domingo, 26 de agosto de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 7 - SEGUNDA PARTE - COLABORAÇÃO: PAULO SENA



O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL

Penosamente, desceu do leito e deu uns passos vacilantes em direção da porta, murmurando, com excitação sempre crescente:
- Quero sair daqui. Quero ir procurar a minha filha!... Sim, ela está precisando de mim. Ela me chama! Eu a ouço!... Já vou, Maria "Flor de Amor", já vou!...
Foi tomada de repentina crise de choro e, incapaz de sustentar-se em pé, recuou, deixando-se cair novamente no leito, desatando a soluçar. Fernando, abalado e pesaroso, achou melhor não insistir por aquele dia para não prejudicar a saúde da doente. Embora seu coração lhe doesse, porque havia esperado que Marta reconhecesse a filha ao primeiro olhar, chamou Flora e depois, puxando a falsa Maria para fora do quarto disse, procurando mostrar-se desenvolto:
- Não fique assustada, querida... A doença de sua mãe é horrível, eu sei... Infelizmente, já estamos acostumados com estas crises... Vamos, não se atormente. Verá que com o tempo e com paciência, conseguiremos curá-la.
- Oh, papai, tive tanto medo! - respondeu a mocinha, dando evidentes sinais de querer sair o quanto antes do pavilhão. - Pobre mamãe! Como deve sofrer!...
- Infelizmente, minha filha. Agora venha comigo. Já teve emoções demais por hoje. A nossa tentativa falhou, mas isto não quer dizer que devamos desistir de ter esperanças. Sua mãe há de ficar boa. Agora quero levá-la aos aposentos que há muito tempo estão prontos à sua espera. Você vai gostar... Eu mesmo os preparei.
- Obrigada, papai. Você é muito gentil.
O conde Fernando e a mocinha atravessaram novamente as alamedas frondosas do parque e entraram no palacete. Quando subiam a ampla escadaria que levava aos andares superiores, Fernando perguntou, temendo que a filha tivesse sofrido um choque muito violento em seu primeiro encontro com a mãe:
- "Flor de Amor", minha filha, está contente de estar perto de mim?
- Ainda pergunta, papai? Eu não via a hora de estar, definitivamente em minha casa!
Um sorriso amargo iluminou o rosto do nobre.
- Se soubesse o que significa você voltar para mim, "Flor de Amor"... A vida me reservou bem poucas alegrias. Cometi um único erro e paguei por ele duramente... Até demais, parece! Mas agora você veio, há de ser o meu consolo, não é verdade?
Ela acenou que sim, distraidamente, com a cabeça, olhando em torno, curiosa.
- Veja - prosseguiu Fernando, abrindo uma grande porta de carvalho trabalhado - Aqui começa o seu apartamento. Gostou?
- É lindo, papai! A propósito... Queria pedir-lhe um favor.
- Até mil, filha! Quero dar-lhe de uma só vez tudo o que você não teve até hoje!
- Sabe, isto não lhe custará nenhum sacrifício. Eu queria apenas que você, me chamasse Denise, em vez de Maria "Flor de Amor".
Fernando parou instantaneamente, perplexo. Tudo poderia esperar, menos aquilo!
- Querida - objetou, ele - sua mãe gosta tanto deste nome...  E repete-o sempre, chamando por você. Para ela, chega a ser quase uma prece...
- Eu sei, mas Benedito, o bondoso preto velho que me criou, sempre me chamou assim, por ter sido esse o nome de sua filha, que morreu ainda menina. E acho muito estranho ser chamada por outro nome. Entende isto, pai?
Pela primeira vez, desde que a falsa filha estava perto dele, o conde hesitou em dar-lhe uma resposta. Não, não entendia como se podia preferir outro nome àquele que os pais tinham se habituado a conhecer. Não entendia por que um nome tão bonito, que tantas vezes ele ouvira nos lábios de Marta, enquanto esta delirava, deveria ser trocado por outro por pura comodidade. Todavia, para não magoar a filha, respondeu de má vontade, mas afagando-lhe os cabelos:
- Está bem... Confesso que isto me dói muito, mas se você preferir assim, a partir deste momento será a minha... Denise.
À medida que continuavam a examinar os magníficos aposentos destinados a ela, a digna filha da marquesa Renata, fútil e ambiciosa como a mãe, não cessava de soltar exclamações de assombro e contentamento. Aquele luxo e aquele conforto aos quais não estava habituada, já que a marquesa Renata sempre fizera dela um ministério, mantendo-a num pensionato, desinteressando-se pelo seu modo de viver, deixavam-na enormemente orgulhosa, despertando nela uma ânsia desmedida de brilhar e mandar.
- Que maravilha! - disse, finalmente, diante da magnificência de seu dormitório.
- De fato, é muito bonito - concordou o conde Fernando, que se comprazia com a alegria daquela que julgava ser sua filha. - Espero ter adivinhado seus gostos, quando mandei decorar estes compartimentos.
- Claro que sim, papai! Nunca sonhei que pudesse existir um apartamento assim! Sentir-me-ei uma rainha! - Interrompeu-se, notando que o seu entusiasmo começava a tornar-se exagerado. Olhando para o conde por baixo dos longos cílios, acrescentou com hipocrisia: - Em todo caso... Eu renunciaria a tudo isto com prazer, se isto pudesse fazer com que minha querida mamãe ficasse curada.
Sua dor era tão perfeitamente simulada e seu tom tão aflito, que Fernando não pôde deixar de abraçá-la outra vez, exclamando, com lágrimas nos olhos:
- Você é uma boa menina, minha filha! Deus nos concederá a graça de curar sua mãe, sem ser preciso o seu sacrifício. Olhe, agora tenho uma surpresa para você.
Fernando havia se aproximado de um estojo de pau-rosa, pousado sobre uma mesinha de preciosa fabricação, e o abriu. Denise ficou literalmente deslumbrada com o seu conteúdo: brincos, broches, colares, pulseiras engastadas com brilhantes, esmeraldas e pérolas surgiam diante de seus olhos ávidos.
- Esta não é senão a mínima parte das nossas joias de família - desculpou-se o conde Fernando - e espero que se contente com elas para enfeitar-se. As outras... Bem, agora não quero entristecê-la, qualquer dia eu lhe direi onde foram parar.
- Estas já são demais! - disse Denise, sabendo que o restante das jóias havia sido subtraído por sua própria mãe, no dia em que fora expulsa do palácio. - Estou sinceramente estupefata com a sua generosidade, papai!
- Minha filha - disse Fernando - se lhe pudesse dar meu sangue, eu o faria com alegria, portanto, não é preciso agradecer por tão pouco - olhou um momento em volta para ver se não havia esquecido nada, depois acrescentou:
-E agora, vou deixá-la sozinha, contra a minha vontade. Falta pouco para a hora do jantar e você precisa preparar-se... Até mais tarde... Denise. Eu a espero lá embaixo, no salão.
Depois que o conde saiu, a filha de Renata não pôde conter uma risada. "Perfeito!", disse para si mesma. "Mamãe me avisou de que não seria difícil, mas nunca imaginei que fosse tão fácil enganar o conde Fernando! Pobre tolo..." Aproximou-se da janela e, afastando a pesada cortina, deixou que os olhos vagassem pelo jardim verdejante que se estendia lá embaixo. Uma ruga lhe sulcou a testa.
- A propósito - murmurou - já que tantas riquezas se encontram à minha inteira disposição, será melhor garantir a posse delas, para evitar surpresas desagradáveis. Antes de tudo, convém tentar afastar essa enfermeira de Marta Aubert. Aposto como essa tal Flora, com sua gentileza e sua submissão de cãozinho fiel, será capaz de pregar-me peças de mau gosto. A cara dela não me agradou nem um pouco quando eu cheguei e tenho a impressão de que suspeitou de alguma coisa, não sei porque... Claro que ela não é tão crédula quanto o conde!
Mostrando haver herdado em tudo e por tudo o caráter da mãe, Denise, na sua insensibilidade, tomava por estupidez a cegueira de Fernando, devido ao ímpeto do seu amor paterno. De todo modo ela não se deteve pensando, segura como estava dos seus recursos e da sua posição de absoluta superioridade que lhe conferia o título de condessinha, que tão habilidosamente havia usurpado. Depois, a jovem deu uma volta rápida pelo apartamento para ver se existia outra porta além daquela de entrada, pela qual pudesse eventualmente entrar alguém e surpreendê-la. Tranquilizada, ela abriu a vidraça que dava para uma das grandes sacadas e, apoiando-se ao parapeito, ali se demorou um pouco, pensando: "Tomara que minha mãe não se impaciente se eu demorar a sair para lhe dar o sinal de que tudo correu bem..." Mas os temores dela eram infundados. A pérfida marquesa, postada no fundo do parque, protegida por copadas moitas, já havia visto a filha, quando esta chegara à sacada.
- Ótimo! - exclamou sorrindo, satisfeita. - Eu sabia que Denise não me decepcionaria! É uma pequena formidável, que sabe aproveitar os meus ensinamentos! Hoje, para Fernando, o meu caro marido, é um mau dia. “Se ele pensa que se livrou de mim tão facilmente, está redondamente enganado! Nem imagina o que o espera!”
A malvada desapareceu na escuridão da noite.

2 comentários:

  1. Paulo que mocinha terrível essa, bem filha de Renata! Vai sobrar para a pobre Flora, aí vem mais maldade! E Fernando tão ingênuo, logo vai estar manipulado por Denise, coitado! Que drama! Bjs.

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  2. Não bastava uma vilã e agora temos outra. Essa Denise vai aprontar e pelo visto a pobre Mme. Sardon será sua vítima. Espero que ela se dê mal logo. Muito bom, Paulo!

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