sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 31 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange



Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXXI
QUE VAI ACONTECER NA IGREJA?

Maria "Flor de Amor" desceu a grande escadaria do palacete e alcançou o exterior, sem olhar para trás, sentia necessidade de isolar-se, de se afastar de tudo e de todos, para dar livre curso à sua dor, ao tormento que a devorava. Queria afastar-se o mais depressa possível daquela casa cuja lembrança, a partir de agora, seria para ela como um pesadelo. Percorreu a alameda, em passos rápidos. O campo verdejante se estendia à sua frente, diante de seus olhos, alcançou a larga estrada estadual, muitas pessoas das redondezas, trajando roupa de festa, andavam por ela, devagar, provavelmente à espera da passagem do cortejo dos noivos, de regresso da igreja, o que não deveria tardar. Sem se preocupar com a direção que tomava, começou a andar ao acaso, com os olhos fixos na frente, sem ao menos notar os olhares de curiosidade que eram dirigidos a ela, pelos que passavam. Foi assim que, sem se dar conta do tempo gasto na caminhada, chegou a um pequeno núcleo de casas que deviam, em outros tempos, ter constituído uma espécie de feudo da mansão Chanteloup, e que agora era habitado em grande parte por servidores do conde.
Quando ergueu os olhos, para ver onde se encontrava, a igreja, cujos sinos tinha ouvido do palacete, surgiu à sua frente. O adro estava repleto de gente, e perto do templo achavam-se estacionadas as carruagens dos convidados. Ouvia-se o solene som do órgão e as vozes bem vibradas dos cantores.
Um desejo ardente de rever Luís Paulo se apossou do coração dolorido da decepcionada "Flor de Amor". Com custo conseguiu atravessar a multidão e, insistindo sempre, chegou à entrada do templo, onde a multidão de curiosos era mais compacta.
Quando, ansiosa, palidíssima, chegou o mais que era possível perto do altar, a cerimônia já havia tido início há algum tempo e os noivos, ajoelhados um ao lado do outro, olhavam para o oficiante, que para eles se voltara. O som do órgão cessara e o tempo parecia ter parado.
Por um instante Maria "Flor de Amor" esteve a ponto de interferir, de manifestar aos gritos a sua dor, seu sofrimento. Mas o receio de que, assim procedendo, profanaria talvez aquele lugar sagrado, fez com que ela se dominasse.
No silêncio que reinava no templo, a voz do sacerdote se elevou, lenta e grave:
- Luís Paulo de Rastignac, aceita como legítima esposa Denise Chanteloup, prometendo amá-la, servi-la, defendê-la e assisti-la até que a morte os separe?
Todos os olhos estavam fixos no jovem barão Luís Paulo de Rastignac.
Maria "Flor de Amor", no cúmulo de seu desespero, tinha a impressão de que os que estavam a seu lado podiam ouvir as batidas de seu coração, que parecia prestes a estourar.
Luís Paulo estava impressionantemente pálido e mantinha os olhos baixos. "Flor de Amor" não deixava de olhar para ele, como ansiando penetrar na própria alma do homem inesquecível.
A resposta do noivo, estranhamente, demorava a ser ouvida! Que estava acontecendo?
Denise ergueu os olhos brilhantes de cólera, enquanto um leve rumor começava a expandir-se entre a multidão que enchia a igreja. E viram então o conde Fernando, depois de ter passado um lenço na testa, curvar-se para Luís Paulo, sussurrando-lhe algo ao ouvido.
Na assistência, pessoas começavam a murmurar, umas se virando para as outras trocando impressões e fazendo comentários.
O sacerdote, espantado, repetiu a pergunta sacramental:
- Luís Paulo de Rastignac, aceita...
O silêncio continuou absoluto.
Maria "Flor de Amor" ergueu uma das mãos, esteve a ponto de gritar qualquer coisa, olhada curiosamente pelas pessoas que estavam ao seu lado, mas a voz de Luís Paulo a deteve, embora ele falasse surdamente, pois se ouviu quando pronunciava a curta palavra, longa, porém, longa como a própria eternidade, para seus ouvidos:
- Sim...
Ao lado do altar houve um certo movimento da multidão. Alguém ergueu um pouco a voz, houve quem fizesse psiu!... Depois o silêncio tornou a reinar.
Afinal, para muita gente, era coisa natural que uma noiva, entre tanta gente, abafada por todos os lados, quase sufocada, se sentisse mal. Quando as notas solenes da marcha nupcial de Mendhelsson se espalharam pelo templo, todos os rostos se distenderam num sorriso e uma sensação de alegria se espalhou entre os presentes.
Um casamento, mesmo quando não se conhecem os noivos, é sempre agradável de ser presenciado. Quem poderia imaginar que, entre aquela multidão, uma infortunada jovem estaria sofrendo atrozmente? Os esposos foram abraçar com efusão o conde Fernando, que estava a um só tempo radiante e comovido.
À volta deles faziam roda todos os demais convidados e, cada qual tinha para os nubentes uma frase de bom augúrio ou de congratulações. A própria Denise parecia a imagem viva da felicidade e olhava em torno com uma expressão inequívoca de triunfo nos seus belos olhos.
Luís Paulo, ao contrário, como que alheio ao que se passava, olhado com curiosidade por todos, por causa da hesitação que tivera em responder à pergunta do sacerdote, estava sério, quase mesmo triste, e ia apertando as mãos que lhe eram estendidas, recebia os abraços que lhe davam, sem o menor entusiasmo.
O conde Fernando bem estava notando o que se passava com o rapaz e procurava explicar aos mais íntimos, quando lhe faziam perguntas a respeito, que se tratava apenas de emoção:
- Está muito emocionado, o rapaz e... Ainda pela perda recente do pai...
Mas, no íntimo, ouvia ainda as palavras, que pareciam escritas a fogo em sua memória, as palavras da costureirinha, no salão do palacete, entre lágrimas: "Ele me amava... Ele me amava..."
Agora o conde não mais duvidava de que o que lhe afirmara a loura mocinha fosse verdade e que no coração do genro existissem ainda vestígios da antiga paixão, embora esperasse que, tendo Denise ao lado dele, assim com o passar do tempo, o ajudasse a esquecê-la.
Quando Luís Paulo e Denise chegaram à porta da igreja, por um momento pareceu que a grande multidão fosse envolver e fazer desaparecer os noivos, impedindo-lhes o caminho.
Depois, como por encanto, aquele mar de pessoas se abriu, deixando livre uma passagem não muito larga, mas suficiente, que levava até a carruagem de gala, à espera.
Os recém-casados começaram a percorrê-la e Denise se cingia com faceirice ao braço do jovem barão. Atrás deles vinham, sorrindo e trocando comentários, os demais nobres e convidados, entre os quais estava também o conde Fernando.
Denise sorria para todos, cheia de orgulho por ter conseguido realizar o plano que traçara. Luís Paulo, no entanto, olhava distraído em torno, sem ligar muito para aquela que agora era sua mulher. Tinha a fronte úmida de suor, talvez por causa da tremenda batalha mental e sentimental por que passara. Meteu maquinalmente a mão no bolso, para tirar um lenço, livrando-se para tanto, ao mesmo tempo, depois de se desculpar, do braço de Denise.
Enquanto levava o lenço à testa, sentiu que uma espécie de nuvem azul bailava diante de seus olhos: era a "écharpe" de seda perdida pela mulher que lhe salvara a vida, quando esteve a ponto de ser morto pelos pistoleiros que, dias passados, dispararam contra ele. A intervenção providencial de uma jovem que, gritando, advertira-o do perigo, fôra o bastante para lhe salvar a vida.
Apressadamente se abaixou para apanhá-la, como se tratasse de uma relíquia. E foi então que ocorreu algo tão imprevisto e surpreendente que ninguém seria capaz de imaginar! Com um dos joelhos em terra, estendera a mão para pegar a leve "écharpe", quando outra mão branca e bem feminina, se adiantou à dele e a segurou pela outra extremidade!
Sem erguer a cabeça, o jovem, convicto de que se tratava de alguma pessoa cortês que tivera a intenção de ajudá-lo, murmurando um "Obrigado" a meia voz, fez menção de tomar a "écharpe" da mão que a segurara antes da sua. Com verdadeiro estupor, misto de surpresa, porém, viu que a outra mão continuava a reter a "écharpe", enquanto uma voz, infinitamente, triste, amargurada, chegava ao seu ouvido:
- Deixe, Luís Paulo. Isto me pertence.
Estarrecido, como que atingido por uma descarga elétrica, Luís Paulo se ergueu impetuoso e encontrou-se face a face com Maria "Flor de Amor", a mocinha que o encontrara numa certa manhã de primavera, pela qual arriscara a vida no manicômio do doutor Démon, criatura encantadora, a quem amara e amava ainda com toda a força do seu coração generoso!
Uma exclamação lhe veio à boca, como se estivesse diante de um fantasma e não de uma criatura humana, de carne e osso:
- Maria!... Maria!... É você? Foi você quem me salvou da morte, quando aqueles pistoleiros me atacaram de surpresa?
Sem se dar conta do que fazia, ante os olhares estarrecidos de todos, tomando-a nas mãos, a atraíra para si, querendo explicar-lhe tudo, enquanto Denise, que havia parado, sentindo que o marido não estava mais ao seu lado, olhava a cena sem entender o que poderia Luís Paulo ter a dizer à humilde costureirinha que deixara no palacete.
- Meu amor... - disse o rapaz, olhando Maria "Flor de Amor" com adoração.
A moça, fugindo das mãos dele, recuando bruscamente sem sequer o fitar no rosto e apressada, quase correndo, abriu passagem entre a multidão, desaparecendo logo da vista de todos, protegida pela confusão que havia no local.
Enquanto isso, o próprio conde Fernando, notando que algo anormal estava acontecendo, se aproximou do genro.
Segurando-o pelo braço e, lançando um olhar de esguelha para Denise, que parecia prestes a ser sacudida por um dos seus terríveis acessos de fúria indagou:
- Que houve, Luís Paulo? Você está lívido!
A voz do conde pareceu ter o poder de conter o jovem, que parecia disposto a sair no encalço de Maria "Flor de Amor". Voltando-se para o sogro, respondeu asperamente.
- Era ela! Voltou!
- De quem está falando?
- Daquela que sempre amei e em quem tenho me esforçado em vão para não pensar, para manter a promessa de desposar sua filha!
O conde Fernando sentiu um choque no coração! Avistando, porém, os convidados que, vendo a parada inesperada do cortejo, haviam acorrido em massa, e receando um escândalo, conduziu Luís Paulo para a carruagem, dizendo-lhe com voz imperiosa:
- Vamos! Suba rápido! Toda a gente está intrigada com o seu estranho procedimento! Não quero que o meu nome seja pasto de murmúrios na boca de todo o mundo! Atenda-me por favor, Luís Paulo!
Como uma criança o jovem barão se deixou conduzir, quase mesmo empurrar, para dentro da carruagem nupcial. Mas, uma vez sentado, não pôde deixar de lançar um olhar para fora, procurando na multidão o vulto da mulher amada que, todavia, já desaparecera totalmente.
A uma ordem do conde Fernando, o cocheiro fez trotar os cavalos, partindo rapidamente rumo ao palacete. O conde Fernando, porém, dava graças aos céus, no íntimo do seu coração, e começava a pensar que já era um grande bem que o pior não tivesse acontecido...
Luís Paulo, no entanto, apertava a cabeça entre as mãos, torturado pelo remorso, sem sequer olhar para a jovem com a qual vinha de unir-se em matrimônio e que ia sentada, ao seu lado.
Quanto a Denise, em silêncio, ruminava os mais atrozes pensamentos de vingança.
"Viborazinha!", pensava enraivecida. "É ela então a mulher de que Luís Paulo me falou quando o pai morreu! E eu tive a estupidez de tomá-la a meu serviço! Mas agora a conheço e se tiver a coragem de aparecer diante de mim, se tentar roubar o amor de meu marido, ai dela!"
Naquele instante recordou que Luís Paulo agora era seu e que ninguém iria roubá-lo. Um sorriso de triunfo iluminou ainda uma vez sua fisionomia. Por que preocupar-se, então?
Com estudada denguice se recostou ao jovem, uniu-se toda a ele, aproximando os lábios ardentes de uma de suas faces, procurando beijá-lo.
- Agora você é meu!... - sussurrou, gozando o significado das próprias palavras.
Mas o barão Luís Paulo, voltando-se rápido, agarrou-a pelos ombros e lhe disse:
- Que é que quer mais de mim? Arruinou-me a existência! Não basta? Conseguiu o que queria! Mantive a minha promessa!... Agora, deixe-me, deixe-me em paz! Não me atormente mais!
- Luís Paulo! - protestou Denise: - Está fora de si?
- Sempre estive fora de mim! Se não fosse assim, como poderia abandonar aquela pobre moça, sem uma justificação? Que fará ela, agora, sozinha no mundo, sem ter ninguém que a proteja?

Um comentário:

  1. Paulo, que legal esse capítulo e esse reencontro de Luís Paulo e Maria "Flor de Amor", gostei muito! Mas, esperava que Renata cumprisse a ameaça que fez a filha e ela não apareceu! Vou aguardar as próximas emoções! Bjs.

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