O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo XXVI (CONTINUAÇÃO)
A FALSA E A VERDADEIRA FILHA
Vendo-a,
Denise, talvez por não querer passar por uma tola, visto que nem sequer se
recordava de quando olhara pela última vez o retrato do noivo, disse:
-
Que pensa disso, Maria? - um mistério!
"Flor
de Amor" olhava perplexa, sem saber o que dizer.
-
Na verdade, não sei - respondeu afinal, hesitante. - A senhora, condessinha,
não terá por acaso uma rival, alguém que lhe inveje o lugar que ocupa no coração
do seu noivo?
-
Uma rival? - repetiu Denise, semicerrando os olhos, - Certamente que tenho! De
fato, há uma mulher, que, aliás, não conheço... Mas nesse caso deve ser louca a
ponto de correr o risco de ser presa por furtar o retrato do homem que ama! Fez
bem em me recordar isso, procurarei informar-me melhor sobre essa criatura e se
descobrir que essa malvadeza é obra dela, não hesitarei um minuto em
denunciá-la à polícia. Não tolero intrusos no meu palácio!
-
Condessinha, não se aborreça assim - disse Maria "Flor de Amor", já
arrependida de ter falado. - Afinal, não fiz mais do que uma simples suposição
e pode ser muito bem que, quando menos esperar, encontre a explicação do que
aconteceu.
Então
o conde Fernando, desgostoso pela cólera quase irracional que se apoderara da
filha, interveio:
-
Esta moça tem razão, Denise. Não é caso para tanta irritação. Amanhã mesmo
tratarei de arranjar outro retrato e tudo ficará como antes. E procurarei
indagar e descobrir onde anda a tal ladra, fica contente?
Denise,
mostrando-se subitamente calma, aproximou-se do conde e, beijando-o no rosto,
exclamou:
-Que bom paizinho
eu tenho! Sempre consegue ajeitar as coisas! Sim, tem razão, papai, é tolice
minha, zangar-me tanto por causa do desaparecimento de um retrato!
Depois,
virando-se para Maria "Flor de Amor", acrescentou com um sorriso
evidentemente forçado e sem alegria:
-
Agora, pode ir. Fale com dona Eufêmia a respeito da proposta que lhe fiz.
A
prova dos vestidos da condessinha Denise fora demorada e Maria "Flor de
Amor", regressando à cidade, sabendo que àquela hora o "atelier"
já estava fechado, encaminhou-se diretamente à casa da modista para informá-la
do resultado da sua missão. Dona Eufêmia, embora fosse rica, não só pelo que
lhe rendia a sua casa de modas como pela situação comercial do marido, era uma
criatura sem manias de grandezas e depois que a mocinha lhe contou como
decorrera o seu trabalho no palacete, insistiu para que ela ficasse para
jantar.
Estava
mesmo presa a Maria "Flor de Amor", por um terno sentimento, pois a
jovem, com sua graça e sua beleza, lembrava-lhe a filha, morta alguns anos
antes em trágicas circunstâncias. A seu marido, que àquele dia regressara de
uma viagem, dona Eufêmia apresentou Maria.
-
Alfredo, esta jovem, é Maria, uma querida auxiliar e, contava que ficasse muito
tempo conosco. Não obstante, já recebeu magnífica oferta da condessinha Denise
e não quero de modo algum interferir na sua promissora carreira. Que diz você?
Aprova?
Alfredo
Lerroux, um belo e simpático homem de meia-idade, tomou com espontaneidade a
mãozinha de Maria "Flor de Amor", que apertou na sua e, curvando-se,
respondeu:
-
Minha querida Eufêmia, perguntar o que penso é muito prematuro e quanto a
aprovar, como poderia deixar de fazê-lo? O que posso desejar, por ora, é que
esta cara senhorita aceite jantar conosco.
-
Naturalmente! Já a convidei - respondeu a modista. Após o jantar, Maria
"Flor de Amor" despediu-se do amável casal, saiu para a rua, que era
um pouco afastada do centro da cidade.
Naquele
bairro havia muitos palacetes, circundados por bonitos jardins, e Maria
"Flor de Amor" caminhava ao longo deles, para gozar o perfume
delicado das flores apenas desabrochadas. Seus sapatos com sola de borracha não
produziam o menor ruído. Foi assim que, sem se fazer sentir, chegou quase até
junto de dois homens que caminhavam à sua frente, falando animadamente...
Um
deles estava elegantemente trajado, enquanto o outro, em visível contraste,
vestia um paletó sujo e uma calça esfarrapada. De repente, os dois homens pararam
numa praça. Maria "Flor de Amor", pressentindo que se tratava de dois
delinquentes que planejavam um crime, ocultou-se atrás do tronco de uma árvore,
que estava bem perto deles, permitindo-a ouvir a conversação.
-
Então... - dizia o que tinha roupas elegantes - posso contar com você? Não irá
fracassar?
-
Isso nunca aconteceu em minha vida - respondeu o outro - a não ser... Bem...
Aquela vez, que me "rendeu" dez anos. Mas aquelas "férias"
me serviram para aprender muitas coisas que então não sabia e, quando me
"largaram", posso dizer que estava diplomado...
-
Lembra-se bem da cara dele?
-
Papagaio! Sou ótimo fisionomista e quando guardo o rosto de alguém no arquivo
do bestunto, nunca mais esqueço! O homenzinho vai se haver comigo, não tenha
dúvida!
O
tipo elegante tornou a falar:
-
Pois é isso, Renato. Por saber que você tem uma péssima fama no ambiente baixo,
é que o procurei, pois preciso de alguém que faça esse trabalhinho para mim,
com perfeição.
À
medida que falava, tirou do bolso um volumoso pacote de notas e, separando boa
parte delas, entregou-as ao outro, dizendo a seguir:
-
Isto é um pequeno adiantamento. Depois que tiver acertado as contas com o
"nosso amigo", receberá um milhãozinho redondo. Está de acordo com o
preço?
-
Não deve falar com essa pose sobre o preço, meu caro Afonso! Você é um ladrão e
quando se trata de fazer certos trabalhinhos, não se cansa muito... Mas comigo
a coisa é diferente. Devo acabar com a vida de um camarada, isso dá trabalho,
há risco... Devo ganhar bem... Respondeu o bandido maltrapilho, ao mesmo tempo
que guardava as cédulas no bolso.
-
Comece a trabalhar - retrucou Afonso - e depois veremos se é o caso de aumentar
o "ordenado". O que recomendo, mais uma vez, é agir com precisão.
Use, para identificá-lo, caso sua memória não o ajude, o retrato que dei a
você. Tive um trabalho danado para consegui-lo, pode crer...
-
Ah, outra coisa, Renato... Você já falou com seu capanga a respeito deste
negócio? - quis saber o malandro elegantemente trajado.
-
Naturalmente - respondeu o outro. - No nosso ambiente, não se
"trabalha" sozinho. Ele atira otimamente e também é um guarda-costas
de primeira qualidade... Será de grande utilidade para o bom resultado do nosso
projeto.
-
Então, não precisamos mais conversar e sim realizar com toda perfeição o que já
está combinado. Vocês deverão agir com a precisão de um relógio suíço - disse
Afonso, sem pronunciar o nome da vítima.
Mas
a jovem Maria "Flor de Amor", a esta altura da conversa dos dois
homens, compreendera de quem Afonso e Renato estavam falando: era do noivo da
condessinha Denise, em cujo palacete ela estivera naquele mesmo dia. O detalhe
do retrato roubado lhe dava a certeza da sua suspeita. Sem terem mais o que
dizer, os dois homens se despediram, partindo em direções opostas. Perto dali,
amarrado a uma árvore, havia um cavalo, no qual Afonso montou, partindo em seguida. Na escuridão
da noite, Maria "Flor de Amor" não pôde ver o rosto daqueles homens.
Só a voz de Afonso deu-lhe a impressão de não ser-lhe desconhecida. O bandido
estava montado em fogoso corcel, Maria "Flor de Amor" mal podia
segui-lo, pois estava a pé. Quanto a seguir o outro malandro, também era
impossível, pois Renato sentou-se no chão e, sacando um punhal de um dos bolsos
do paletó, começou a afiá-lo numa pedra.
Ao ver essa arma, que sem dúvida o delinquente afiava para um próximo
crime, talvez para matar o noivo da condessinha Denise, Maria "Flor de
Amor" se apavorou e se retirou em seguida, caminhando, com a esperança de
achar um policial e pedir-lhe que detivesse aquele malfeitor. Mas só quando
tinha andado quase um quilômetro, Maria "Flor de Amor" encontrou um
guarda. Ela explicou a ele o que tinha ouvido e visto. O policial e Maria
"Flor de Amor" dirigiram-se para a pequena praça onde, sentado no chão,
Renato ficara afiando a lâmina de seu punhal. Porém, quando ali chegaram, a
pracinha estava deserta. Do malfeitor não havia o menor rastro.
Paulo, que perigo Maria correu! E desconfio que vai se complicar mais ainda, quando os marginais souberem que ela os delatou! Menina corajosa! Legal esse capítulo!
ResponderExcluirMais lances emocionantes. Muito legal. Vamos ver onde isso vai dar... Muito bom, Paulo. Parabéns pelo material.
ResponderExcluir