O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Fascículo
III
Rev. G.H. 1343
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
maio 1973
O INFERNO DE UM ANJO
Aquelas
afetuosas palavras tiveram o poder de devolver o controle de seus nervos ao
conde que, apertando a mão da jovem, respondeu afetuosamente:
-
Obrigado, obrigado, minha amiga. Talvez tenha razão. Quem sabe ainda está em
tempo de que eu possa pôr um termo às penas e amarguras de minha inesquecível
Marta.
E
voltando-se novamente para a velha, perguntou:
-
Disse, então, que achou este anel ontem, numa cela da clínica Démon, não é
verdade? - indagou Fernando.
-
Sim, isto mesmo... - respondeu Sinforosa.
-
E está bem certa de que a tal cela está ocupada por uma senhora que se chama
Marta?
-
Certíssima, senhor! Eu a vejo todas as semanas e já a conheço há muito tempo!
-
Agradeço as informações - disse o conde, dando ainda mais dinheiro àquela
mulher.
A
velha, não podendo ocultar seu contentamento por ganhar em tão pouco tempo um
bom punhado de notas, feliz por ter-se safado tão bem, já que tinha sido
apanhada vendendo uma joia que não era sua, apressou-se a sair, depois de
saudar a todos os presentes.
Então
Fernando, que havia guardado o anel no bolso, voltou-se para o joalheiro e
disse:
-
Eu desejo tornar a comprar a pulseira que esta moça lhe vendeu há pouco. Quanto
lhe devo? Faça a conta, por favor, tenho muita pressa.
Quando
recuperou a pulseira, o conde Fernando saiu da loja, seguido de Flora, que não
cessava de agradecer a sua generosidade.
Na
rua, o fidalgo, parecendo muito nervoso e exaltado, despediu-se da jovem,
dizendo:
-
Perdão por ter de deixá-la tão depressa, mas fique certa de uma coisa: tenho
motivos muito graves, dos quais depende a felicidade de toda a minha vida.
Dê-me o seu endereço, por favor, será para mim uma grande alegria, se puder
fazer alguma coisa pela filha do doutor Sardon!
Ainda
estava um pouco assustada, quase incrédula pelo que lhe estava acontecendo.
Passado um instante, Flora Sardon se viu sozinha na calçada, enquanto o conde
com passos rápidos se distanciava dela.
-
Oh, minha inesquecível Marta, mulher da minha vida... Até que enfim torno a
encontrá-la! Minha conduta para com você é imperdoável... Mas prometo que de
hoje em diante tudo há de mudar!...Eu vou viver só para você! Deus se apiedará
de nós dois e você recuperará a saúde mental, minha querida!... Será tratada
pelos maiores médicos do mundo... Marta, meu único amor... Você ainda se lembrará
de mim?... A loucura não lhe terá tirado ou alterado a memória? Minha imagem
não terá se apagado no seu coração?
Capítulo VI
O TÚMULO DOS VIVOS
O
doutor Judas Démon, fechado em seu gabinete, refletia sobre o que a marquesa
Renata lhe havia relatado, quando uma enfermeira lhe anunciou a visita de um
senhor que desejava dizer somente a ele o próprio nome.
O
médico dos loucos, habituado a certas estranhezas dos seus clientes, não se
espantou por aquilo e, vestindo o avental branco que havia tirado, sentou-se atrás
da escrivaninha coberta de fichas clínicas, ordenando que o desconhecido fosse
introduzido. Um instante depois, a porta se abria e, no seu vão, aparecia o
conde Fernando, que Démon conhecia de vista. O médico estremeceu e só mediante
uma grande força de vontade conseguiu impor-se a calma e dizer com voz
tranquila, como convinha a um homem que exercia a sua profissão:
-
Esteja à vontade, por favor. Em que lhe posso ser útil?
-
Eu sou o conde Fernando Chanteloup e desejo saber notícias de uma paciente que,
segundo soube, encontra-se internada em sua clínica.
-
Perdão, mas não sei a quem se refere - disse traiçoeiramente o psiquiatra, convidando
o visitante a sentar-se.
-
Que eu saiba, entre os meus pacientes não há pessoas que mereçam o interesse de
alguém tão importante quanto o senhor.
-
A pessoa da qual falo, chama-se Marta... Marta Aubert - disse com voz pouco
firme o conde, não conseguindo disfarçar completamente a sua emoção, mas
olhando fixamente para o médico.
No
rosto de Démon, no entanto, não apareceu o mínimo sinal de surpresa. Só quem o
conhecesse muito bem conseguiria perceber em seu olhar um brilho quase
diabólico.
-
Marta Aubert? - exclamou logo em seguida Démon, fingindo-se muito admirado. -
Que estranho! Nunca imaginei que o que essa doente se obstinava a contar fosse
verdade! Ela dizia que o senhor conde havia estado loucamente enamorado dela,
mas que depois a abandonara por outra! O senhor compreende... Pensei que se
tratasse de uma idéia fixa, própria da esquizofrenia que ela padece, afinal de
contas...
Fernando
baixou a cabeça e afirmou:
-
Infelizmente, Marta disse a verdade.
-
Sinto muito, sinto sinceramente, conde! Por outro lado, não era esta a sua
única idéia fixa... Muito me esforcei para devolver-lhe a saúde mental, mas,
infelizmente, até agora não o consegui.
No
rosto do conde, ainda muito bonito, apesar de sulcado por prematuras rugas,
refletia-se a dor atroz que seu coração sofria.
Como
Fernando permanecera mudo, Démon se levantou de trás da escrivaninha e,
aproximando-se dele, acrescentou:
-
Garanto-lhe que fiz tudo o que dependia de mim, mas, às vezes, a ciência tem de
confessar-se impotente, diante do progresso inexorável de um mal. A loucura que
Marta Aubert padece, revela-se incurável!
-
Não, não! - exclamou Fernando, cerrando os punhos até fazer as unhas penetrarem
na carne. - É demais... Horrível demais...
Mas
o maléfico doutor, mal disfarçando um sorriso satânico diante da dilacerante
dor do homem apaixonado, repetiu, fingindo um desolado ar circunstancial:
-
Não tenha dúvidas. O cérebro de Marta Aubert está irremediavelmente
transtornado.
Fernando
escondeu a cabeça entre as mãos, aniquilado. Passado um pouco, procurando
reagir como homem ao esmorecimento que o assaltara, perguntou:
-
Como foi que o senhor internou Marta em sua clínica?
O
doutor Démon o olhou fixamente por um instante, de trás das grossas lentes que
lhe cobriam os olhos, depois disse, com ar profissional:
-
Por favor, prezado conde, eu lhe aconselharia a não se atormentar, escutando a
narração de tristes pormenores. Mas, se desejar, poderá entrevistar-se com essa
doente.
-
Oh, sim! Não desejo outra coisa - apressou-se a dizer Fernando.
-
Então, faça a gentileza de aguardar alguns minutos aqui, no meu gabinete,
enquanto vou tomar as necessárias disposições.
E
sem esperar resposta, Démon saiu do gabinete, entrando na sala ao lado, mas não
desprezando a precaução de fechar cuidadosamente a porta atrás de si.
Sentada
numa ampla poltrona, com as belas pernas cruzadas, fumando nervosamente um
cigarro, esperava uma elegantíssima senhora.
-
Marquesa Renata - disse em voz baixa o doutor - já está de volta?
-
Não está vendo? - respondeu grosseiramente a interpelada. - Ei, que há doutor?
Hoje está mais pálido e preocupado do que de costume, hem?
-
Acha, não é? - riu sarcástico o satânico indivíduo. - Minha bela senhora, se
soubesse o que eu sei, não ficaria nada tranquila.
-
Deixe os seus tons misteriosos para os seus clientes desequilibrados! -
retorquiu com aspereza a marquesa. - Que está acontecendo hoje, neste maldito
manicômio?
Démon
lançou uma olhadela para trás de si, depois, pondo um dedo nos lábios, disse,
num sopro:
-
Não grite! Do outro lado, no meu gabinete, está... Seu marido, Fernando
Chanteloup!
O
rosto de Renata contraiu-se numa expressão de total espanto. Depois ela se pôs
de pé, olhou em volta de si, desorientada, e em seguida dirigiu-se correndo
para uma porta que se abria do lado oposto àquela pela qual havia entrado o
perverso proprietário do sanatório. Mas o doutor Démon com dois passos a
alcançou e comprimindo-lhe a boca com a mão, sussurrou:
-
Mulher estúpida! Pare! Que pensa que vai fazer? Quer estragar tudo?!
Com
um gesto brusco, a marquesa se livrou dele e, com os olhos fora das órbitas
pelo medo, esbravejou:
-
Não seja louco! O senhor é pior do que aqueles que pretende curar... Será que
não percebe, então? Por que pensa que meu marido veio até aqui? Deve ter sabido
de tudo! E vai querer a filha!... E se me encontra, não hesitará em matar-me!
Vai matar o senhor também! O senhor não conhece Fernando! Vai ficar uma fera!
Que fazemos, agora?...
-
Não fazemos nada - respondeu o médico infernal - porque o conde não sabe de
nada... Fique tranquila, marquesa. Ele não imagina o que foi feito da filha.
Por enquanto, está procurando apenas por Marta.
-
Marta?!... Como pôde saber que ela estava aqui? Eu lhe havia dito que ela
morreu!
-
É a única coisa que não sei - resmungou o doutor. - De todo modo, não temos
nada a temer. Pobre conde! Dá-me a impressão de uma mosca se atirando sozinha
numa teia de aranha!
A
marquesa, subjugada, quase hipnotizada pela força maléfica que se irradiava do
maldito Démon, murmurou, incerta:
-
E agora? Que pretende fazer?
-
Entregarei Marta a ele, naturalmente. Ele sabe que ela está aqui, repito, e não
me posso opor ao que deseja de modo algum. O homem é capaz de envolver a
polícia nisto!
-
E se Marta falar?
O
médico dos loucos sufocou uma risada cruel, satânica.
-
Ah, ah, ah! Depois dos tratamentos de choque que empreguei com ela? Não
subestime a minha capacidade profissional! O cérebro dela está aniquilado! Ela
não entende mais nada, não sabe explicar mais nada! É uma morta-viva!
A
marquesa Renata, apesar de toda a sua maldade e perfídia, não pôde deixar de
estremecer. Mas logo se recobrou e perguntou um pouco mais tranquila:
-
Tem certeza, então, de que não pode acontecer nada de desagradável? Se Fernando
soubesse que fui eu que forjei toda essa intriga...
Démon
riu escarninho, satisfeito, regozijando-se com sua própria façanha. .
-
Eu disse que ele não saberá de nada! Por outro lado, - ajuntou - nem todo mal
vem para prejudicar. O conde Fernando, se quiser de volta a amada, terá de
pagar a conta bastante "salgada" de vários anos de internamento na
minha clínica... Eu estava mesmo precisando de uns milhões! E a senhora também,
não é verdade?
-
Isto é certo! - admitiu a marquesa. - O patife me deixou sem nada! Mas ele se
arrependerá... E se arrependerá amargamente!
-
A senhora o odeia, não? - perguntou Démon sorrindo, como se o ódio, para ele,
fosse um sentimento indispensável à natureza humana.
A
marquesa crispou os dedos de unhas escarlates, como se quisesse dilacerar uma
presa invisível.
-
Se eu o odeio? Hei de fazê-lo derramar lágrimas de sangue ao me vingar dele!
Quero vê-lo agonizante aos meus pés, para ter o gosto de rir na cara dele!...
Idiota, estúpido puritano! Enxotar-me como se eu fosse a última das mulheres,
só porque me surpreendeu com outro!... Vá, doutor Démon, vá! Vou abrir uma
fresta da porta para olhar. Quero gozar o desespero dele... Quero rir da dor
que lhe dilacerará a alma! Vamos, vá logo! Mostre-lhe a sua bela Marta! Estou
aflita para observar a cara dele, quando a vir!
Sozinho
no gabinete do doutor Démon, Fernando sentia o coração saltar-lhe no peito, de
impaciência e excitação. No profundo silêncio daquela clínica, túmulo de vivos
para tanta gente infeliz, a maior parte da qual nem imaginava estar entregue
aos cuidados de um verdadeiro carrasco, em vez de um médico como os outros, o
conde escutava a voz acusadora da sua consciência.
Na
ignorância de grande parte das perversas ações cometidas por aquela que durante
tantos anos havia sido sua esposa, responsabilizava-se pelas desgraças que
haviam atingido a desventurada e inocente Marta. Como teria transcorrido
diversamente a sua existência, se tivesse acreditado no que ela havia dito, em
vez de deixar-se enganar pela astúcia da pérfida Renata!
Estava
ainda mergulhado nesses tristes pensamentos, quando a porta se abriu e entrou o
doutor Démon, ostentando no rosto hipócrita uma máscara de cortesia.
-
Desculpe se o fiz esperar, conde - disse, sentando-se novamente atrás da
escrivaninha. - Marta Aubert, neste momento, está na enfermaria, tomando uma
injeção que corresponde a um tratamento que eu lhe prescrevi, tentando mais uma
vez fazê-la recuperar o uso da razão. Enquanto esperamos, se não tiver nada a
opor, posso contar-lhe como foi que ela chegou à minha clínica, se o deseja
saber...
-
Sim, doutor, faça-me o favor! - respondeu logo Fernando. - Embora eu saiba,
antecipadamente, que para mim a sua estória será uma verdadeira tortura...
"A
marquesa Renata! terá com isto o maior dos prazeres", pensou Démon,
satisfeito, "e eu, por meu lado, farei tudo para aguçar os padecimentos
deste austero fidalgo!"
-
Procurarei ser o mais breve possível - afirmou Démon. - A coisa foi assim,
conde: vamos remontar há uns dezessete anos atrás. Naquele dia, depois de ter
participado de uma conferência médica, na cidade, eu ia voltando para a
clínica, na minha carruagem, quando, passando pela ponte, avistei uma mulher
querendo saltar do seu parapeito. Naturalmente, mandei o cocheiro parar, mas
não tive tempo de abrir a porta do carro, porque a mulher quando me viu deu um
salto e se deixou cair nas águas profundas e na corrente traiçoeira do rio,
imediatamente saltei do carro e avancei correndo pela margem, com a intenção de
socorrer a infeliz. Jogar-me na água, naquelas condições, seria loucura,
porque, dado o ímpeto da correnteza, também eu seria logo envolvido. Enquanto
isto, o corpo da mulher aparecia e desaparecia, com intervalos cada vez
maiores...
Interrompeu-se
por um instante e olhou o conde Fernando por baixo das lentes para ver que
impressão lhe fazia o seu dramático relato. O rosto muito pálido do outro e o
tremor evidente de suas mãos, o tranquilizaram inteiramente a respeito da sua
capacidade de dilacerar um coração já a sangrar, com uma estória inventada na
ocasião. Prosseguiu:
-
Felizmente, quando eu já perdia as esperanças de poder fazer alguma coisa pela
criatura que se afogava, avistei uma canoa retida na margem e, ajudado pelo meu
cocheiro, empurrei-a para a água. Começamos a remar vigorosamente, fazendo o
possível para que a canoa não virasse. Enquanto isto, havia descido a noite e
uma forte chuva começava a cair, diminuindo muito a visibilidade. Apesar de
tudo, não perdemos a coragem, sustentados como estávamos pela vontade de salvar
a infeliz e, depois de inauditos esforços, conseguimos chegar junto dela. Sem
perder um segundo, eu me debrucei na beira da canoa e agarrei por um braço a
mulher que, levada pelo instinto de conservação, debatia-se ainda entre os
redemoinhos. Mas, percebendo que a ajudávamos, ela começou a gritar, com voz
estrangulada: "Deixem-me! Eu quero morrer! Deixem-me!" Naturalmente,
eu não lhe dei atenção e depois de ter-me arriscado várias vezes a cair também
na água, consegui puxá-la para dentro da canoa e deitá-la no fundo, meio
desfalecida. Apliquei logo a respiração artificial e fiz o que pude para que
ela expelisse a água que havia engolido. A coitada começou a gemer, após abrir
os olhos disse-me com acento patético: "Deixe-me morrer! Não quero que meu
filho nasça neste mundo horrível. Ele deve morrer comigo!"
Fernando
ouvia com os punhos espasmodicamente crispados, os olhos cheios de lágrimas,
enquanto um sorriso de cinismo pendia literalmente dos lábios do doutor Démon,
que se rejubilava com sua própria maldade.
-
Não fizemos caso daqueles protestos - continuou a contar o médico, fingindo não
notar o sofrimento do conde - e enquanto eu vigiava para que ela não tentasse
atirar-se novamente no rio, o meu enfermeiro levou a canoa para a margem.
Ajudado por ele, carreguei a mulher até a carruagem e a trouxe para a minha
clínica, onde lhe dei todos os cuidados clínicos necessários. Quando
finalmente, a vi calma dormindo, fiquei satisfeito comigo mesmo e com a boa
obra que havia feito. Julguei que no dia seguinte ela estivesse quase que
completamente recuperada, mas, infelizmente, quando a visitei, notei que ela
dava sinais evidentes de demência. De fato, poucas horas mais tarde, uma loucura
furiosa declarou-se nela e para evitar que espatifasse o crânio contra as
paredes, como por várias vezes tentou fazer, fomos obrigados a aplicar-lhe a
camisa de força... E amarrá-la ao leito.
-
Que horror! - exclamou Fernando, segurando a cabeça entre as mãos, desesperado.
- Uma camisa de força, aplicada a Marta, uma criatura tão meiga, tão delicada!
E tudo por culpa minha, por que, cego pelo ciúme, eu a abandonei!
-Tenha
calma, conde, por favor - exortou Démon, mal contendo um sorriso zombeteiro. -
Se eu soubesse que o drama dessa pobre criatura iria transtorná-lo tanto...
-
Tem razão, desculpe-me - murmurou Fernando, fazendo um tremendo esforço para se
dominar. - E depois, que aconteceu?
-
Tivemos de mantê-la sob cerrada vigilância, para que não tentasse novamente
matar-se. Enquanto isto, eu a fiz objeto de toda sorte de cuidados, valendo-me
das mais modernas descobertas da ciência, tentando fazê-la voltar à razão. Os
resultados foram nulos. De fato, ela sofre de uma loucura incurável!
Esporadicamente, ela atravessava fases de relativa lucidez e foi no decurso de
um período destes, que se tornaram cada vez mais raros, que eu vim a saber o
nome dela. Disse-me que havia amado um homem, nobre e riquíssimo, que em
seguida a abandonara sem preocupar-se com o filho que estava para nascer.
Fernando
havia escutado a última parte da narração com a cabeça baixa, para esconder ao
menos um pouco a dor que experimentava. Quando o doutor Démon acabou de falar, ele
disse, com voz quase imperceptível:
-
Sim... Fui um infame em deixá-la daquele modo... Mas juro, doutor, que se
abandonei Marta, foi apenas por causa da vil maquinação de uma outra mulher,
uma criatura perversa, com quem tive a desgraça de casar e que nunca a
amaldiçoarei o bastante!
-
Compreendo, conde - disse hipocritamente Démon - deve ser medonho sabermos que
somos responsáveis pela destruição da vida de quem amamos.
-
É verdade! Desde que compreendi ter cometido esse erro imperdoável, venho
sofrendo as penas do inferno! Mas agora não quero afligi-lo mais tempo, com a
descrição do meu estado de espírito, doutor. Saiba apenas que lhe serei
eternamente reconhecido pelo que fez por Marta. E diga-me, agora. A quanto
montam as despesas que teve com ela, durante todo este tempo? Não tenha receio,
eu sou rico e mesmo que tivesse de gastar até meu último centavo, não me
importaria mais agora. Daria de bom grado tudo o que possuo, para que a minha
querida Marta ficasse curada!
Démon
exultava e a chama da estupidez tornou a brilhar em seus olhos, quando viu
Fernando puxar o talão de cheques. Todavia, a princípio fingiu esquivar-se,
dizendo:
-
Não é preciso pagar-me, conde! Eu prestei meus cuidados a esta criatura e a
conservei na minha clínica somente pelo humano desejo de fazer o bem e por amor
à ciência! De modo nenhum eu pensei em ganhar dinheiro...
Fernando,
comovido, estendeu sua mão branca e aristocrática e, apertando a outra, gelada
e úmida, do médico dos loucos, insistiu:
-
Doutor, o senhor já fez até demais por essa infortunada, não posso permitir
que, depois de ter prodigalizado a sua ciência de psiquiatra vá sofrer um
prejuízo material, deixe que também eu faça alguma coisa por Marta. Permita
que, reembolsando-o dos seus gastos, eu possa atenuar um pouco o remorso que me
tortura a alma...
-
Bem, se assim o deseja... - apressou-se a concordar Démon.
E
disse uma quantia que assustaria qualquer um que fosse menos rico de que o
conde Fernando.
Mas
este, aturdido, nem lhe fez caso e se apressou a preencher o cheque, que o
doutor embolsou com evidente satisfação, enquanto o conde, completamente
ludibriado pela farsa que estava sendo representada, praticamente convencido de
ter diante de si um benfeitor da humanidade, e não um monstro de crueldade e
perfídia, pronunciava mais frases de agradecimento.
Assim,
acomodado convenientemente o lado financeiro do caso, Démon disse:
-
E agora, se estiver suficientemente calmo, posso chamar aqui Marta Aubert...
O
conde limpou com um lenço o suor gelado que lhe cobria a testa.
-
Sim - respondeu, com voz embargada - quero vê-la... Tenho de vê-la! Não se
preocupe comigo. A primeira emoção já passou, estou forte, agora.
O
médico fez soar uma campainha e à enfermeira, que não tardou em acudir, Démon
ordenou:
-
Traga a senhorita Marta Aubert ao meu gabinete.
Em
seguida, acrescentou, dirigindo-se a Fernando:
-
Prepare-se para assistir a um espetáculo bem doloroso, conde. O senhor conheceu
essa criatura quando ela estava no viço da juventude, no auge da beleza.
Infelizmente, não resta quase mais nada daquela de outrora. Agora, ela é como
um corpo sem alma, uma sombra, apenas daquela que foi.
Démon
endireitou o corpo magro e com o seu andar de raposa, aproximou-se da porta que
dava para o corredor. Ficou por um momento com a mão apoiada na maçaneta, como
que gozando por antecipação o prazer de mostrar o farrapo humano que, com sua
crueldade, havia sabido fazer de uma tão bela criatura.
Depois,
abriu a porta, exclamando:
-
E aqui está Marta Aubert!
Paulo, que drama! Esse Dr. Démon é realmente um demônio, cheio de maldade! Pobre Marta, que situação triste! E Fernando, como é ingênuo, acredita em tudo que lhe contam! Flor de Amor vai continuar lá, sofrendo como a mãe? Que mulheres sofredoras! É uma história eletrizante! Bjs.
ResponderExcluirBrigado Maria... é somente o começo.
ResponderExcluirUm grande abraço.
O Dr. Judas Démon faz jus ao nome, é mesmo um demônio traiçoeiro. É daqueles vilões clássicos que só tem um lado mau. Vamos ver o que mais ele e sua cúmplice vão aprontar... Muito bom, Paulo, uma história cheia de sobressaltos e reviravoltas como deve ser um folhetim. Obrigado pela dedicação ao enviar os capítulos. Parabéns pela iniciativa!
ResponderExcluiroi , meu nome é cecília, tenho 14 anos e gosto muito desse tipo de história. gostaria que você enviasse todos os capítulos completos para mim. se for pago, quanto custa? eu espero com ansiedade a sua resposta.
ResponderExcluirCecília, quem manda os capítulos desse folhetim para o nosso blog é o Paulo Sena. Ele pode te enviar os capítulos completos sim. Entre em contato com ele pelo email: sena682@hotmail.com. Obrigado pela visita e pelo comentário. José Eugênio (blog Biscoito, Café e Novela)
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