O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Facículo
II
Rev. G.H. 1343
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
maio 1973
O INFERNO DE UM ANJO
Capítulo
IV
SEDE DE
VINGANÇA
Justamente
naquela tarde, no gabinete do doutor Démon, seu confidente, aquele que podia
ser considerado seu cúmplice, a marquesa Renata havia se refugiado.
Ela narrava-lhe,
interrompida por altos soluços, sem lágrimas, o que havia sucedido na madrugada
daquele dia, no palacete de seu esposo.
- Não suporto
esta ofensa, não posso abaixar a cabeça e ceder. Não que ele me importe. Sempre me foi
indiferente, mas não quero renunciar aos milhões de Fernando, nem ao lugar que
me corresponde na alta-roda. Encontre um jeito de ajudar-me... O senhor que é
tão astuto e não recua diante de nada!
Naquele instante, Viviana, a enfermeira,
entrou no gabinete.
- Está aí uma
mocinha muito bonita e bem educada, insistindo em falar com o senhor, doutor.
- Disse o nome?
- Não. É muito
misteriosa e afirmou que só revelará sua identidade ao senhor.
- Pode
recebê-la, vou para a sua saleta particular esperá-lo, estou tão nervosa... -
disse Renata.
Um momento
depois, "Flor de Amor" entrava na sala. Por trás das grossas lentes
escuras, os olhos magnéticos do doutor desprenderam um clarão. Nunca tinha
visto uma criatura tão gentil e tão graciosa.
- Doutor, -
disse "Flor de Amor", vim saber notícias de minha mãe, que se chama
Marta Aubert.
Démon empalideceu.
- Será então...
- A filha dela. Sei que minha mãe está
aqui e desejo vê-la.
- Ver sua mãe? Minha filha... É que, infelizmente...
"Flor de
Amor" tinha jurado ser prudente, mas bastou aquela palavra para desatar
sua cólera e o rancor que guardava na alma.
- Não me diga
que ela morreu! - gritou. - Seria pior para o senhor, sabe? Pois eu a vingaria
e como!... Foi o bondoso Benedito que me salvou e me criou, o coitado me contou
tudo! Eu quero ver minha mãe! Sei que está reclusa aqui, apesar de ela não
estar louca!
Enquanto isto, Démon havia recuperado o
controle dos nervos.
- Calma,
menina! Benedito era um débil mental que eu suportava na minha clínica porque
tive pena dele. Que interesse teria eu em conservar na minha clínica, aplicando
tratamentos caríssimos a uma pessoa que não estivesse doente?
- Bem, isto eu
não sei. É um mistério que o senhor terá de esclarecer... Mas compreenda, eu quero saber se minha desventurada mãe ainda
está viva!
E vendo que o médico-carrasco permanecia
impassível, atirou-se para ele, como uma alucinada.
- Responda-me!
Seja humano! Será que o senhor não teve mãe, será que não sabe que mãe, para
todo ser humano, é o que há de mais importante?
- Sua mãe está viva - declarou, friamente,
o terrível doutor.
"Flor de Amor" escondeu o rosto nas mãos, com um gemido de alegria.
- Louvado seja Deus! - murmurou.
E o malvado Démon continuou:
- E se ela está
viva, é graças somente aos meus cuidados, à minha piedade, à minha dedicação
por ela. Está passando bem e às vezes pergunta por você.
Maria
"Flor de Amor" tremia de emoção e de júbilo. Já começava
a se arrepender de ter sido tão dura com aquele indivíduo.
- Leve-me onde
ela está, por favor... Leve-me, depressa! Oh, minha mãezinha querida!
O doutor Démon
lhe pôs a mão no ombro e ela estremeceu àquele contato.
- Tenha paciência, minha filha! Uma emoção forte poderia matar sua mãe! Tenho
de prepará-la aos poucos! Eu é que sei o que lhe devo dizer, para que a sua
razão, já tão delicada, não vacile de novo! Espere-me aqui, sem nervosismos.
Não terá de esperar muito tempo. Daqui a pouco poderá abraçar sua mãe.
O médico deixou
Maria "Flor de Amor" quase apalermada de tanto contentamento. Saiu da
sala, fechando a porta com chave e entrou na saleta onde Renata o esperava.
- Minha cara
marquesa - disse, Démon - estamos atravessando um período de pouca sorte. As
coisas se complicam para nós.
- Que aconteceu de novo?
- Sabe quem é a
jovem que veio procurar-me? A filha de Marta Aubert. Ela soube de tudo através
de Benedito e quer ver a mãe.
Renata cambaleou. O novo golpe era muito
forte para ela.
- Estamos
perdidos! - balbuciou. - Penso que não temos mais salvação!
Démon continuava impassível.
- Não fale
assim. Nem eu nem a senhora somos pessoas que se dêem por vencidas
facilmente... Lutaremos até o fim, custe o que custar!...
De repente, passou um clarão pelos olhos
de Renata.
- Démon. -
disse - meu marido vai procurar a filha dele por toda parte... Ele faz questão
absoluta de encontrá-la...
- Justamente o
que eu estava pensando. Essa criatura pode tornar-se, se você quiser, o
instrumento da vingança contra seu marido...
- Ela tem mais
ou menos a idade da minha Denise – continuou Renata. - E Fernando ignora que eu
tive um filho de André de Saint-Evremont antes de casar com ele. Todos ignoram
isto, menos o senhor.
Démon a segurou por um braço.
- Vamos lá
dentro, marquesa. Como pode ver, nada ainda está perdido!
Um instante
depois, Renata entrava no gabinete onde, presa de mortal ansiedade, "Flor
de Amor" esperava. O doutor Démon a seguia.
- Maria
"Flor de Amor", minha filha!... Até que enfim! É você mesma? Meu
tesouro, minha querida! - exclamou Renata com fingida ternura.
"Flor de
Amor" ficou de pé. Seu coração parecia querer estourar, no peito. Sentiu
gelar o sangue nas veias... Recuou, como para impedir que aquela mulher se
aproximasse e a tocasse, depois disse, lentamente:
- A senhora não é minha mãe.
A marquesa empalideceu, desconcertada.
- Que está dizendo?! Maria, não me
reconhece mais!
- Não, a
senhora não é minha mãe. Meu coração me diz que a senhora é uma fingida. A
senhora deve ser a odiosa e cruel inimiga de minha pobre mãe!
- Que disparate
está dizendo! - Você está louca! - interveio Démon, com energia.
- Não, não me
fará acreditar... Que não é verdade! Não dirá de mim que sou louca, como disse
de minha mãe...
Precipitou-se para a porta, gritando:
- Mamãe, mamãe!... Estou aqui... Sou a sua filha!... Vim buscá-la!
Renata rangia os dentes.
- Víbora maldita, hei de esmagá-la como
esmaguei sua mãe!... - esbravejou.
Démon agarrou a
jovem pelos braços, enquanto a horrenda e gorda Viviana, ainda mais repugnante
com o correr dos anos, aparecia na porta.
- Esta coitada
teve uma crise de nervos - disse o doutor Démon, pondo nas garras da megera a
infeliz jovem, que se debatia gemendo e chamando por Luís Paulo - temos de
aplicar-lhe imediatamente uma injeção calmante.
- Tebasol, doutor?
- Uma boa dose de morfina será melhor.
Não houve mais
necessidade de lutar. Maria "Flor de Amor", extenuada, desmaiou. Enquanto
isto, Démon havia agarrado a bolsa que, a pequena deixara cair e, dela tirou
uma carteirinha e a abriu, revistando seu conteúdo.
- É o que eu
imaginava - disse. - Aqui estão os documentos provando que ela é filha de Marta
Aubert.
A marquesa Renata os apanhou.
- Essa pequena
escolheu sua sorte, doutor Démon. Ela não me quer para mãe, pior para ela! Este
documento servirá para a minha secreta filha Denise. Ela se fará passar por
filha de Marta Aubert, será condessa e milionária, terá tudo o que eu não lhe
pude dar e que agora perdi. Esta será a minha vingança!
Luís Paulo
esperou longas horas junto do portão. Quando a noite desceu, preso de mortal
ansiedade, ele compreendeu que algo grave deveria ter acontecido com a jovem
"Flor de Amor". Que fazer? Entrar na clínica e perguntar por ela,
como um simples visitante, talvez não adiantasse nada... Haveria sempre um muro
de ferro entre ele e a verdade. Avisar a polícia, talvez fosse pôr em perigo
àquela gentil criatura que lhe tinha inspirado intenso amor à primeira vista.
Era preciso espionar, penetrar naquela casa sinistra de loucos, de modo a não provocar
suspeita... E uma súbita ideia amadureceu no cérebro de Luís Paulo de
Rastignac. Saltou para o cavalo e voou para casa. O pai o acolheu um pouco
asperamente, devido ao seu atraso, mas logo Luís Paulo o pôs a par do sucedido.
O velho barão de Rastignac não o julgou estúpido, nem tolo pelo que pretendia
fazer, aprovou sua coragem e sua dedicação a uma jovem criatura indefesa. O
projeto do filho era quase absurdo, mas ele não insistiu para que não o pusesse
em prática. Havia anos que conhecia Démon como sendo um médico implicado em mil
estórias escusas. Se ninguém havia conseguido desmascará-lo, ele e seu filho, o bonitão e galhardo oficial Luís Paulo, o
conseguiriam. Uma hora depois, o barão Ernesto de Rastignac tocava a campainha
do portão da clínica. O doutor Démon conhecia bem o velho fidalgo e se apressou
em recebê-lo. O barão quis falar a sós com o médico dos loucos. Disse que havia
notado em seu filho muitas estranhezas, uma
melancolia que se ia agravando cada vez mais e um conjunto de anomalias que o
preocupavam.
- Poderia
mantê-lo em observação por algum tempo... Quem sabe uns oito dias... Para
estudar devidamente o seu caso. Sei que o senhor é muito bom médico... Deixo-o em suas mãos, doutor. O rapaz aceitou vir comigo, mas
não percebe a gravidade do seu estado. Não o assuste, por favor.
Tirou do bolso
o talão de cheques e escreveu uma bela soma. O doutor
Démon fez um costumeiro gesto nervoso, quase um tique, que não podia evitar
quando via dinheiro, a sua sórdida paixão.
- Fique
sossegado, barão - afirmou solícito. - Seu filho está em boas mãos. Logo que
seja feito o diagnóstico, eu prescreverei o melhor tratamento para restabelecer
o equilíbrio de seu sistema nervoso.
Meia hora
depois, Luís Paulo era fechado num compartimento que parecia uma cela. Mas não
estava receoso. Pensava com intensidade na linda Maria "Flor de
Amor". "Meu bem, não tenha medo, eu estou aqui, perto de você. Não a
abandonarei mais..."
Paulo, que drama! Pobre Flor de Amor, ingênua como a mãe, como vai sofrer! Luis Paulo, irá conseguir ajudá-la? E que pessoas do mal esse Dr, Démon, Renata e Viviana! Que história!
ResponderExcluirOi Maria do Sul, você é a minha alavancadora de questões que chamam o leitor para os próximos capítulios.Teremos muitas emoções pela frente.
ExcluirSó quero frisar que não sou eu o autor do folhetim, apenas o digitalisei e o atualizei e estou repassando para vocês.
Paulo, a história está eletrizante. Muito bom!
ResponderExcluirMuito bom, Paulo! Essa Henriette de Tremiére, a autora, é danada! Que criatividade! Muito curioso pra ver o que vai acontecer!
ResponderExcluir