sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 26 - PARTE 2 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange



Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXVI (CONTINUAÇÃO)

A FALSA E A VERDADEIRA FILHA


Vendo-a, Denise, talvez por não querer passar por uma tola, visto que nem sequer se recordava de quando olhara pela última vez o retrato do noivo, disse:

- Que pensa disso, Maria? - um mistério!
"Flor de Amor" olhava perplexa, sem saber o que dizer.
- Na verdade, não sei - respondeu afinal, hesitante. - A senhora, condessinha, não terá por acaso uma rival, alguém que lhe inveje o lugar que ocupa no coração do seu noivo?
- Uma rival? - repetiu Denise, semicerrando os olhos, - Certamente que tenho! De fato, há uma mulher, que, aliás, não conheço... Mas nesse caso deve ser louca a ponto de correr o risco de ser presa por furtar o retrato do homem que ama! Fez bem em me recordar isso, procurarei informar-me melhor sobre essa criatura e se descobrir que essa malvadeza é obra dela, não hesitarei um minuto em denunciá-la à polícia. Não tolero intrusos no meu palácio!
- Condessinha, não se aborreça assim - disse Maria "Flor de Amor", já arrependida de ter falado. - Afinal, não fiz mais do que uma simples suposição e pode ser muito bem que, quando menos esperar, encontre a explicação do que aconteceu.
Então o conde Fernando, desgostoso pela cólera quase irracional que se apoderara da filha, interveio:
- Esta moça tem razão, Denise. Não é caso para tanta irritação. Amanhã mesmo tratarei de arranjar outro retrato e tudo ficará como antes. E procurarei indagar e descobrir onde anda a tal ladra, fica contente?
Denise, mostrando-se subitamente calma, aproximou-se do conde e, beijando-o no rosto, exclamou:
-Que bom paizinho eu tenho! Sempre consegue ajeitar as coisas! Sim, tem razão, papai, é tolice minha, zangar-me tanto por causa do desaparecimento de um retrato!
Depois, virando-se para Maria "Flor de Amor", acrescentou com um sorriso evidentemente forçado e sem alegria:
- Agora, pode ir. Fale com dona Eufêmia a respeito da proposta que lhe fiz.
A prova dos vestidos da condessinha Denise fora demorada e Maria "Flor de Amor", regressando à cidade, sabendo que àquela hora o "atelier" já estava fechado, encaminhou-se diretamente à casa da modista para informá-la do resultado da sua missão. Dona Eufêmia, embora fosse rica, não só pelo que lhe rendia a sua casa de modas como pela situação comercial do marido, era uma criatura sem manias de grandezas e depois que a mocinha lhe contou como decorrera o seu trabalho no palacete, insistiu para que ela ficasse para jantar.
Estava mesmo presa a Maria "Flor de Amor", por um terno sentimento, pois a jovem, com sua graça e sua beleza, lembrava-lhe a filha, morta alguns anos antes em trágicas circunstâncias. A seu marido, que àquele dia regressara de uma viagem, dona Eufêmia apresentou Maria.
- Alfredo, esta jovem, é Maria, uma querida auxiliar e, contava que ficasse muito tempo conosco. Não obstante, já recebeu magnífica oferta da condessinha Denise e não quero de modo algum interferir na sua promissora carreira. Que diz você? Aprova?
Alfredo Lerroux, um belo e simpático homem de meia-idade, tomou com espontaneidade a mãozinha de Maria "Flor de Amor", que apertou na sua e, curvando-se, respondeu:
- Minha querida Eufêmia, perguntar o que penso é muito prematuro e quanto a aprovar, como poderia deixar de fazê-lo? O que posso desejar, por ora, é que esta cara senhorita aceite jantar conosco.
- Naturalmente! Já a convidei - respondeu a modista. Após o jantar, Maria "Flor de Amor" despediu-se do amável casal, saiu para a rua, que era um pouco afastada do centro da cidade.
Naquele bairro havia muitos palacetes, circundados por bonitos jardins, e Maria "Flor de Amor" caminhava ao longo deles, para gozar o perfume delicado das flores apenas desabrochadas. Seus sapatos com sola de borracha não produziam o menor ruído. Foi assim que, sem se fazer sentir, chegou quase até junto de dois homens que caminhavam à sua frente, falando animadamente...
Um deles estava elegantemente trajado, enquanto o outro, em visível contraste, vestia um paletó sujo e uma calça esfarrapada. De repente, os dois homens pararam numa praça. Maria "Flor de Amor", pressentindo que se tratava de dois delinquentes que planejavam um crime, ocultou-se atrás do tronco de uma árvore, que estava bem perto deles, permitindo-a ouvir a conversação.
- Então... - dizia o que tinha roupas elegantes - posso contar com você? Não irá fracassar?


- Isso nunca aconteceu em minha vida - respondeu o outro - a não ser... Bem... Aquela vez, que me "rendeu" dez anos. Mas aquelas "férias" me serviram para aprender muitas coisas que então não sabia e, quando me "largaram", posso dizer que estava diplomado...
- Lembra-se bem da cara dele?
- Papagaio! Sou ótimo fisionomista e quando guardo o rosto de alguém no arquivo do bestunto, nunca mais esqueço! O homenzinho vai se haver comigo, não tenha dúvida!
O tipo elegante tornou a falar:
- Pois é isso, Renato. Por saber que você tem uma péssima fama no ambiente baixo, é que o procurei, pois preciso de alguém que faça esse trabalhinho para mim, com perfeição.
À medida que falava, tirou do bolso um volumoso pacote de notas e, separando boa parte delas, entregou-as ao outro, dizendo a seguir:
- Isto é um pequeno adiantamento. Depois que tiver acertado as contas com o "nosso amigo", receberá um milhãozinho redondo. Está de acordo com o preço?
- Não deve falar com essa pose sobre o preço, meu caro Afonso! Você é um ladrão e quando se trata de fazer certos trabalhinhos, não se cansa muito... Mas comigo a coisa é diferente. Devo acabar com a vida de um camarada, isso dá trabalho, há risco... Devo ganhar bem... Respondeu o bandido maltrapilho, ao mesmo tempo que guardava as cédulas no bolso.
- Comece a trabalhar - retrucou Afonso - e depois veremos se é o caso de aumentar o "ordenado". O que recomendo, mais uma vez, é agir com precisão. Use, para identificá-lo, caso sua memória não o ajude, o retrato que dei a você. Tive um trabalho danado para consegui-lo, pode crer...
- Ah, outra coisa, Renato... Você já falou com seu capanga a respeito deste negócio? - quis saber o malandro elegantemente trajado.
- Naturalmente - respondeu o outro. - No nosso ambiente, não se "trabalha" sozinho. Ele atira otimamente e também é um guarda-costas de primeira qualidade... Será de grande utilidade para o bom resultado do nosso projeto.
- Então, não precisamos mais conversar e sim realizar com toda perfeição o que já está combinado. Vocês deverão agir com a precisão de um relógio suíço - disse Afonso, sem pronunciar o nome da vítima.
Mas a jovem Maria "Flor de Amor", a esta altura da conversa dos dois homens, compreendera de quem Afonso e Renato estavam falando: era do noivo da condessinha Denise, em cujo palacete ela estivera naquele mesmo dia. O detalhe do retrato roubado lhe dava a certeza da sua suspeita. Sem terem mais o que dizer, os dois homens se despediram, partindo em direções opostas. Perto dali, amarrado a uma árvore, havia um cavalo, no qual Afonso montou, partindo em seguida. Na escuridão da noite, Maria "Flor de Amor" não pôde ver o rosto daqueles homens. Só a voz de Afonso deu-lhe a impressão de não ser-lhe desconhecida. O bandido estava montado em fogoso corcel, Maria "Flor de Amor" mal podia segui-lo, pois estava a pé. Quanto a seguir o outro malandro, também era impossível, pois Renato sentou-se no chão e, sacando um punhal de um dos bolsos do paletó, começou a afiá-lo numa pedra.  Ao ver essa arma, que sem dúvida o delinquente afiava para um próximo crime, talvez para matar o noivo da condessinha Denise, Maria "Flor de Amor" se apavorou e se retirou em seguida, caminhando, com a esperança de achar um policial e pedir-lhe que detivesse aquele malfeitor. Mas só quando tinha andado quase um quilômetro, Maria "Flor de Amor" encontrou um guarda. Ela explicou a ele o que tinha ouvido e visto. O policial e Maria "Flor de Amor" dirigiram-se para a pequena praça onde, sentado no chão, Renato ficara afiando a lâmina de seu punhal. Porém, quando ali chegaram, a pracinha estava deserta. Do malfeitor não havia o menor rastro.

2 comentários:

  1. Paulo, que perigo Maria correu! E desconfio que vai se complicar mais ainda, quando os marginais souberem que ela os delatou! Menina corajosa! Legal esse capítulo!

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  2. Mais lances emocionantes. Muito legal. Vamos ver onde isso vai dar... Muito bom, Paulo. Parabéns pelo material.

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