A
crônica que reproduzimos abaixo é da autoria de Adriana Falcão.
Para
maiores informações sobre essa autora, favor consultar: http://pensador.uol.com.br/autor/adriana_falcao/biografia/.
Boa
leitura!
O REQUERIMENTO
Caro
Senhor Tempo,
Espero
que esta o encontre passando bem, ou melhor, passando o mais devagar possível.
Por
aqui vai-se indo, como o Senhor quer e consente, meio rápido demais para o meu
gosto, e quando vi já era dezembro.
Foi-se
mais um ano.
E
com ele foram-se uma quantidade incalculável de amores, cores, idades, alguns
amigos, não sei quantos neurônios, memórias, remorsos, desvarios, cabelos,
ilusões, alegrias, tristezas, várias certezas (se não me engano, treze),
algumas verdades indiscutíveis, umas calças que não fecham mais e aquele
vestido de que eu gostava tanto.
Foi-se
o meu gosto por vitrine.
Foi-se
quase todo o meu vidro de perfume.
Foi-se
meu costume de imaginar asneiras à noite.
Foi-se
meu forte instinto de acreditar no que me dizem.
Foi-se
meu açucareiro de porcelana.
Que
pena.
Foi-se
o tempo em que uma simples farra não significava necessariamente uma condenação
sumária no dia subseqüente.
Foi-se
a poupança.
O
troquinho da gaveta.
Foi-se
aquele antigo projeto.
Foram-se
exatamente nove vírgula seis por cento de todas as minhas esperanças.
Será
que o Senhor não se cansa, seu Tempo?
Não
pensa em tirar umas férias, dar uma pausa, respirar um pouco? Não lhe agrada a
idéia de mudar o andamento? Diminuir o ritmo? Em vez de tic-tac, inventar uma
palavra mais comprida para compasso, mantra, ícone, diagrama?
Me
diga sinceramente: para que tanta pressa?
Anda
difícil acompanhar seus passos ultimamente.
Não
precisa dar meia-volta, eu não espero tanto. Eternidade? Não. Só queria sua
amizade.
Mas
já é dezembro.
Foi-se
mais um ano.
E
o Senhor passou voando, rebocou os meus momentos, foi desbotando minhas
lembranças, carregou mais doze meses inteiros levando cada instante meu de
carona.
Tentei
voltar atrás em algumas decisões. Já era tarde.
Não
deixei nada para amanhã. Mesmo assim não fiz sequer metade do que pretendia.
Imaginei várias maneiras de estancar os dias, segunda, terça, quarta, quando
via já era quinta. Sexta. Sábado. Domingo. Pronto.
Pensei
em fuga. Será que existe algum lugar deste mundo onde as horas não me
encontrem? Fiquei meses trancada em casa. Foi inútil. Lá fora, o Senhor
continua passando.
E
já passou mais um pouquinho.
Calma,
Tempo! Espere só um minutinho para eu explicar melhor meu ponto de vista.
Nem
todo mundo é pedra, concorda? Dito isso, imagine então quantos pobres mortais
sofrem da mesma agonia diária: giros e mais giros nos ponteiros, os cantos dos
cucos, as denúncias das sombras, os grãos de areia escorrendo (parece até
hemorragia crônica), tudo escapulindo, descendo, subindo, o frenesi dos
dígitos, um, dois, três, quatro, cinco, cem, o Senhor vai tirar o pai da forca?
Está fugindo de alguém? De quem? De mim? De ontem?
Eu
conheço de cor suas obrigações.
Estou
convencida de suas utilidades.
Não
fosse o Senhor, não existiriam saudade, retrato, suvenir, antiguidade,
história, época, período, calendário, outrora, passatempo, novidade, creme
anti-rugas, disputa por pênaltis, antepassado, descendente, dia, noite, nada,
não existiria sabedoria, eu sei disso.
Não
tome como queixas minhas palavras, por favor não tome.
Aqui
vai apenas uma súplica.
Ah,
se o Senhor fosse mais indulgente, mais piedoso, mais pensativo, se fosse
baiano, menos estressado, mais manso, menos rigoroso, um bon-vivant, e se
distraísse aí pelo caminho, e se deixasse apreciar as paisagens, e sofresse um
devaneio, e ficasse de bobeira, esquecido das horas, divagando.
Escute
aqui, seu Tempo, que tal deixar passar o resto e parar quieto um pouco?
Fonte: http://alfabetizacaoecia.blogspot.com.br/2010/02/para-gostar-de-ler-cronica.html
JE, que crônica maravilhosa, ameiiii, acho que ela resume um pouco de todos nós, é assim mesmo que sentimos em relação ao tempo e como cruel ele é!
ResponderExcluirLinda crônica! A Mari tem razão, é assim que nos sentimos em ralação ao tempo e ao que ele faz conosco! Amei!
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