quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 27 - PARTE 2 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange



Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXVII

A INCRÍVEL RIVAL (CONTINUAÇÃO)


- Não, absolutamente!
A mulher de preto levantou o véu que lhe cobria o rosto. Ela o fez lentamente, estudadamente, dizendo ao mesmo tempo:
- Pelo jeito, nem sequer reconhece a voz de sua mãe!...
Um silêncio opressor reinou por segundos na grande sala. A marquesa Renata, cujo rosto bonito se destacava com o negror do traje, sorria ironicamente. Quanto a Denise, ainda estarrecida, paralisada pela surpresa, levara a mão à boca, para não gritar. Renata, não tirando dela os grandes olhos verdes, continuou:
- Que é isso? Acaso eu lhe amedronto?
- Mamãe!... - articulou finalmente Denise. - A senhora está louca? Que veio fazer aqui? Está na hora do meu casamento...
- Sim... Eu sei... Estou vendo, o vestido está que é uma beleza em você... No entanto, acho que não o usará, desta vez!
Denise ficou branca como cera.
- Que está dizendo?... Mamãe, você ficou mesmo louca!
De repente, como um furacão, Renata abandonou o domínio sobre si mesma. Em sua fisionomia, a aparência de brandura e ironia mansa desapareceu e ela ergueu a mão para a filha, como se fosse esbofeteá-la, e disse:
- Louca está você, idiota! Trate de respeitar-me, se não quer se arrepender amargamente! Vamos, feche aquela porta!
Dominada e com medo, ante o tom ameaçador, que ultrapassava o seu próprio, mesmo nos piores momentos de seu gênio, Denise obedeceu, movendo-se maquinalmente. Finalmente, quando voltou novamente para junto da mãe, encontrou coragem e perguntou:
- Que quer dizer, com isso de que o vestido me fica bem... Mas não vou usá-lo? Quero lembrar-lhe que...
- Não preciso que me lembre coisa alguma! - cortou Renata, bruscamente. - Você, sim, precisa se lembrar, antes de mais nada, que sou sua mãe, e que me deve imensa gratidão por ter feito com que você deixasse de ser uma pobretona.
Vendo que a mãe estava verdadeiramente colérica, e compreendendo, por experiência própria, que o melhor seria não discutir com ela, especialmente ali e naquele momento, quando poderiam ser surpreendidas de um minuto para outro, Denise tratou de amansá-la:
- Mamãezinha querida... Bem sei que lhe devo ser muitíssimo grata, pelo que tem feito por mim. Mas, por outro lado, não estamos já de acordo que, quando meu pai morrer, dividiremos a herança?
- Você acha que eu tenho tempo e, paciência para esperar que Fernando, meu ex-marido, que anda vendendo saúde, faça o favor de morrer? Ah, ah, ah! Você é mais idiota ainda do que eu pensava! Nem parece minha filha! E dizer-se que seu pai, seu verdadeiro pai, e não esse orgulhoso conde em cujo palácio você está vivendo agora, era um ás na "rasteira"... Só que era malandro demais... De qualquer modo, repito que não tenho intenção de esperar que a coisa se decida entre você e seu falso papaizinho. Quero a minha parte e, pelo menos por agora, essa parte será... Luís Paulo!
- Luís Paulo?... Mas é o homem com quem vou casar-me!
- E com quem você não casará!
- Mamãe... Não estou compreendendo! Não percebo nada...
A marquesa Renata riu novamente, uma risada sarcástica.
- Ora, não se faça de ingênua, Denise! Conheço-a muito bem e não me engana! Quer saber por que não pode casar com Luís Paulo de Rastignac? Pois vou dizer, com toda a sinceridade: estou apaixonada por ele!
Por um momento Denise esteve a ponto de perder os sentidos, ante aquela surpreendente e inesperada revelação. Olhou demoradamente a mãe, ainda em dúvida sobre se teria mesmo compreendido o sentido das palavras dela, tão incrível, tão impossível lhe parecia o que ouvira. Mas o que viu no rosto de Renata confirmou a estranha verdade e então, deixando-se cair numa poltrona,disse, com a voz alterada:
- Mas... Luís Paulo é muito mais moço que você!
- Tolice! Não diz senão tolices! Acha que eu estou, acaso, velha, para poder fazê-lo feliz?
- Não, mas é meu noivo!... E além disso, se quer saber... Também eu estou apaixonada por ele!
A marquesa Renata fez um gesto de indiferença, como se a opinião da filha para ela não tivesse a mínima importância.
- Seu sentimento para com Luís Paulo não me interessa - exclamou. - O que importa é que eu o amo! Amo-o de um modo que você, menina boboca, não pode sequer imaginar! Desde que o vi pela primeira vez ele me penetrou no sangue, no cérebro, no coração, e se tornou minha obsessão, o objeto exclusivo de meus pensamentos! Não terei sossego, enquanto ele não casar comigo!... E quando eu quero uma coisa, obtenho-a, custe o que custar!
Enquanto falava, a mulher se aproximara da filha e tomara-a por um braço, apertando-o fortemente.


- Cuidado, Denise! - continuou. - Não se atravesse no meu caminho! Não pense em tirar proveito do meu amor materno. Se você me estorvar, eu a destruirei!
Incapaz de retrucar, sem saber opor qualquer argumento àquele que a mãe apresentava com tamanho e tão selvagem ardor, Denise percebeu que duas lágrimas lhe desciam pela face. Como se sentia fraca diante de Renata! Sentia-se capaz de tudo, menos de competir com ela, com aquela mulher cujos olhos magnéticos pareciam espalhar em torno de si um fluido demoníaco. Tinha a impressão de que tudo em torno desabava, sem que ela pudesse mover um dedo para evitar a ruína!
Os convidados estavam reunidos e o ruído que faziam suas vozes vinha até à sala verde.A igreja estava adornada, as carruagens prontas, ela própria já vestia o traje nupcial e eis que sua mãe vinha dizer-lhe, sem mais preâmbulos, que o casamento não se realizaria, sem se preocupar com os efeitos, as consequências, os resultados daquela proibição terrível!
A marquesa Renata, apaixonada por Luís Paulo! Denise fitou a mãe. Era ainda bonita, bem bonita, embora já estivesse bem perto dos quarenta anos e com a ajuda de algum hábil especialista em estética feminina, vinha conseguindo evitar que o tempo deixasse em seu corpo as inexoráveis marcas. Vendo que a jovem não falava, a marquesa, investiu de novo:
- E então? Que decide?
- E se eu me recusasse a desfazer-me de meu noivo? Se eu, apesar das suas ameaças, desposasse Luís Paulo? Lembre-se de que já não sou a garotinha que você dominava à vontade, mamãe.
Renata, raposa velha, sorrindo levemente, com um jeito de quem fazia um amável cumprimento, retrucou:
- Bem... Se não me deixar Luís Paulo, se hoje mesmo, na igreja, você não se recusar a casar-se com ele, se quiser mesmo enfrentar a minha vontade, eu garanto uma coisa: na noite deste mesmo dia ninguém mais a chamará condessinha Denise... E você tornará a ser aquela mocinha sem vintém!
Denise cerrou os punhos, como para reprimir o desejo de cravar as unhas no rosto sorridente da mãe.
- Teria você a coragem de trair-me? De revelar a impostura que você mesma arquitetou, que me instigou a pôr em prática? Não posso crer! Seria demasiado monstruoso! Não é possível que minha própria mãe seja capaz de denunciar sua filha!
- Ah, ah, ah! Como me conhece mal, Denise! Fique sabendo, que para me unir a Luís Paulo, estarei disposta a tudo! Lembre-se de que, assim como a elevei, assim como a coloquei numa posição, de primeiro plano na sociedade de nosso país, posso lançá-la novamente ao lugar de onde saiu, de onde a arranquei! Cuidado!
Seguiu-se longo silêncio. Mãe e filha permaneciam uma diante da outra trocando olhares carregados de ódio. Depois Denise, decidindo-se, exclamou, friamente:
- Quer arruinar-me? Pois bem, faça-o, se for capaz! Quero Luís Paulo para mim, para ser meu marido, não tenho nenhuma intenção de cedê-lo a você e nem a outra mulher!
Aquela resposta, aparentemente calma e firme conseguiu, até certo ponto, desarmar Renata, que, não obstante, ainda teve um frêmito de furor, que mal, pôde conter. Tinha contado poder facilmente impor sua vontade à filha, que até então fora dócil e maleável em suas mãos. Pensara que Denise, amedrontada com sua ameaça, prometeria e concederia tudo, para que ela não a cumprisse. E, no entanto, eis que se encontrava, diante de uma resistência desconcertante e inesperada.
- Pensou bem no que disse? - perguntou com voz rouca.
- Não tem medo do que eu faça? Não treme diante da ideia de que eu lhe arrancarei a bela máscara que um dia coloquei no seu rosto? Oh! Não pense que sua ruína me possa atingir, terei tempo suficiente para me pôr a salvo. Mas você, que fará? Sabe o que lhe acontecerá? Fernando, depois de tudo o que eu fiz, ao saber que você é minha filha, não terá nenhum escrúpulo em mandá-la para o xadrez, como impostora! E Luís Paulo, que pretende amar, será o primeiro a desprezá-la, a repudiá-la, sem a menor hesitação! Ficará sozinha, abandonada, coberta de infâmia perante a sociedade, outra vez pobre como um rato de esgoto! Um contraste bem duro com a vidinha de luxo e diversões que tem agora, hem? Tudo isso acontecerá se não renunciar ao homem que eu amo e quero que seja meu marido!
Denise, no auge da ira, estava para retrucar, quando o ruído da porta que se abria atraiu sua atenção. Virou-se e, com os olhos cheios de terror, deu com o vulto esbelto do conde Fernando, imponente no traje de cerimônia! Por um instante a jovem ficou indecisa, perplexa. Mas o instinto de conservação predominou e ela, voltando-se para a mãe, gritou:
- Que é que quer de mim ainda? Vá-se embora, repito!
Depois, tornando a olhar para o conde, fingindo conter um soluço, lançou-se em seus braços, ocultando o rosto no seu largo peito. 

2 comentários:

  1. Esse conflito vai render pois envolve duas jararacas. Vamos ver no que vai dar...

    ResponderExcluir
  2. Paulo, cheguei a ficar com peninha de Denise, com essa mãe terrível, até pode ser considerada uma boa moça rsrsrs. Realmente, duas jararacas, estou curiosa pra ver o desfecho. Gostei muito. Bjs.

    ResponderExcluir