O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’unAnge
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Facículo
II
Rev. G.H. 1343
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
maio 1973
O INFERNO DE UM ANJO
Capítulo II
Capítulo II
NA MANSÃO
DOS MORTOS-VIVOS
(Continuação)
Renata estava lívida, mas tentava
controlar-se.
- Você me
sufoca... Não posso falar... Marta morreu!... Atirou-se no rio... Depois de ter fugido
daqui, para esconder sua vergonha... Foi você que a abandonou!
O rancor e o
desespero do conde Fernando eram ameaçadores, impelindo até a violência.
- Agoravocê
quer fazer-me responsável por este crime infame? Marta esperava um filho! Um
filho meu!... Não é possível que tenha acabado com a vida dele, eu sei que ela
era um anjo, incapaz dessa maldade...
- Pois bem, vou
confessar: a criança nasceu é uma menina, mas não sei que fim levou, nem a quem
ela a entregou, antes de desaparecer. Juro-lhe que é a pura verdade! E agora
que contei, pode perdoar-me, não é verdade?
- Eu,
perdoá-la?! - replicou o conde. - Com a sua perfídia, você arruinou a vida de
uma criatura inocente, partiu meu coração, fez-me infeliz, desonrou meu nome, é
amante de um sujeito que nem ao menos tem coragem para defendê-la e ainda fala
em perdão? Sem remorso, sem hesitação! Agradeça a Deus, pois não tiro sua vida
para não sujar minhas mãos.
Renata vacilou.
Para ela, tão ambiciosa e orgulhosa do seu título, da sua posição social, o
escândalo seria a pior punição.
- Cuidado com o
que vai fazer, Fernando! - ameaçou Renata, e seu rosto, naquele instante, tinha
uma expressão terrível.
- Não cometa
loucuras que recaiam sobre sua própria cabeça! Toda a alta-roda saberá, você e
o seu nome serão cobertos de ridículo e de vergonha!
- Que me
importa! Saia daqui. Não quero mais vê-la! E saiba que de mim não receberá um
níquel! Você, que amava tanto o meu dinheiro, o luxo! Pois bem, vou fazer de
você uma indigente!... É assim que devo feri-la e a ferirei! Se daqui a meia
hora não for embora, mandarei que os criados a enxotem a pontapés!
Ela compreendeu
que não dobraria Fernando, que estava perdida.
- Odeio-o! - murmurou convulsa.
- Você sempre
me odiou. Uma serpente não pode amar um homem de bem. Mas seu ódio não me
atinge.
- Hei de vingar-me! Há de se arrepender da sua resolução, Fernando! - e Renata,
sufocada pelas lágrimas que a ira e o desespero arrancavam de seus olhos,
voltou-lhe as costas e fugiu por entre as copadas moitas do jardim.
Meia hora
depois, Renata deixava o palacete onde havia imperado durante vários anos, com
o seu luxo, com a sua riqueza. Carregava apenas uma maleta onde tinha recolhido
todas as joias com que Fernando generosamente a presenteara em diversas
ocasiões.
Capítulo
III
MARIA
“FLOR DE AMOR”
Uma mocinha
graciosa, vestida, claro, com simplicidade e graça, com um rostinho emoldurado
por louros e ondeados cabelos, caminhava por uma estrada deserta.
Parecia triste
e preocupada. De vez em quando se voltava para trás e olhava a seu redor, como
alguém que se tivesse perdido.
De repente,
ouviu um trote de cavalo atrás de si. Alguém se aproximava. Era um rapaz
elegante, que puxou as rédeas de seu fogoso animal logo que a
avistou.
Olhou-a e
pareceu impressionado, quase perturbado, pela beleza suave daquele rosto,
daquelas feições aristocráticas que lhe recordavam vagamente alguém que havia
conhecido.
- Perdeu-se, por acaso, mocinha? -
perguntou, gentilmente.
- Sim. - disse
ela, aflita. - Estou procurando a clínica do doutor Démon. Pensei que estivesse
perto, mas devo ter-me enganado no caminho.
- Não, o
caminho é este, mas a clínica desse doutor fica bem maisdistante, quase no meio
do bosque. Os doentes que ele trata, infelizmente, têm de viver em lugares
afastados do mundo, ilhas de terror e de morte...
De repente, a
mocinha desatou a soluçar. O rapaz saltou da sela e dela se aproximou pesaroso
e encabulado.
- Eu disse
alguma coisa que a ofendesse? Sinto muito, perdoe-me, sim?
- É que minha
mãe... Acho que está nessa clínica de que o senhor falou...
O rapaz fitou-a
com imensa compaixão. Ela, enxugando os olhos, acrescentou vivamente:
- Só que ela
não está louca, senhor!
- E como pode,
então, viver lá dentro? Por acaso é médica ou enfermeira? - perguntou o
desconhecido.
Ela pareceu assustada por ter falado
demais. E murmurou:
- Não é, não,
mas tampouco é louca. É uma estória tão triste, senhor! Fiz uma viagem longa e
penosa até aqui, e agora, perto do destino, sinto que me falta à coragem.
- Posso
acompanhá-la? - indagou o rapaz. - Preferiria não deixá-la ir sozinha. Confia
em mim, não é verdade?
A mocinha olhou
fixamente para ele. Tinha um bonitorosto, franco e leal, iluminado por um
sorriso simpático, uns olhos grandes, escuros e suaves. Corou e disse tímida:
- Pode, sim.
Puseram-se a
caminho, lado a lado. O rapaz levava o cavalo pela rédea e havia segurado na
sua mão forte, num gesto carinhoso e comovente, a mão da mocinha.
- Por que
ninguém a acompanhou, nesta viagem tão difícil e triste? - inquiriu.
- Não tenho
ninguém. Sou sozinha no mundo. Vivi toda a minha infância e a minha
adolescência no Canadá, ao lado de Benedito, um negro velho, que me amava como
se eu fosse sua neta. Ele era tão bom, tão bondoso e prestativo, que todos
gostavam dele. Trabalhava numa farmácia e vivíamos com muita simplicidade. Eu
cuidava dele e o estimava muito. - Com dificuldade, sufocou um soluço. - O bom
Benedito morreu a semana passada... Nos seus últimos momentos de vida, ele me
disse: "agora, você, que tem dezoito anos, pode tentar devolver a
liberdade à sua pobre mãe, injustamente reclusa na clínica do doutor
Démon". Pediu-me que viesse aqui, aconselhando-me ser muito prudente,
porque correria sérios riscos. Mas não posso ser muito prudente, em se tratando
de salvar minha mãe... De evitar que continue sendo vítima de pessoascriminosas
e desalmadas, que a fazem passar por louca.
O rapaz
estremeceu. Aquela criaturinha frágil e delicada como uma borboleta, falava em
crime e loucura! Ela continuou:
- Não sei por
que falo estas coisas com o senhor, mas tenho a impressão de que foi Deus que o
pôs em meu caminho.
Num impulso afetuoso, ocavaleiro lhe disse:
- Pode contar comigo, a partir deste
momento!
Ela o fitou com
intensidade. Seus frescos lábios tremeram e seus olhos azuis se abaixaram,
perturbados.
- Benedito, o
bondoso preto que me criou.
- começou a contar - disse-me
que eu nasci nessa clínica de doentes mentais. Uma mulher perversa trancou
minha mãe lá, certamentepagando muito dinheiro pelo sequestro. O doutor Démon é um médico-bandido, por dinheiro é capaz de tudo. Benedito,
que servia de assistente, não pôde suportar a dor que lhe causavaminha pobre
mãe, e para salvá-la organizou um plano de fuga. Infelizmente, conseguiu sair
de lá apenas comigo. Pegaram minha mãe. Benedito refugiou-se comigo numa
cidadezinha bem distante, onde um farmacêutico, compadecido, deu-nos uma
pequena casa para nos refugiarmos e empregou Benedito na sua farmácia. Benedito
sabia que como escravo fugitivo, estava condenado à morte. Por isso, o coitado
silenciou comigo até os seus últimos momentos, mas quando estava para morrer,
compreendeu que não podia mais guardar o segredo, era como se a vontade divina
o obrigasse a revelá-lo a mim. A partir daquele momento, eu só pensei numa
coisa: tentar rever minha mãe, saber se ela ainda estava viva. E se Deus ainda
a conserva nesta terra, quero fazer tudo para libertá-la.
O rapaz parecia
cada vez mais preocupado. Percebia que por trás daquela tragédia se escondia
aintriga de pessoas sem dúvida muito poderosas. E como poderia aquela frágil
criatura lutar sozinha?
- Sei quem é
esse doutor Démon - disse. - Sua clínica não está distante daqui. Ouvi dizer
que é um homem sem coração, que somente ama o dinheiro, tirano e cruel para com
os seus escravos. E é justamente contra este médico, rico e considerado, que
você, menina, quer lutar sozinha?
- Mas quem
poderia ajudar-me? - perguntou a mocinha, com lágrimas nos olhos, - ninguém a
quem eu contasse esta estória me acreditaria. Se recorresse à polícia, perderia
meu tempo. Ainda mais, sabendo que se trata de revelações feitas por um escravo
fugitivo, em suma, um delinquente, pois é delito que um homem escravizado
queira reaver sua liberdade! Se minha mãe não estiver viva, para que provocar
tudo isto?
- Você fala com
muita segurança, mas, mesmo assim, fico muito receoso e não a deixarei
enfrentar sozinha esta batalha.
Parou
bruscamente. Diante deles havia um portão negro e sinistro, de ferro batido.
"Flor de Amor" sentiu um arrepio.
- Escute -
disse - eu entrarei e perguntarei por minha mãe. Agirei como se não soubesse de
nada, fingindo acreditar que ela era mesmo louca. Não farei ameaças, nem farei
menção ao nome de Benedito dos Santos. Depois disto, onde poderei encontrá-lo,
para contar o que, soube?
- Aqui, junto
deste portão! - respondeu o rapaz - não me afastarei daqui enquanto você não
voltar, menina. Haja o que houver, quero dizer-lhe meu nome é Luís Paulo e moro
na Vila das Magnólias. Meu pai é um velho conde, resmungão e bondoso, minha mãe
faleceu quando eu nasci. Prometa que mesmo encontrando sua mãe sã e salva, virá
correndo avisar-me...
- Por que não entra comigo? - perguntou a
mocinha.
O rapaz sorriu, e acrescentou:
- Porque é
muito mais prudente, que um de nós fique dolado de fora.
"Flor de Amor" lhe apertou a
mão, com efusão.
Olharam-se
enlevados, durante alguns instantes, apertando-se as mãos em silêncio. Algo de
mágico havia irrompido entre eles, como que uma milagrosa centelha.
- Nunca
esquecerei o que está fazendo por mim, Luís Paulo. Sinto-me tãoanimada, agora!
Como poderei provar-lhe minha gratidão?
- Não fazendo cerimônia comigo e
dizendo-me seu nome.
- Meu nome é
Maria, porém gosto mais do carinhoso apelido dado por minha mãe: "Flor de
Amor"!
- Que nome
encantador o seu: "Flor de Amor"! Meigo e adorável como os seus olhos
que têm o azul do céu na primavera...
Depois, a
mocinha apertou o botão da campainha e o portão de ferro se descerrou
automaticamente, silenciosamente, tornando a fechar-se atrás dela.
Que perigo essa moça está correndo, entrando nessa clínica! Será que vai conseguir descobrir alguma coisa! E Luís Paulo, conseguirá ajudar? Estou ansiosa, é muito drama! Mas a história é legal!
ResponderExcluirOi Maria, que bom que está gostando. É dramático sim mas é muito legal. Estamos apenas no começo. Abraços!!!
ExcluirPaulo, trágico, mas ao mesmo tempo fascinante. Aguardo ansioso para ver o que acontecerá nos próximos capítulos... Muito bom!
ResponderExcluirEstou realmente feliz em socializar esta obra. Muito grato.
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