O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Penosamente, desceu
do leito e deu uns passos vacilantes em direção da porta, murmurando, com
excitação sempre crescente:
- Quero sair daqui.
Quero ir procurar a minha filha!... Sim, ela está precisando de mim. Ela me
chama! Eu a ouço!... Já vou, Maria "Flor de Amor", já vou!...
Foi tomada de
repentina crise de choro e, incapaz de sustentar-se em pé, recuou, deixando-se
cair novamente no leito, desatando a soluçar. Fernando, abalado e pesaroso,
achou melhor não insistir por aquele dia para não prejudicar a saúde da doente.
Embora seu coração lhe doesse, porque havia esperado que Marta reconhecesse a
filha ao primeiro olhar, chamou Flora e depois, puxando a falsa Maria para fora
do quarto disse, procurando mostrar-se desenvolto:
- Não fique
assustada, querida... A doença de sua mãe é horrível, eu sei... Infelizmente, já
estamos acostumados com estas crises... Vamos, não se atormente. Verá que com o
tempo e com paciência, conseguiremos curá-la.
- Oh, papai, tive
tanto medo! - respondeu a mocinha, dando evidentes sinais de querer sair o
quanto antes do pavilhão. - Pobre mamãe! Como deve sofrer!...
- Infelizmente, minha
filha. Agora venha comigo. Já teve emoções demais por hoje. A nossa tentativa
falhou, mas isto não quer dizer que devamos desistir de ter esperanças. Sua mãe
há de ficar boa. Agora quero levá-la aos aposentos que há muito tempo estão
prontos à sua espera. Você vai gostar... Eu mesmo os preparei.
- Obrigada, papai. Você é muito gentil.
O conde Fernando e a
mocinha atravessaram novamente as alamedas frondosas do parque e entraram no
palacete. Quando subiam a ampla escadaria que levava aos andares superiores,
Fernando perguntou, temendo que a filha tivesse sofrido um choque muito
violento em seu primeiro encontro com a mãe:
- "Flor de
Amor", minha filha, está contente de estar perto de mim?
- Ainda pergunta,
papai? Eu não via a hora de estar, definitivamente em minha casa!
Um sorriso amargo iluminou o rosto do
nobre.
- Se soubesse o que significa
você voltar para mim, "Flor de Amor"... A vida me reservou bem poucas
alegrias. Cometi um único erro e paguei por ele duramente... Até demais,
parece! Mas agora você veio, há de ser o meu consolo, não é verdade?
Ela acenou que sim,
distraidamente, com a cabeça, olhando em torno, curiosa.
- Veja - prosseguiu
Fernando, abrindo uma grande porta de carvalho trabalhado - Aqui começa o seu
apartamento. Gostou?
- É lindo, papai! A propósito... Queria
pedir-lhe um favor.
- Até mil, filha!
Quero dar-lhe de uma só vez tudo o que você não teve até hoje!
- Sabe, isto não lhe
custará nenhum sacrifício. Eu queria apenas que você, me chamasse Denise,
em vez de Maria "Flor de Amor".
Fernando parou
instantaneamente, perplexo. Tudo poderia esperar, menos aquilo!
- Querida - objetou,
ele - sua mãe gosta tanto deste nome...
E repete-o sempre, chamando por você. Para ela, chega a ser quase uma
prece...
- Eu sei, mas
Benedito, o bondoso preto velho que me criou, sempre me chamou assim, por ter
sido esse o nome de sua filha, que morreu ainda menina. E acho muito estranho
ser chamada por outro nome. Entende isto, pai?
Pela primeira vez,
desde que a falsa filha estava perto dele, o conde hesitou em dar-lhe uma resposta.
Não, não entendia como se podia preferir outro nome àquele que os pais tinham
se habituado a conhecer. Não entendia por que um nome tão bonito, que tantas
vezes ele ouvira nos lábios de Marta, enquanto esta delirava, deveria ser
trocado por outro por pura comodidade. Todavia, para não magoar a filha,
respondeu de má vontade, mas afagando-lhe os cabelos:
- Está bem...
Confesso que isto me dói muito, mas se você preferir assim, a partir deste
momento será a minha... Denise.
À medida que
continuavam a examinar os magníficos aposentos destinados a ela, a digna filha
da marquesa Renata, fútil e ambiciosa como a mãe, não cessava de soltar
exclamações de assombro e contentamento. Aquele luxo e aquele conforto aos
quais não estava habituada, já que a marquesa Renata sempre fizera dela um
ministério, mantendo-a num pensionato, desinteressando-se pelo seu modo de
viver, deixavam-na enormemente orgulhosa, despertando nela uma ânsia desmedida
de brilhar e mandar.
- Que maravilha! -
disse, finalmente, diante da magnificência de seu dormitório.
- De fato, é muito
bonito - concordou o conde Fernando, que se comprazia com a alegria daquela que
julgava ser sua filha. - Espero ter adivinhado seus gostos, quando mandei
decorar estes compartimentos.
- Claro que sim,
papai! Nunca sonhei que pudesse existir um apartamento assim! Sentir-me-ei uma
rainha! - Interrompeu-se, notando que o seu entusiasmo começava a tornar-se
exagerado. Olhando para o conde por baixo dos longos cílios, acrescentou com
hipocrisia: - Em todo caso... Eu renunciaria a tudo isto com prazer, se isto
pudesse fazer com que minha querida mamãe ficasse curada.
Sua dor era tão
perfeitamente simulada e seu tom tão aflito, que Fernando não pôde deixar de
abraçá-la outra vez, exclamando, com lágrimas nos olhos:
- Você é uma boa
menina, minha filha! Deus nos concederá a graça de curar sua mãe, sem ser
preciso o seu sacrifício. Olhe, agora tenho uma surpresa para você.
Fernando havia se
aproximado de um estojo de pau-rosa, pousado sobre uma mesinha de preciosa fabricação,
e o abriu. Denise ficou literalmente deslumbrada com o seu conteúdo: brincos,
broches, colares, pulseiras engastadas com brilhantes, esmeraldas e pérolas
surgiam diante de seus olhos ávidos.
- Esta não é senão a
mínima parte das nossas joias de família - desculpou-se o conde Fernando - e
espero que se contente com elas para enfeitar-se. As outras... Bem, agora não
quero entristecê-la, qualquer dia eu lhe direi onde foram parar.
- Estas já são
demais! - disse Denise, sabendo que o restante das jóias havia sido subtraído
por sua própria mãe, no dia em que fora expulsa do palácio. - Estou
sinceramente estupefata com a sua generosidade, papai!
- Minha filha - disse
Fernando - se lhe pudesse dar meu sangue, eu o faria com alegria, portanto, não
é preciso agradecer por tão pouco - olhou um momento em volta para ver se não
havia esquecido nada, depois acrescentou:
-E agora, vou
deixá-la sozinha, contra a minha vontade. Falta pouco para a hora do jantar e
você precisa preparar-se... Até mais tarde... Denise. Eu a espero lá embaixo, no
salão.
Depois que o conde
saiu, a filha de Renata não pôde conter uma risada. "Perfeito!",
disse para si mesma. "Mamãe me avisou de que não seria difícil, mas nunca
imaginei que fosse tão fácil enganar o conde Fernando! Pobre tolo..."
Aproximou-se da janela e, afastando a pesada cortina, deixou que os olhos
vagassem pelo jardim verdejante que se estendia lá embaixo. Uma ruga lhe sulcou
a testa.
- A propósito -
murmurou - já que tantas riquezas se encontram à minha inteira disposição, será
melhor garantir a posse delas, para evitar surpresas desagradáveis. Antes de
tudo, convém tentar afastar essa enfermeira de Marta Aubert. Aposto como essa
tal Flora, com sua gentileza e sua submissão de cãozinho fiel, será capaz de
pregar-me peças de mau gosto. A cara dela não me agradou nem um pouco quando eu
cheguei e tenho a impressão de que suspeitou de alguma coisa, não sei porque...
Claro que ela não é tão crédula quanto o conde!
Mostrando haver
herdado em tudo e por tudo o caráter da mãe, Denise, na sua insensibilidade,
tomava por estupidez a cegueira de Fernando, devido ao ímpeto do seu amor
paterno. De todo modo ela não se deteve pensando, segura como estava dos seus
recursos e da sua posição de absoluta superioridade que lhe conferia o título
de condessinha, que tão habilidosamente havia usurpado. Depois, a jovem deu uma
volta rápida pelo apartamento para ver se existia outra porta além daquela de
entrada, pela qual pudesse eventualmente entrar alguém e surpreendê-la.
Tranquilizada, ela abriu a vidraça que dava para uma das grandes sacadas e,
apoiando-se ao parapeito, ali se demorou um pouco, pensando: "Tomara que
minha mãe não se impaciente se eu demorar a sair para lhe dar o sinal de que
tudo correu bem..." Mas os temores dela eram infundados. A pérfida marquesa, postada no
fundo do parque, protegida por copadas moitas, já havia visto a filha, quando
esta chegara à sacada.
- Ótimo! - exclamou
sorrindo, satisfeita. - Eu sabia que Denise não me decepcionaria! É uma pequena
formidável, que sabe aproveitar os meus ensinamentos! Hoje, para Fernando, o
meu caro marido, é um mau dia. “Se ele pensa que se livrou de mim tão
facilmente, está redondamente enganado! Nem imagina o que o espera!”
A malvada desapareceu
na escuridão da noite.
Paulo que mocinha terrível essa, bem filha de Renata! Vai sobrar para a pobre Flora, aí vem mais maldade! E Fernando tão ingênuo, logo vai estar manipulado por Denise, coitado! Que drama! Bjs.
ResponderExcluirNão bastava uma vilã e agora temos outra. Essa Denise vai aprontar e pelo visto a pobre Mme. Sardon será sua vítima. Espero que ela se dê mal logo. Muito bom, Paulo!
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