sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 7 - PRIMEIRA PARTE - COLABORAÇÃO: PAULO SENA


O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo VII

O TRIUNFO DO LUDÍBRIO

Sozinho em seu gabinete, o conde Fernando achava-se lendo a correspondência, Tratava-se dos relatórios dos investigadores, os mais hábeis e dignos de confiança, que havia contratado na vã esperança de que conseguissem descobrir a filha desaparecida. Mas a resposta era sempre a mesma, ferindo o seu coração de pai: NADA.
Fernando se sentia mais desconsolado e abatido do que de costume. O tempo passava. Os dias transcorriam sempre iguais, sem que se conseguisse chegar a nenhuma conclusão positiva: "Maria, minha filha", ele pensava levando as mãos às têmporas, prematuramente embranquecida pelos desgostos. "Onde estará você, minha querida? Quando poderei estreitá-la nos meus braços? Maria, precisamos de você para salvar a sua pobre mãe!" Súbito, o conde, com mão nervosa, apertou o botão de uma campainha.
Instantes depois, Pedro, o fiel empregado, entrava no gabinete.
- Pedro - disse Fernando, - por favor, vá ao jardim e diga à senhorita Flora que venha aqui. Desejo falar com ela.
- Agora mesmo, senhor conde - respondeu o velho, enquanto seu rosto coberto de rugas se iluminava com um sorriso.
- O que tem, para estar tão alegre? – perguntou Fernando. - Há tanto tempo que a alegria não quer nada contigo!
Instantaneamente, o rosto de Pedro readquiriu a primitiva, impassibilidade.
- Queira desculpar, senhor conde - murmurou - compreendo o que o senhor sente. Mas confesso que desde que a senhorita Flora entrou para esta casa e começou a cuidar da senhora enferma... Bem, acho que muitas coisas mudaram... É quase como se um raio de sol tivesse entrado com ela...
Vendo o olhar de Fernando pousar sobre ele, severo e um tanto curioso, o velho se confundiu e balbuciou:
- Perdão... Não quero aborrecê-lo com minha tagarelice. Vou já chamar a senhorita Flora.
Minutos depois, a filha do doutor Sardon, usando um simples vestido de casa, que lhe modelava harmoniosamente o corpo esbelto, entrava no gabinete.
- Bom dia, conde - disse, apertando a mão que o seu benfeitor lhe estendia. - Quer falar comigo? Alguma ordem a dar?
- Minhas ordens não são necessárias, pelo menos com a senhorita. Que eu saiba, é melhor ainda do que eu supunha e todos nesta casa a estimam... Mas... Sente-se! Eu quero apenas saber notícias de minha... De Marta. Como está ela hoje? Passou bem a noite?
O belo rosto de Flora se anuviou e ela respondeu indecisa, lamentando ter de dar um desgosto àquele fidalgo tão bondoso:
-Infelizmente, ela quase não fechou os olhos. Vem intercalando momentos de relativa lucidez com outros de perturbação. Embora eu faça o possível para ajudá-la, não consigo grande coisa, devo confessar...
Fernando abaixou o belo rosto Inteligente, sulcado pela dor.
- O doutor esteve aqui?
- Esteve, mas percebe-se que ele faz isto exclusivamente para agradar ao senhor. Segundo ele, a senhora é incurável. Repete sempre que se não encontrarmos sua filha, o estado de dona Marta só tende a piorar...
- Maria! Maria! - exclamou o conde, pondo-se em pé se não consigo encontrar você, eu também acabarei enlouquecendo! Tenho feito tudo, tudo, para encontrar minha filha! Mas ela desapareceu, desvaneceu-se no nada!
O desabafo nervoso de Fernando foi interrompido por uma discreta batida na porta.
- Entre! - disse o conde, virando-se.
- Senhor conde - disse o velho criado - no saguão está uma jovem que deseja a todo o custo falar com o senhor.
Ela disse que tem coisas importantíssimas a lhe comunicar.
- Disse o nome?
- Ela não disse, senhor conde. Está modestamente vestida, mas é lindíssima, e insistiu tanto...
- Está bem... Mande-a entrar - disse Fernando, - muito embora eu não imagine o que possa essa jovem querer de mim.
Momentos depois, Pedro introduziu no gabinete uma jovem muito bonita e, como havia dito o lacaio, modestamente vestida, digamos mesmo, pobremente.
- Entre, pode entrar - convidou polidamente o conde, porque a jovem havia ficado hesitante na porta. - Sou Fernando Chanteloup. Não queria falar comigo?
Em vez de responder, a jovem olhou desconfiada para Flora que compreendendo que a sua presença perturbava a recém chegada, fez menção de sair. Mas Fernando disse, fazendo ao mesmo tempo um gesto para retê-la:
- Não tenho nada a esconder desta moça, pode falar, não tenha receio!
Um clarão de ódio brilhou nos olhos da jovem, que deu uns passos à frente murmurando, com voz estranha:
- O senhor quer saber... Como me chamo?
- Certamente! - respondeu o conde, maravilhado com a estranha, pergunta.
- Pois bem, eu me chamo... Maria Aubert, Maria "Flor de Amor".
Um silêncio profundo seguiu essas palavras. Depois, Fernando, intensamente comovido e trêmulo, avançou uns passos em direção da visitante.
- Maria?... Maria?!... - Balbuciou - você, pois, é minha filha?... - Disse, avançando mais ainda.
Mas uma força secreta pareceu retê-lo e ele vacilou, procurando, atrás de si, o apoio de uma cadeira. Flora, compreendendo a violenta emoção que o nobre devia estar sofrendo, solícita, correu para junto dele e o amparou, dizendo:
- Por favor, conde, tenha calma! Soube resistir com coragem a tantas provas dolorosas, não vai deixar-se vencer agora pela alegria... Vamos, coragem!
Fernando bateu várias vezes as pálpebras, como se temesse ver dissipar-se a visão que por tanto tempo havia almejado pela qual havia movido céu e terra, passado longas noites insones, pedindo a Deus que o fizesse encontrá-la.
- Maria "Flor de Amor", minha filha!... Minha filha!... - repetiu, abrindo os braços.
A jovem, sem pronunciar uma palavra, abraçou-se a ele e o conde cobriu-lhe o rosto de beijos, ternamente. Alguns minutos transcorreram assim e parecia que Fernando não queria mais soltar a filha. Flora se afastara alguns passos e, observando o belo rosto da jovem notou, com assombro, que embora aceitasse os abraços do pai, ela não retribuía as suas expansões, limitando-se apenas a apoiar o rosto no dele, com os olhos fixos no vazio. Este fato a surpreendeu muito mas atribuiu a momentânea frieza da jovem a uma instintiva rejeição àquele homem alto, de ar austero e têmporas grisalhas que era o conde Fernando. Em seguida, não pensou mais no fato e lágrimas de emoção brilharam em seus cílios, quando viu com que ternura Fernando fazia a filha sentar-se ao lado dele, num divã e como afagava a cabeça dela, com as mãos trêmulas.
- Querida menina Maria... - murmurou, com voz estrangulada - Agora está em sua casa... Nada mais lhe faltará. Terá tudo o que quiser, filhinha! E não irá mais embora, não é?
- Sim, papai - respondeu a mocinha, hesitante. Depois, acrescentou para justificar seu constrangimento. - Tenho a impressão de não poder chamá-lo assim, enquanto não lhe fornecer as provas de que sou realmente sua filha. De que sou realmente uma Chanteloup!
- Provas? - disse Fernando, que, pouco a pouco, se recobrava da emoção. - Ah, sim, você tem razão. Mas, mesmo que você não as apresentasse, eu não as pediria, sabe? Há algo de familiar nas linhas de seu rosto. É a primeira vez que a vejo, por infelicidade, mas... É como se já a conhecesse. Talvez seja o instinto paterno, não acha?
- Sim, deve ser, papai...
Ela procurou algo numa bolsa que levava a tiracolo e depois, tirando dali um envelope, entregou-o ao conde, dizendo:
- Olhe, aqui está a prova de que sou sua filha. O senhor conhece esta letra?
Fernando pegou o envelope com veneração e dele tirou um papel, à vista do qual uma exclamação de assombro e de dor lhe escapou dos lábios contraídos.
- Sim, esta carta é minha! É a que escrevi à sua mãe, numa época feliz, que já vai longe... De fato, somente a minha filha poderia estar com ela. Até que enfim, Deus atendeu às minhas preces!...
E não podendo dominar a alegria, estreitou novamente a mocinha nos braços. Enquanto isto, Flora receando perturbar, dirigira-se devagarinho para a porta. Mas o conde chamou-a e, pondo-se de pé, mantendo um braço em volta dos ombros daquela que julgava ser a sua Maria, disse:
- Senhorita Flora, finalmente posso ter a alegria de apresentar-lhe minha filha Maria, que o Senhor, milagrosamente me restituiu. Maria, esta é Flora Sardon, que se ocupa de sua pobre mãe...
- Minha mãe está aqui? - ela interrompeu, lançando uma olhar à sua volta, inquieta.
- Está, querida, eu a trouxe para este palácio, tirei-a do triste manicômio onde esteve reclusa durante tantos anos. Está muito doente, sabe? Mas agora que você voltou e graças aos cuidados da senhorita Flora, espero que ela recupere a saúde. E que vocês se tornem boas amigas!
- Será para mim um grande prazer tê-la como amiga, condessinha - disse logo Flora, estendendo a mão, com grande espontaneidade. - Seu pai falava tanto de você, vivia imaginando como você seria... Mas agora que a vejo, devo dizer que é muito mais bonita do que ele imaginava... Não é verdade, conde Fernando?
- Exato - murmurou o conde, extasiado. - Parece uma rainha!
- Muita gentileza sua - disse a falsa Maria com simplicidade, dirigindo-se à Flora. E lhe apertou a mão com tamanha frieza que a jovem não pôde deixar de notar o fato, sentindo uma impressão desagradável.
O conde, no entanto, que não cabia em si de felicidade, não percebeu nada e, segurando a mão da filha, disse:
- Agora vamos ver sua mãe, Maria. Talvez isto a entristeça um pouco, porque é bem doloroso ver o estado de minha adorada Marta, despojada do tesouro mais precioso que uma criatura humana pode possuir. Acontece, porém, que ela a tem chamado muito... E depois, imagino que você também esteja ansiosa por vê-la, porque os médicos garantem que isto terá um efeito benéfico sobre a saúde dela!
- Então vamos, papai! - exclamou a jovem, não olhando mais para Flora. - Não devemos protelar, se é verdade que eu posso contribuir para o restabelecimento de mamãe!
Flora, solícita, precedeu ao conde e à filha, abrindo-lhes o caminho até o pavilhão do jardim. Enquanto caminhava, Flora se lembrou da impressão desagradável que a recém-chegada lhe causara desde o primeiro instante. Alguns pequenos detalhes que lhe escapavam, mas dos quais sentia a secreta presença, a induziam a pensar, apesar de não ser nada maldosa: "Temo que, em vez de um raio de sol, trevas cada vez mais densas entrarão no palácio dos Chanteloup... Com a chegada desta mocinha. Há algo estranho na fisionomia desta condessinha..."
Quando chegaram ao pavilhão, Flora foi a primeira a entrar, pedindo ao conde e à filha que esperassem alguns minutos, numa pequena e graciosa saleta, enquanto ela ia ver em que condições se encontrava a enferma. Uma enfermeira ficara ao lado de Marta, esperando a volta de Flora e logo que entrou no quarto a outra saiu, lançando um olhar tranqüilizante à Flora, como para lhe dar a entender que nada de novo havia acontecido. Constatando que Marta podia receber visitas, embora naquele momento parecesse adormecida, Flora tornou a sair do quarto e, passando pela saleta, avisou em voz baixa:
- Conde, pode entrar.
Depois, sentindo-se importuna, saiu para o jardim, limitando-se, porém, a passear em volta do pavilhão, pronta a acudir ao primeiro chamado.
- É melhor que sua mãe não nos veja juntos - disse o conde, antes de abrir a porta da saleta. - Entre você primeiro e diga seu nome... Tem coragem de fazer isto, não é?
- Creio que sim, papai - respondeu a jovem, num tom não muito convincente.
Sem disfarçar seu encabulamento e mesmo com um pouco de medo, pois se tratava de aproximar-se de uma demente. A pretensa condessinha entrou no quarto de Marta e, aproximando-se do leito onde ela jazia, murmurou: - Mamãe... Mamãe... A louca abriu os olhos e os fixou nela, sem pronunciar nem uma palavra.
- Mamãe! - Repetiu a jovem, em voz mais alta. - Não me conhece mais? Sou Maria "Flor de Amor", sua filha! Voltei para lhe fazer companhia e para “tentar” aliviar seus sofrimentos...
Algo como uma centelha elétrica percorreu o corpo de Marta. Enquanto aquela que se fazia passar por Maria, recuava instintivamente, a demente se endireitou bruscamente no leito, impressionante na sua magreza, e esticando um dos braços agarrou com a mão fina e diáfana a pequena, atraindo-a para junto de si. Examinou-lhe o rosto, os cabelos, os olhos, rapidamente. O conde Fernando, de pé na porta, observava, com o coração em tumulto. Súbito, contrariamente ao que o conde esperava, a louca repeliu a mocinha, gritando:
- Quem é você? Vá embora daqui! Pensa que me engana? Você não é a minha filha! Você não é "Flor de Amor!" Vá embora daqui! Vá, vá embora. Não quero saber de você!

3 comentários:

  1. Paulo, muito bom! Pobre Fernando, sempre sendo enganado! E Marta, apesar de sua loucura, percebeu que essa não é sua filha verdadeira, mas quem irá acreditar nela? Já vi que tem muito drama ainda. Emocionante! Bjs.

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  2. Muito legal, vamos acompanhar com atenção o desenrolar do drama. Parabéns!

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  3. História dramática e surpreendente, como só aqueles novelões do passado podiam ser. Muito bom poder resgatar essas histórias, Paulo. Espero que possa disponibilizar outras para os leitores do site.

    Maria do Sul, JE, Silvania, saudações e abraço do amigo

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