O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo
XXXI
QUE
VAI ACONTECER NA IGREJA?
Maria
"Flor de Amor" desceu a grande escadaria do palacete e alcançou o
exterior, sem olhar para trás, sentia necessidade de isolar-se, de se afastar
de tudo e de todos, para dar livre curso à sua dor, ao tormento que a devorava.
Queria afastar-se o mais depressa possível daquela casa cuja lembrança, a
partir de agora, seria para ela como um pesadelo. Percorreu a alameda, em
passos rápidos. O campo verdejante se estendia à sua frente, diante de seus
olhos, alcançou a larga estrada estadual, muitas pessoas das redondezas,
trajando roupa de festa, andavam por ela, devagar, provavelmente à espera da
passagem do cortejo dos noivos, de regresso da igreja, o que não deveria
tardar. Sem se preocupar com a direção que tomava, começou a andar ao acaso,
com os olhos fixos na frente, sem ao menos notar os olhares de curiosidade que
eram dirigidos a ela, pelos que passavam. Foi assim que, sem se dar conta do
tempo gasto na caminhada, chegou a um pequeno núcleo de casas que deviam, em
outros tempos, ter constituído uma espécie de feudo da mansão Chanteloup, e que
agora era habitado em grande parte por servidores do conde.
Quando
ergueu os olhos, para ver onde se encontrava, a igreja, cujos sinos tinha
ouvido do palacete, surgiu à sua frente. O adro estava repleto de gente, e
perto do templo achavam-se estacionadas as carruagens dos convidados. Ouvia-se
o solene som do órgão e as vozes bem vibradas dos cantores.
Um
desejo ardente de rever Luís Paulo se apossou do coração dolorido da
decepcionada "Flor de Amor". Com custo conseguiu atravessar a
multidão e, insistindo sempre, chegou à entrada do templo, onde a multidão de
curiosos era mais compacta.
Quando,
ansiosa, palidíssima, chegou o mais que era possível perto do altar, a
cerimônia já havia tido início há algum tempo e os noivos, ajoelhados um ao
lado do outro, olhavam para o oficiante, que para eles se voltara. O som do
órgão cessara e o tempo parecia ter parado.
Por
um instante Maria "Flor de Amor" esteve a ponto de interferir, de
manifestar aos gritos a sua dor, seu sofrimento. Mas o receio de que, assim
procedendo, profanaria talvez aquele lugar sagrado, fez com que ela se
dominasse.
No
silêncio que reinava no templo, a voz do sacerdote se elevou, lenta e grave:
-
Luís Paulo de Rastignac, aceita como legítima esposa Denise Chanteloup,
prometendo amá-la, servi-la, defendê-la e assisti-la até que a morte os separe?
Todos
os olhos estavam fixos no jovem barão Luís Paulo de Rastignac.
Maria
"Flor de Amor", no cúmulo de seu desespero, tinha a impressão de que
os que estavam a seu lado podiam ouvir as batidas de seu coração, que parecia
prestes a estourar.
Luís
Paulo estava impressionantemente pálido e mantinha os olhos baixos. "Flor
de Amor" não deixava de olhar para ele, como ansiando penetrar na própria
alma do homem inesquecível.
A
resposta do noivo, estranhamente, demorava a ser ouvida! Que estava
acontecendo?
Denise
ergueu os olhos brilhantes de cólera, enquanto um leve rumor começava a
expandir-se entre a multidão que enchia a igreja. E viram então o conde
Fernando, depois de ter passado um lenço na testa, curvar-se para Luís Paulo,
sussurrando-lhe algo ao ouvido.
Na
assistência, pessoas começavam a murmurar, umas se virando para as outras
trocando impressões e fazendo comentários.
O
sacerdote, espantado, repetiu a pergunta sacramental:
-
Luís Paulo de Rastignac, aceita...
O
silêncio continuou absoluto.
Maria
"Flor de Amor" ergueu uma das mãos, esteve a ponto de gritar qualquer
coisa, olhada curiosamente pelas pessoas que estavam ao seu lado, mas a voz de
Luís Paulo a deteve, embora ele falasse surdamente, pois se ouviu quando
pronunciava a curta palavra, longa, porém, longa como a própria eternidade,
para seus ouvidos:
-
Sim...
Ao
lado do altar houve um certo movimento da multidão. Alguém ergueu um pouco a
voz, houve quem fizesse psiu!... Depois o silêncio tornou a reinar.
Afinal,
para muita gente, era coisa natural que uma noiva, entre tanta gente, abafada
por todos os lados, quase sufocada, se sentisse mal. Quando as notas solenes da
marcha nupcial de Mendhelsson se espalharam pelo templo, todos os rostos se
distenderam num sorriso e uma sensação de alegria se espalhou entre os
presentes.
Um
casamento, mesmo quando não se conhecem os noivos, é sempre agradável de ser
presenciado. Quem poderia imaginar que, entre aquela multidão, uma infortunada
jovem estaria sofrendo atrozmente? Os esposos foram abraçar com efusão o conde
Fernando, que estava a um só tempo radiante e comovido.
À
volta deles faziam roda todos os demais convidados e, cada qual tinha para os
nubentes uma frase de bom augúrio ou de congratulações. A própria Denise
parecia a imagem viva da felicidade e olhava em torno com uma expressão
inequívoca de triunfo nos seus belos olhos.
Luís
Paulo, ao contrário, como que alheio ao que se passava, olhado com curiosidade
por todos, por causa da hesitação que tivera em responder à pergunta do
sacerdote, estava sério, quase mesmo triste, e ia apertando as mãos que lhe
eram estendidas, recebia os abraços que lhe davam, sem o menor entusiasmo.
O
conde Fernando bem estava notando o que se passava com o rapaz e procurava
explicar aos mais íntimos, quando lhe faziam perguntas a respeito, que se
tratava apenas de emoção:
-
Está muito emocionado, o rapaz e... Ainda pela perda recente do pai...
Mas,
no íntimo, ouvia ainda as palavras, que pareciam escritas a fogo em sua
memória, as palavras da costureirinha, no salão do palacete, entre lágrimas:
"Ele me amava... Ele me amava..."
Agora
o conde não mais duvidava de que o que lhe afirmara a loura mocinha fosse
verdade e que no coração do genro existissem ainda vestígios da antiga paixão,
embora esperasse que, tendo Denise ao lado dele, assim com o passar do tempo, o
ajudasse a esquecê-la.
Quando
Luís Paulo e Denise chegaram à porta da igreja, por um momento pareceu que a
grande multidão fosse envolver e fazer desaparecer os noivos, impedindo-lhes o
caminho.
Depois,
como por encanto, aquele mar de pessoas se abriu, deixando livre uma passagem
não muito larga, mas suficiente, que levava até a carruagem de gala, à espera.
Os
recém-casados começaram a percorrê-la e Denise se cingia com faceirice ao braço
do jovem barão. Atrás deles vinham, sorrindo e trocando comentários, os demais
nobres e convidados, entre os quais estava também o conde Fernando.
Denise
sorria para todos, cheia de orgulho por ter conseguido realizar o plano que
traçara. Luís Paulo, no entanto, olhava distraído em torno, sem ligar muito
para aquela que agora era sua mulher. Tinha a fronte úmida de suor, talvez por
causa da tremenda batalha mental e sentimental por que passara. Meteu
maquinalmente a mão no bolso, para tirar um lenço, livrando-se para tanto, ao
mesmo tempo, depois de se desculpar, do braço de Denise.
Enquanto
levava o lenço à testa, sentiu que uma espécie de nuvem azul bailava diante de
seus olhos: era a "écharpe" de seda perdida pela mulher que lhe
salvara a vida, quando esteve a ponto de ser morto pelos pistoleiros que, dias
passados, dispararam contra ele. A intervenção providencial de uma jovem que,
gritando, advertira-o do perigo, fôra o bastante para lhe salvar a vida.
Apressadamente
se abaixou para apanhá-la, como se tratasse de uma relíquia. E foi então que
ocorreu algo tão imprevisto e surpreendente que ninguém seria capaz de
imaginar! Com um dos joelhos em terra, estendera a mão para pegar a leve "écharpe",
quando outra mão branca e bem feminina, se adiantou à dele e a segurou pela
outra extremidade!
Sem
erguer a cabeça, o jovem, convicto de que se tratava de alguma pessoa cortês
que tivera a intenção de ajudá-lo, murmurando um "Obrigado" a meia
voz, fez menção de tomar a "écharpe" da mão que a segurara antes da
sua. Com verdadeiro estupor, misto de surpresa, porém, viu que a outra mão
continuava a reter a "écharpe", enquanto uma voz, infinitamente,
triste, amargurada, chegava ao seu ouvido:
-
Deixe, Luís Paulo. Isto me pertence.
Estarrecido,
como que atingido por uma descarga elétrica, Luís Paulo se ergueu impetuoso e
encontrou-se face a face com Maria "Flor de Amor", a mocinha que o
encontrara numa certa manhã de primavera, pela qual arriscara a vida no
manicômio do doutor Démon, criatura encantadora, a quem amara e amava ainda com
toda a força do seu coração generoso!
Uma
exclamação lhe veio à boca, como se estivesse diante de um fantasma e não de
uma criatura humana, de carne e osso:
-
Maria!... Maria!... É você? Foi você quem me salvou da morte, quando aqueles
pistoleiros me atacaram de surpresa?
Sem
se dar conta do que fazia, ante os olhares estarrecidos de todos, tomando-a nas
mãos, a atraíra para si, querendo explicar-lhe tudo, enquanto Denise, que havia
parado, sentindo que o marido não estava mais ao seu lado, olhava a cena sem
entender o que poderia Luís Paulo ter a dizer à humilde costureirinha que
deixara no palacete.
-
Meu amor... - disse o rapaz, olhando Maria "Flor de Amor" com
adoração.
A
moça, fugindo das mãos dele, recuando bruscamente sem sequer o fitar no rosto e
apressada, quase correndo, abriu passagem entre a multidão, desaparecendo logo
da vista de todos, protegida pela confusão que havia no local.
Enquanto
isso, o próprio conde Fernando, notando que algo anormal estava acontecendo, se
aproximou do genro.
Segurando-o
pelo braço e, lançando um olhar de esguelha para Denise, que parecia prestes a
ser sacudida por um dos seus terríveis acessos de fúria indagou:
-
Que houve, Luís Paulo? Você está lívido!
A
voz do conde pareceu ter o poder de conter o jovem, que parecia disposto a sair
no encalço de Maria "Flor de Amor". Voltando-se para o sogro,
respondeu asperamente.
-
Era ela! Voltou!
-
De quem está falando?
-
Daquela que sempre amei e em quem tenho me esforçado em vão para não pensar,
para manter a promessa de desposar sua filha!
O
conde Fernando sentiu um choque no coração! Avistando, porém, os convidados
que, vendo a parada inesperada do cortejo, haviam acorrido em massa, e receando
um escândalo, conduziu Luís Paulo para a carruagem, dizendo-lhe com voz
imperiosa:
-
Vamos! Suba rápido! Toda a gente está intrigada com o seu estranho
procedimento! Não quero que o meu nome seja pasto de murmúrios na boca de todo
o mundo! Atenda-me por favor, Luís Paulo!
Como
uma criança o jovem barão se deixou conduzir, quase mesmo empurrar, para dentro
da carruagem nupcial. Mas, uma vez sentado, não pôde deixar de lançar um olhar
para fora, procurando na multidão o vulto da mulher amada que, todavia, já
desaparecera totalmente.
A
uma ordem do conde Fernando, o cocheiro fez trotar os cavalos, partindo
rapidamente rumo ao palacete. O conde Fernando, porém, dava graças aos céus, no
íntimo do seu coração, e começava a pensar que já era um grande bem que o pior
não tivesse acontecido...
Luís
Paulo, no entanto, apertava a cabeça entre as mãos, torturado pelo remorso, sem
sequer olhar para a jovem com a qual vinha de unir-se em matrimônio e que ia
sentada, ao seu lado.
Quanto
a Denise, em silêncio, ruminava os mais atrozes pensamentos de vingança.
"Viborazinha!",
pensava enraivecida. "É ela então a mulher de que Luís Paulo me falou
quando o pai morreu! E eu tive a estupidez de tomá-la a meu serviço! Mas agora
a conheço e se tiver a coragem de aparecer diante de mim, se tentar roubar o
amor de meu marido, ai dela!"
Naquele
instante recordou que Luís Paulo agora era seu e que ninguém iria roubá-lo. Um
sorriso de triunfo iluminou ainda uma vez sua fisionomia. Por que preocupar-se,
então?
Com
estudada denguice se recostou ao jovem, uniu-se toda a ele, aproximando os
lábios ardentes de uma de suas faces, procurando beijá-lo.
-
Agora você é meu!... - sussurrou, gozando o significado das próprias palavras.
Mas
o barão Luís Paulo, voltando-se rápido, agarrou-a pelos ombros e lhe disse:
-
Que é que quer mais de mim? Arruinou-me a existência! Não basta? Conseguiu o
que queria! Mantive a minha promessa!... Agora, deixe-me, deixe-me em paz! Não
me atormente mais!
-
Luís Paulo! - protestou Denise: - Está fora de si?
-
Sempre estive fora de mim! Se não fosse assim, como poderia abandonar aquela
pobre moça, sem uma justificação? Que fará ela, agora, sozinha no mundo, sem
ter ninguém que a proteja?
Paulo, que legal esse capítulo e esse reencontro de Luís Paulo e Maria "Flor de Amor", gostei muito! Mas, esperava que Renata cumprisse a ameaça que fez a filha e ela não apareceu! Vou aguardar as próximas emoções! Bjs.
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