sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 5 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA


O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena


Fascículo

II





Rev. G.H. 1343
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
maio 1973



O INFERNO DE UM ANJO


Capítulo V
A DOR DE VENDER UMA LEMBRANÇA QUERIDA


No mesmo dia em que acontecera tudo o que acabamos de narrar no capítulo anterior, uma bela jovem saiu da loja de um ourives, contendo com dificuldade as lágrimas que estavam por escapar de seus olhos.
Avançou pela calçada com passos incertos de sonâmbula, ao tempo que murmurava para si: "A última lembrança que conservava de meus queridos pais, tive de trocá-las por dinheiro. Aquela linda pulseira de ouro foi-me presenteada por eles no dia em que completei quinze anos!" Pareceu tomada de vertigem. Vacilou, fechou os olhos. Sentiu que estava para desfalecer ali, no meio da rua. Mas um braço forte a amparou.
- Senhorita - perguntou uma voz suavemente varonil - sente-se mal? Posso ser-lhe útil em alguma coisa?
A pobrezinha se reanimou e enxugou os olhos.
- Obrigada, senhor, pela gentileza... Mas ninguém pode fazer nada por mim... Ninguém...
O senhor elegante sustentou solícito a jovem, que parecia estar devorada pela máxima amargura e o mais cruel pessimismo.
- Acalme-se, por favor - disse ele - e, sobretudo, não perca a esperança em dias melhores, nem a confiança em si mesma. Ainda é muito jovem e bonita para chegar a este ponto.
O desconhecido levantou os olhos e lançou um olhar à loja de onde ela havia saído. No centro da vitrina se destacava um cartaz com os dizeres: "COMPRO OURO, PRATA, PEDRAS PRECIOSAS".
- Senhorita - prosseguiu - perdoe se sou indiscreto. Pelo lugar de onde saiu, deduzo que se encontra em dificuldade... Financeira, não se ofenda, mas... Se eu puder ajudá-la...
Interrompeu-se, incerto sobre se devia continuar ou não. Mas a jovem o precedeu e olhando para ele, disse:
- O senhor é muito bom... E eu não sei como lhe agradecer. Mas não preciso de nada, pode crer, tive uma ligeira vertigem, apenas, mas já estou bem, agora posso andar, obrigada, muito obrigada...
Fez menção de afastar-se, mas ele a reteve, segurando-a pelo braço e disse:
- Compreendo seu escrúpulo em não querer aceitar ajuda de um desconhecido. Permita ao menos que me apresente: sou o conde Fernando Chanteloup, e a senhorita, como se chama?
- Flora, Flora Sardon.
- Sardon? - repetiu o conde, franzindo a testa. - Este nome não me é desconhecido...
- Meu pai era advogado, morreu num naufrágio...
- Sim, agora me lembro! Guilherme Sardon, o famoso criminalista! Eu o conheci por ocasião de um ruidoso processo! Lembro-me também de como foi o naufrágio. Fiquei até muito pesaroso!
O conde Fernando relanceou um olhar às roupas da jovem, muito simples e sem a mínima pretensão de elegância.
- Mas não compreendo como se encontra agora nestas condições, senhorita Flora. Segundo me consta, seu pai era rico!
Os belos olhos de Flora novamente se velaram de lágrimas.
- De fato, mas depois que ele morreu, minha mãe, mal aconselhada por um administrador desleal, perdeu quase toda a herança em especulações. Depois, ela foi atacada por uma doença tropical quase desconhecida e incurável. Os médicos fizeram tudo para salvá-la, aplicaram-lhe tratamentos longos, caríssimos... Mas foi tudo inútil. Ela morreu e eu fiquei sozinha, muito pobre e obrigada a trabalhar para viver.
- E agora, está desempregada? - indagou o conde Fernando.
Flora corou um pouco, hesitando em responder. Depois, conquistada pela confiança que o fidalgo lhe inspirava, falou assim:
- Eu conheço vários idiomas - e já estive trabalhando como correspondente num escritório de importação e exportação, depois dei aulas de piano numa escola e, afinal, na falta de outra coisa, aceitei um lugar de balconista numa loja... Tenho procurado cumprir sempre escrupulosamente as minhas obrigações para não merecer nenhuma censura, mas, infelizmente... - parou de falar, constrangida.
- Infelizmente - continuou Fernando Chanteloup por ela - tem a sorte, ou neste caso, a falta de sorte por ser bonita e atraente, por isto os seus chefes a... Perturbam, não é? Sim, sim, não é preciso dizer, já entendi. Por infelicidade, o mundo está cheio de cafajestes e, por culpa deles, muitas moças direitas, que têm de lutar pela vida são forçadas a passar fome, ou coisa pior! Ouça, senhorita, já lhe disse que conheci e estimei seu pai, portanto sinto-me no dever de ajudá-la. Diga-me francamente o que posso fazer. Se não me engano, foi vender alguma joia nesse ourives, não?
- Sim, fui... - murmurou Flora. - Conservava como uma relíquia uma pulseira de ouro, que meus pais me deram como presente quando completei quinze anos... Não queria vendê-la, mas na pensão onde estou morando não me restituirão a mala com meus pertences, enquanto eu não pagar o aluguel... Que podia fazer? Quando penso que minha mãe sempre me dizia que eu nunca me separasse daquela pulseira, porque ela me daria sorte...
A infortunada jovem recomeçou a chorar. O conde Fernando, compadecido, passou-lhe um braço em volta dos ombros e a guiou para a joalheria.
- Seria um crime, a filha do doutor Sardon, ser obrigada a separar-se dessa lembrança tão querida! Espero que me permita comprar sua pulseira e oferecê-la à senhorita...
- Oh, não, não! Absolutamente, não posso! - esquivou-se a moça. - O senhor mal sabe quem eu sou... Podia até estar a enganá-lo!
- Estou certo de que não me engana. Basta observar seu rosto para saber que é sincera. Vamos, filha! Permita-me prestar-lhe esta pequena ajuda, em memória de seu pai!
E, sem esperar que ela respondesse, o conde a convidou a segui-lo, impelindo-a delicadamente até o interior da loja. Foram obrigados, porém, a esperar um pouco, porque o ourives examinava meticulosamente um anel de ouro decorado com brilhantes, que uma velha pobremente vestida lhe entregara.
- Quanto quer pelo anel? - perguntou o joalheiro, quando acabou o demorado exame, lançando um olhar desdenhoso à velha. - Diga logo, porque há clientes esperando!
A mulher, depois de breve hesitação disse uma quantia bem mesquinha em comparação com o que devia ser o valor real do anel.
O dono da loja, desconfiado e quase incrédulo, porque esperava um pedido muito maior, tornou a examinar a joia, temendo, talvez, ter-se enganado sobre a sua autenticidade. Depois que toda a dúvida se dissipou, perguntou com ar austero:
- Este anel é realmente seu? Posso saber de quem a senhora recebeu este anel?
- Mas que pergunta! - disse a velha senhora, irritada. - Ele é meu! Eu o tenho há muito tempo! 


- É possível... Posso ver seus documentos? A lei me obriga tomar nota da identidade dos meus fregueses para justificar a proveniência do que compro!
Resmungando, a mulher puxou de uma bolsa esfarrapada e estendeu um cartão ainda mais estragado ao joalheiro que depois de tê-lo examinado, apoiou-se no balcão e perguntou, enquanto o conde e Flora observavam a cena:
- Se o anel é realmente seu e se a senhora se chama Sinforosa, quer explicar por que, no interior dele, está gravado: "De Fernando à sua adorada Marta?"
Um grito sufocado escutou-se em seguida. Fernando Chanteloup, muito pálido, com os olhos cintilantes, em meio ao assombro dos presentes, arrancou o anel das mãos do negociante e o pôs diante dos olhos, balbuciando:
- Meu Deus!... Será possível?... O anel que eu dei a Marta como promessa de meu eterno amor!
O joalheiro, aborrecido e um pouco assustado com a repentina intromissão, protestou:
- Senhor! Que é isto? Devolva-me a joia! Na minha loja, só eu posso comprar!
Nesse momento, a velha, aproveitando-se da confusão, dirigiu-se rápida para a porta e tentou abri-la. Mas, com a rapidez do relâmpago, o conde Fernando a alcançou e pegando-a pelo braço, exigiu dela:
- Quem lhe entregou este anel?... Responda!... Senão chamo a polícia!
Aterrorizada, a mulher ficou sem força para pronunciar nem uma palavra e o fidalgo apertava cada vez mais seu braço, enquanto continuava a exigir dela:
- Fale minha senhora! Onde arranjou este anel? Fale, se não quiser ser acusada de ladra.
E talvez a coisa acabasse mal se Flora Sardon não interviesse, exclamando, sem todavia levantar a voz:
- Conde Fernando, por favor, deixe-a...
Só então ele pareceu acalmar-se e dominar sua cólera. Largando a velha, que se apoiou na parede, meio desfalecida. E Fernando murmurou, passando a mão na testa:
- Desculpe, senhorita. Mas se soubesse o que esse anel significa para mim... Essa joia foi minha e eu a dei de presente, há muitos anos atrás, a uma pessoa... Que me era muito cara e desapareceu, sem que eu tenha conseguido voltar a saber dela.
Fernando se interrompeu novamente e, encarando a velha, que começava a recuperar-se, insistiu mais calmo:
- Por favor, diga-me como este anel veio parar em suas mãos. Olhe, estou disposto a lhe dar a quantia que quiser, em troca da informação. Mas cuidado, porque exijo a verdade!
- Vamos, responda - interveio Flora, com sua voz persuasiva. - Ninguém a prejudicará, pode crer. Pelo contrário, este senhor a recompensará.
Também o joalheiro, apesar de nada alegre com o que estava acontecendo, pois via desvanecer-se a possibilidade de realizar um bom negócio, considerou oportuno pôr-se do lado daquele cavalheiro, com receio de que lhe acontecesse alguma coisa desagradável.
- Ande, fale! - ordenou à velha. - Não ouviu o que esse senhor disse? Ele quer saber apenas de onde veio o anel e promete que lhe dará dinheiro em troca!
- Eu juro que não roubei... Juro! - choramingou finalmente a velha, olhando em volta de si, como se temesse já ver chegar os policiais. - Eu... Eu o achei, pronto! Qual é o mal?
- E onde o achou? - perguntou Fernando, tentando controlar sua emoção.
- Na casa de saúde aonde vou todas as semanas ajudar a fazer a faxina. Todos me conhecem lá e poderão dizer que não sou uma ladra! Eu achei o anel e fiquei com ele!
- Que tipo de casa de saúde é? .
- É a clínica do doutor Démon, onde são tratados os doentes mentais... Os loucos, afinal de contas. O dono é o famoso doutor Judas Démon. Já deve ter ouvido falar nele...
- Sim, sim - admitiu o conde, pensativo. Depois, puxou a carteira, tirou dela umas notas, estendeu-as à velha ainda toda trêmula, acrescentando: - Aqui está a gorjeta. Mas quero saber ainda uma coisa: em que lugar da casa de saúde encontrou o anel?
A velha Sinforosa hesitou, contando, satisfeita o seu dinheiro, depois continuou, parecendo mais loquaz:
- Como lhe disse, eu vou só uma vez por semana a essa clínica, ajudar a fazer a faxina. Claro que não é um serviço agradável, pelo contrário! Mas, que hei de fazer? Sou pobre... Tenho de entrar nos quartos e nas celas... E ontem, justamente, numa daquelas celas é que vi brilhando no chão o anel, e então o apanhei! Não vejo mal nisto... Qualquer pessoa, no meu lugar, faria o mesmo!
- A senhora tem razão - concordou Fernando, sarcástico, compreendendo que a infeliz fazia uma ideia bastante vaga do que é a honestidade. - E depois? Que fez a senhora?
- Nada! De quem podia ser o anel, se não da louca que estava na cela? - A velha sorriu com cinismo. - Mesmo que ela viesse a reclamar, o que iria fazer com ele? E depois, aquela coitada eu conheço... É completamente desequilibrada! Deve ter sido linda, em outros tempos, mas agora está bem estragada... Chama-se Marta.
Com grande espanto da velha, o conde crispou as mãos, cravando as unhas na carne e perguntou:
- A senhora disse Marta? E encontrou o anel na cela dela? Deus, Deus Santo!... Então ela não morreu como a infame Renata me fez crer! Marta está viva e reclusa no manicômio do doutor Démon! Sabe-se lá quanto tem padecido, todos estes anos... E tudo por minha culpa, pelo meu maldito ciúme!
O desespero do fidalgo era tão evidente que Flora, embora não entendesse bem o que estava acontecendo, lhe pôs a mão no braço e disse gentilmente:
- Por favor, conde, - disse Flora, - não se deixe subjugar pelo desespero! Acho que o senhor ainda poderá tirar dessa horrível situação a pessoa que lhe é tão querida.       


_ Luís Paulo conseguirá libertar Maria “Flor de Amor” da “Clínica” de Démon?
_ Até onde irá a cumplicidade que há entre o Dr. Démon e a marquesa Renata?
_ O conde Fernando conseguirá reencontrar a sua amada?




7 comentários:

  1. Paulo, que legal esse capítulo! Finalmente o conde tem uma pista do paradeiro de Marta, mas será que a infeliz sofredora já não enlouqueceu de verdade, depois de tanto tempo presa nesse verdadeiro inferno? E Flora, quem será? Estou ansiosa aguardando a continuação desse drama. Muito bom!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Flora é gente boa, nem se preocupe.
      Valeu Maria, comenta com as meninas que o folhetim está bombamdo!!!

      Excluir
  2. Uma palavra para descrever esse capítulo: ELETRIZANTE. Faz jus ao nome "folhetim". Muito interessante, Paulo!

    ResponderExcluir
  3. Finalmente, depois de tantos anos de sofrimento, Fernando descobriu que Marta vive na Casa de Saúde. Cada capítulo cheio de reviravoltas. Muito bom! Vamos ver o que vem por aí!
    Valeu, Paulo!

    ResponderExcluir
  4. Obrigado Antônio. Espera que vem muita coisa ainda.
    Recomenda este folhetim para quem gosta de coisas antigas... Um grande abraço.

    ResponderExcluir
  5. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir