem - respondeu polidamente o conde, beijando-a na testa.
Mas Fernando não
tinha sono. A noite estava cálida e preferiu, em vez de recolher-se ao seu
quarto, esperar no jardim o nascer do sol.
Caminhando por uma
alameda, absorto nos seus pensamentos, Fernando escutou, do outro lado de uma
sebe, uma risada sufocada. Parou surpreendido e olhou para o outro lado.
Num banco de mármore
estavam sentados um homem e uma mulher, estreitamente enlaçados.
Eram sua esposa
Renata e um desconhecido, louro, alto e forte, de uma certa idade, porém
bastante atraente.
Refreando sua cólera
e indignação, Fernando ficou imóvel, escutando o que eles falavam.
- Está cada dia mais sedutora, Renata,
meu grande amor!
- E eu o amo como
nunca amei ninguém, André. Disto você pode estar seguro. Se me casei com
Fernando foi apenas pelos seus milhões. Eu estava arruinada e você sabe que
nada me assusta tanto nesta vida como a pobreza. Você poderia gostar das minhas
mãozinhas, se eu as estragasse com o trabalho?
- Você disse
"trabalho"... Renata, essa é para mim a mais desagradável das
palavras, observou o aventureiro rindo cinicamente, - não a censuro porque você
casou com esse conde milionário. Você agora tem milhões e continua a ter meu
coração. Solteira ou casada, eu gostaria sempre de você.
Nunca deixei de fazer
nenhuma de suas vontades... Lembra-se daquela carta que me fez escrever para
acabar com sua rival, em que eu, André de Saint-Evremont, fazia-me passar por
amante da ingênua Marta Aubert?
Ao ouvir o nome
odiado daquele homem, que originou o cruel drama de sua vida fracassada,
Fernando avançou em direção a eles, os punhos crispados e com uma ânsia de
matar muito difícil de reprimir.
- Miseráveis! -
apostrofou-os. - Vão pagar caro pelos seus crimes, pela grande infâmia!
André e Renata
ficaram sobressaltados pela surpresa. Tudo podiam imaginar menos estar sendo
escutados por Fernando. Este, descomposto, tratou de agarrar André pelo pescoço
com a ânsia vingativa de estrangulá-lo.
Porém, o aventureiro
soube escapulir de suas mãos e fugindo covardemente, deixou a marquesa Renata
abandonada às iras do ultrajado marido.
- Deixe-o, deixe-o! -
gritou. - Sou eu a única culpada. Não, toque nele!
Fernando crispou suas mãos fortes nos
ombros da marquesa.
- Você fingiu-me amor
durante dezoito anos! Durante dezoito anos mentiu e me traiu. Tornou-me primeiro
o mais infeliz dos homens e depois o mais ridículo. Que devo fazer eu?
Matá-la?... Sim, matá-la! Uma serpente como você, não tem o direito de viver.
Mas antes exijo que me diga o que foi feito de Marta. Fale, miserável! Você
sabe o que foi feito daquela infeliz criatura. Confesse sem mentir!
NÃO
DEIXE DE LER NO PRÓXIMO FASCÍCULO:
- O Conde Fernando conseguirá arrancar a confissão de
Renata?
- Para onde o escravo Benedito teria levado “Maria
Flor de Amor”?
- O Conde Fernando encontrará sua filha a qual nem
conhece?
- Porque “Flor de Amor”
nunca procurou sua mãe?
- O Conde Fernando reencontrará a sua amada Marta
Aubert?
Paulo, uma bela história, mas muito triste! E vai ser difícil agora, se reunirem os três: Fernando, Marta e Maria. Que gente cruel o Dr. Démon e Viviana! Ainda bem que apareceu Benedito, pra salvar pelo menos a menina! Vou esperar pra ver o que vai acontecer. Bjs.
ResponderExcluirEstá sendo um prazer socializar esta história com vocês Maria. Guenta firme porque temos muito emoção por vir... Um grande abraço.
ResponderExcluir