sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 2 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA


O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena


Facículo

I





Rev. G.H. 1343
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
maio 1973



O INFERNO DE UM ANJO


Capítulo II
NA MANSÃO DOS MORTOS-VIVOS


Os violentos tratamentos que o doutor Démon aplicou em Marta tiveram o resultado desejado pela marquesa e o médico criminoso: perturbar a razão da pobre moça, cujo "crime" foi amar sincera e profundamente o rico conde Fernando Chanteloup.
Injeções de perigosas drogas e frequentes choques elétricos tinham-lhe tirado a energia e a memória.
Confinada numa cela isolada com apenas uma janelinha fechada com pesadas barras de ferro, a infortunada Marta viu transcorrer dois anos, roubados à sua jovem vida.
Nos primeiros dias, os gritos e as imprecações de Marta deram pretexto para que a infame Viviana lhe vestisse continuamente a camisa de força. Depois, os "remédios" empregados pelo médico demoníaco fizeram Marta cair numa total passividade, como se estivesse definitivamente resignada a suportar seu trágico destino.
Lá mesmo, naquela sombria cela onde nunca entrou um raio de sol, Marta dera à luz sua filhinha; uma linda menina. Marta deu-lhe o nome de Maria, pensando na Rainha dos Céus. E tendo em conta que a garotinha era fruto de seu idílio, deu-lhe o carinhoso apelido de "Flor de Amor".
Contra a vontade de Renata, Démon não quis tirar a filhinha de Marta. A garotinha serviria de entretenimento e consolação à infeliz sequestrada, que assim daria menos trabalho.
Impossibilitada do convívio humano, Marta falava com "Flor de Amor", como se a miúda garotinha pudesse entendê-la.
E na confusa memória da pobre sequestrada ainda havia viva uma lembrança que todas as drogas do infernal doutor Démon não conseguiram apagar, seu primeiro e único amor, Fernando! E Marta falava dele à sua filhinha, dizendo-lhe que seu papai era o mais bonito e atraente dos homens.
Agora, "Flor de Amor", a garotinha, estava com um ano e meio, era inteligente e vivaz, porém, nada podia perceber da horrenda situação em que ela e sua mãe se encontravam.
Na clínica, havia alguém compadecido do infortúnio de Marta, que procurava confortar a triste sequestrada. Era um preto bondoso, de nome Benedito, velho escravo do avarento e malvado doutor Démon. O sorriso afável daquele homem e a boa vontade com que lhe prestava pequenos serviços causavam grata impressão na perturbada Marta, habituada a suportar os maus-tratos da perversa Viviana.
Benedito era escravo porque, no começo do século XIX, época em que aconteceram os fatos verídicos deste romance vivido, a Louisiana era mais uma colônia que a França tinha na América, onde a escravidão vigorava rigorosa e cruel. Bem apessoado, sessenta anos, muito inteligente, Benedito aprendeu a ler e, nos livros da biblioteca de seu amo, aprendeu noções de Química, Física e Farmácia, o que lhe permitia ser auxiliar do doutor Démon no preparo de fórmulas e remédios, no laboratório da clínica.
Além desse seu trabalho, que podemos denominar científico, Benedito, sob as ordens de Viviana, servia de faxineiro, de garçom, cuidava dos cavalos e cultivava o jardim.
Muita infâmia tinha visto o explorado preto dentro daquela clínica, mas para ele o caso mais revoltante era o de Marta, aquela pobre jovem, perfidamente enlouquecida pelo doutor Démon e mantida em rigoroso sequestro.
Naquele dia, Marta estava escrevendo pela centésima vez uma longa e inútil carta ao seu inesquecível Fernando. Num descuido da mãe, a pequena "Flor de Amor", brincando rasgou a carta, fazendo depois com ela uma bolota, que escondeu no corpete de seu vestidinho, sempre rindo alegremente.
Inesperadamente, apareceu Benedito. Estava pálido e tremia:
- Dona Marta, - perguntou, - como está a senhora? Sente-se forte? Seria capaz de caminhar?
- Senhor Benedito, o senhor sabe o que me acontece, é comose tivesse perdido o uso das pernas. E não me surpreende... Levo tantos meses estendida neste leito...
- Pois tem de fazer um esforço e caminhar, dona Marta! Hoje é sua única oportunidade para fugir desta casa maldita! O doutor, que nunca abandona à clínica, viajou esta tarde, com destino a Charleston. Viviana, que gosta de beber e dançar, aproveitando a ausência do patrão, organizou uma comilança na cozinha, tomando parte nela enfermeiras e enfermeiros. Estão bebendo e comendo do melhor, Charles toca o violino, Marcelo acordeão. A pândega vai durar algumas horas. Temos de fugir! - apressou Benedito.
- Mas o senhor tem me dito que, sempre, todas as portas da clínica estão trancadas e sei que as chaves estão com dona Viviana e não com o senhor. - observou Marta.
- Isso não nos impedirá a fuga. A senhora vai para a biblioteca do doutor Démon, É o único aposento da casa que as janelas não têm grades. Fica no segundo andar. A porta está no mesmo patamar. Arranjarei uma corda bem resistente, amarraremos na varanda, e nos servirá para descer até o jardim.
Descerei pela corda com a menina, bem apertada contra o meu coração. E a senhora, dona Marta, me seguirá. Pense que não temos tempo a perder, - falou Benedito.
É fácil imaginar a ânsia de Marta e a luz de esperança que se acendeu na sua alma torturada, vendo finalmente abrir-se um caminho de salvação para ela e sua filhinha.
Ergueu-se com esforço, suas pobres pernas mal resistindo a sustentá-la e assaltada por súbito pressentimento, tirou de sua velha bolsa um papel, escondendo-o em seguida sob as roupas da menina.
- É melhor que a prova de que você é filha do conde Fernando de Chanteloup fique consigo-murmurou.
Benedito tomou "Flor de Amor" no colo e, retendo a respiração, conseguiram percorrer o corredor, subir pela escada até o segundo andar. Marta cambaleava a cada instante, as pernas quase não a obedeciam mais, porém sua vontade de sair daquele inferno era desesperada.
Já na biblioteca, o bom Benedito, apertando contra o peito a querida menininha, foi o primeiro a iniciar a perigosa descida pela corda amarradaà balaustrada de ferro da varanda daquela sala. Com angústia e ansiedade, Marta viu descer até o chão o velho Benedito, mantendo fortemente apertada contra o seu peito a querida menina. Quando, finalmente, viu-os a salvo, Marta ia segui-los no caminho da fuga, mas, nesse momento crítico, a porta abriu-se bruscamente e como um furacão, a raivosa Viviana penetrou na biblioteca.
Imediatamente deu-se conta do que estava acontecendo, vendo a corda amarrada à varanda, pela qual acabavam de descer Benedito e a pequenina "Flor de Amor". Marta já estava tentando galgar a balaustrada de ferro, quando, de repente, as mãos duras como ferro da "enfermeira" se crisparam no seu pescoço.
- Miserável! Queria aproveitar-se de minha festinha para fugir! - rugiu Viviana. - E esse patife do Benedito, onde está? Ele já fugiu com a garota? Pois bem, você vai ficar sem ela, e eu vou furar-lhe os olhos para que nunca mais possa vê-la, se por acaso algum dia essa criança puder estar perto de você. Eu...
Mas a bruxa silenciou de repente. É que escutando o rumor dos cascos de um cavalo, isto lhe deu a entender que realmente Benedito levava consigo "Flor de Amor", e sua raiva e furor aumentaram mais ainda.
- Minha filha!... - gemeu Marta. - Deixe-me ir atrás dela ou mate-me, eu não posso viver sem minha filhinha!
Na manhã seguinte, quando o doutor Démon voltou de sua viagem, a perversa Viviana informou-lhe da fuga de Benedito, levando a menina consigo. O médico sinistro ficou lívido de ira e disse:
- Vou denunciar a fuga desse escravo, para que o cacem como a pior das feras e se voltar para esta casa, eu o matarei a golpes de rebenque, como matei Domingos, o outro escravo, que também quis reaver a liberdade.

* * *

Os planos maquiavélicos da astuciosa marquesa Renata Duplessis, com a ajuda do malvado doutor Démon tiveram completo sucesso.
Agora, o riquíssimo e bonitão conde Fernando era seu esposo. Renata nadava em milhões num belo palácio.
Após romper com Marta, Fernando passou uma noite de sofrimentos inauditos, na manhã seguinte, sabendo que não podia viver sem ela, o rapaz foi à procura de sua amada.
Mas Marta não se encontrava na sua meiga casinhola, indagara na cidade e soubera que, durante alguns dias estivera hospedado no hotel Lyon, um forasteiro, de nome André de Saint-Evremont que, precisamente se ausentara durante a noite anterior.
Então Fernando de Chanteloup supusera que os dois amantes teriam fugido juntos.
Cego de dor, devorado pelo despeito, Fernandocasou com Renata, com a ânsia de encontrar o esquecimento, para ver se conseguiria esquecer a amada Marta, junto à outra. Mas o jovem conde só achou decepção naquele matrimônio.
Nunca amou, nem poderia amar aquela que agora era sua esposa, seu coração rebelde seguia pertencendo a Marta, e assim teria de ser, até a hora de sua morte.
Muito bela e ambiciosa, Renata Duplessis gozava da doce vida dos poderosos da terra: luxo, diversões incessantes, festas da alta-roda, viagens, joias, criadagem solícita, sempre às suas ordens...
Dezessete anos passaram-se assim. Às vezes, pareciaimpossível a Fernando que houvesse transcorrido tanto tempo, desde o dia em que Marta apareceu como desleal e traidora aos seus olhosenganados por fatídicas aparências.
Renata celebrava nesse dia sua festa de aniversário. Estava festejando trinta e seis anos, mas aparentava vinte e cinco.
Os cuidados que tinha com sua pessoa a mantinham jovem e resplandecente. Sua elegância e sua coleção de jóias eram invejadas por todas as mulheres de Nova Orleans. E ela, que não conhecia o remorso, parecia ser muito feliz.
Os salões do palácio regurgitavam de convidados, figuras da nobreza e altas personalidades da política e do exército. Mesas ricamente preparadas, uma seleta orquestra, flores, rios dechampanha e de licores, casais dançando, rindo, brincando, namorando...
Estupenda num vestido de veludo preto, bordado com pérolas rosadas, Renata tinha brilhado na sua festa como uma rainha, ou como uma deusa.
De madrugada, os convidados se retiraram nas suas carruagens luxuosas. E Renata também se despedira de seu marido.
- Vou dormir sozinha no quarto azul - disse ela a Fernando. - Estou tão cansada que desejo repousar até o meio-dia.
- Como queira, meu bem - respondeu polidamente o conde, beijando-a na testa.
Mas Fernando não tinha sono. A noite estava cálida e preferiu, em vez de recolher-se ao seu quarto, esperar no jardim o nascer do sol.
Caminhando por uma alameda, absorto nos seus pensamentos, Fernando escutou, do outro lado de uma sebe, uma risada sufocada. Parou surpreendido e olhou para o outro lado.
Num banco de mármore estavam sentados um homem e uma mulher, estreitamente enlaçados.
Eram sua esposa Renata e um desconhecido, louro, alto e forte, de uma certa idade, porém bastante atraente.
Refreando sua cólera e indignação, Fernando ficou imóvel, escutando o que eles falavam.
- Está cada dia mais sedutora, Renata, meu grande amor!
- E eu o amo como nunca amei ninguém, André. Disto você pode estar seguro. Se me casei com Fernando foi apenas pelos seus milhões. Eu estava arruinada e você sabe que nada me assusta tanto nesta vida como a pobreza. Você poderia gostar das minhas mãozinhas, se eu as estragasse com o trabalho?
- Você disse "trabalho"... Renata, essa é para mim a mais desagradável das palavras, observou o aventureiro rindo cinicamente, - não a censuro porque você casou com esse conde milionário. Você agora tem milhões e continua a ter meu coração. Solteira ou casada, eu gostaria sempre de você.
Nunca deixei de fazer nenhuma de suas vontades... Lembra-se daquela carta que me fez escrever para acabar com sua rival, em que eu, André de Saint-Evremont, fazia-me passar por amante da ingênua Marta Aubert?
Ao ouvir o nome odiado daquele homem, que originou o cruel drama de sua vida fracassada, Fernando avançou em direção a eles, os punhos crispados e com uma ânsia de matar muito difícil de reprimir.
- Miseráveis! - apostrofou-os. - Vão pagar caro pelos seus crimes, pela grande infâmia!
André e Renata ficaram sobressaltados pela surpresa. Tudo podiam imaginar menos estar sendo escutados por Fernando. Este, descomposto, tratou de agarrar André pelo pescoço com a ânsia vingativa de estrangulá-lo.
Porém, o aventureiro soube escapulir de suas mãos e fugindo covardemente, deixou a marquesa Renata abandonada às iras do ultrajado marido.
- Deixe-o, deixe-o! - gritou. - Sou eu a única culpada. Não, toque nele!
Fernando crispou suas mãos fortes nos ombros da marquesa.
- Você fingiu-me amor durante dezoito anos! Durante dezoito anos mentiu e me traiu. Tornou-me primeiro o mais infeliz dos homens e depois o mais ridículo. Que devo fazer eu? Matá-la?... Sim, matá-la! Uma serpente como você, não tem o direito de viver. Mas antes exijo que me diga o que foi feito de Marta. Fale, miserável! Você sabe o que foi feito daquela infeliz criatura. Confesse sem mentir!


NÃO DEIXE DE LER NO PRÓXIMO FASCÍCULO:

- O Conde Fernando conseguirá arrancar a confissão de Renata?
- Para onde o escravo Benedito teria levado “Maria Flor de Amor”?
- O Conde Fernando encontrará sua filha a qual nem conhece?
- Porque “Flor de Amor” nunca procurou sua mãe?
- O Conde Fernando reencontrará a sua amada Marta Aubert?

2 comentários:

  1. Paulo, uma bela história, mas muito triste! E vai ser difícil agora, se reunirem os três: Fernando, Marta e Maria. Que gente cruel o Dr. Démon e Viviana! Ainda bem que apareceu Benedito, pra salvar pelo menos a menina! Vou esperar pra ver o que vai acontecer. Bjs.

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  2. Está sendo um prazer socializar esta história com vocês Maria. Guenta firme porque temos muito emoção por vir... Um grande abraço.

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