domingo, 25 de novembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 35 - PARTE 1 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXXV

O HOMEM MISTERIOSO

Ubaldo Duroi, o detetive particular, era muito conhecido nos meios aristocráticos cujos membros, quase todos, já haviam recorrido aos seus serviços de investigador emérito. Alguns julgavam-no dono de poderes sobrenaturais. Estava sozinho em seu gabinete, entregue à tarefa de examinar um maço de cartas. Percorria as folhas manuscritas com grande rapidez, voltando-as com mãos nervosas, e seus olhos passavam velozmente de uma a outra, retendo com precisão fotográfica seu conteúdo. O nome Ubaldo Duroi, em toda a cidade não havia advogado que não o conhecesse, não existia comissário que jamais tivesse lidado com ele. Não obstante a fama que granjeara, não era homem, no entanto, que fosse procurado senão em caso de extrema necessidade; seu modo de trabalhar, muito cheio de manhas, tinha um que de trapaça que deixava dúvidas, até nos clientes sobre a lisura de seus métodos.
Por outro lado, sua comprida e magérrima figura, as roupas sempre escuras que usava e seu nariz curvilíneo, davam-lhe o aspecto de uma criatura estranha, tipo de mau-agouro, e muita gente do povo chegava a afirmar que ele era feiticeiro. Seus empregados o tratavam com muito respeito, quase com medo. Até a loura secretária que aquela manhã entrou no gabinete, embora devesse ser um tipinho bem atrevido, e não tímido, disse, com ar receoso:
- Desculpe se o perturbo senhor Duroi, mas está aí um senhor que lhe quer falar. Diz que é assunto urgente... O detetive ergueu a cabeça, de má vontade:
- Perguntou-lhe como se chama?
- É o barão Luís Paulo de Rastignac.
Ao ouvir aquele nome ilustre, o detetive juntou a papelada com que estivera se ocupando, meteu-a numa gaveta e respondeu:
- Mande-o entrar, mande-o entrar, senhorita.
Um instante depois Luís Paulo entrava no gabinete. Os dias de angústia por que passara pareciam tê-lo envelhecido prematuramente. Ubaldo Duroi levantou-se apressadamente para receber o ilustre cliente e,depois de lhe ter apertado a mão, indicou-lhe uma poltrona colocada justamente em frente à escrivaninha, exclamando:
- Fique à vontade, barão, por favor. Estou à sua inteira disposição. Queira dizer-me o motivo da honrosa visita.
- Trata-se de uma pessoa que é para mim muito cara.
- Uma senhora, sem dúvida...
- O senhor adivinhou - respondeu Luís Paulo. - Mas se trata também de um assunto muito reservado, porque eu, e talvez o senhor não saiba, acabo de...
- Casar-se, sim, na semana que passou - completou Duroi, impassível, acrescentando: - Eu estou sempre ao corrente de tudo.
O barão olhou o detetive com ar desconfiado:
- Que quer dizer esse "tudo"?  - perguntou.
Sem responder diretamente, Ubaldo Duroi colocou a mão diante dos olhos, para concentrar-se, e começou a falar, com um tom profissional.
- Luís Paulo de Rastignac, filho do barão Ernesto, morto no dia três do mês passado, às seis da tarde. Tem levado uma existência normal, normalíssima mesmo até há seis meses, depois aconteceu um fato que lhe perturbou completamente a vida a ponto de o falecido barão, seu pai, concordar em deixá-lo ir para uma clínica psiquiátrica. No mesmo dia em de que lá saiu, tendo ido ao palacete Chanteloup, ali chegou justamente a tempo de ser acusado do atentado à senhorita Flora Sardon, e por causa disso foi detido e mantido no cárcere de nossa cidade. Logo depois, o conde Fernando conseguiu descobrir o verdadeiro autor do ferimento, o conhecido delinquente Afonso Houdin e pôde com ajuda de seu advogado, livrá-lo da prisão. Pouco antes de casar-se foi atacado por malfeitores e só foi salvo, quase por milagre, graças à intervenção de uma linda jovem. Basta, senhor barão, ou deseja que continue?
- Não, não... - murmurou Luís Paulo, estupefato. - Mas... Como faz para saber, para obter todos esses detalhes sobre um desconhecido? .
- Ainda retenho na cabeça até os livros de leitura em que estudei na escola elementar - respondeu muito modestamente Ubaldo Duroi.
O barão fitou-o demoradamente e disse ao detetive:
-Estou vendo que o senhor é homem que sabe informar-se a respeito dos seus semelhantes...
- Assim, o senhor, barão, veio a minha procura com a finalidade de obter notícias de uma jovem. Imagino que seja aquela que salvou sua vida, quando os pistoleiros tentaram assassiná-lo.
- Foi Maria "Flor de Amor", sim, quem me livrou de ser ferido pelos projéteis daqueles assassinos, - respondeu Luís Paulo fortemente emocionado.
- Exatamente. Se Maria "Flor de Amor" estivesse aqui, diria o mesmo que o senhor acaba de falar. - confirmou o detetive.
- Então se o senhor sabe tudo isso, - se conhece a mulher que amo, se sabe que foi ela quem impediu minha morte, deve saber também onde Maria "Flor de Amor" está atualmente.
- Acalme-se. Não vou lhe recusar nenhuma informação a respeito de Maria "Flor de Amor". Mas deve se preparar para receber uma triste notícia.
O pressentimento de uma nova e talvez irreparável desventura fez com que Luís Paulo se sentisse transtornado.
As palavras do detetive particular lhe haviam penetrado no coração, ferindo-o.
- Os dados sobre Maria "Flor de Amor" - continuou Duroi - foram apresentados à noite passada por um guarda noturno ao próprio comando. O guarda, já alta noite, realizava seu giro pela estrada estadual, perto do palacete do conde Fernando Chanteloup, quando, à altura do quilômetro 7, avistou uma jovem apoiada ao parapeito da ponte, sobre o rio, e a ponte está sendo consertada.
- Sei onde é... - disse Luís Paulo mecanicamente.
- Tratando-se de um local um pouco afastado da zona habitada, o guarda quis ver o que havia e se aproximou dela, indagando o que estava fazendo. A interrogada deu uma resposta vaga e o policial, depois de se ter oferecido para conduzi-la, recebendo resposta negativa, não de todo convencido com as explicações recebidas, para evitar futuras complicações e eventuais responsabilidades, assim que retornou ao comando da corporação, redigiu um relatório.
Luís Paulo estava tão emocionado que nem sequer lhe ocorreu perguntar como tal relatório chegara ao seu conhecimento.
- E esta é a má notícia? - perguntou, com uma luz de esperança no olhar.
- Perdoe-me, senhor barão - foi a resposta. - Sinto, mas há uma coisa muito pior. Mal acabava o guarda de assinar o relatório, entregando-o ao seu comandante, quando chegaram ao posto os passageiros de uma carruagem, que informaram que à altura do quilômetro 7, na ponte em conserto, viram uma mulher que se apoiava na tela, que substituía a balaustrada demolida, e de repente a tela cedeu e a infortunada caíra no rio. Parando imediatamente, desceram às pressas e correram até o lugar do acidente, para ver se podiam ajudar a criatura, mas, a noite estava muito escura e nada puderam fazer... Aliás, a correnteza ali é muito forte.
Encontraram, contudo, no chão a bolsa da moça que caíra na água e nela havia um documento atestando tratar-se de Maria “Flor de Amor”...
Luís Paulo, petrificado pela dor, tomara a cabeça entre as mãos, fazendo um esforço tremendo para não explodir em soluços, tal era a dor do seu coração.
- Minha pobre querida... Nunca mais verei seus olhos meigos a iluminar o caminho de minha triste vida!
Indiferente ao desespero do jovem barão, o investigador disse, por puro convencionalismo profissional:
- Não é o caso de perder absolutamente a esperança, pode ser que tenha sido salva...
- Mas, então, não fizeram buscas?
- Rebuscaram em quase toda a extensão do rio, mas nada foi encontrado, ao que eu saiba. A correnteza é tão forte...
Luís Paulo se pôs de pé e passou a mão pelo rosto alterado.
A idéia de que a sua Maria "Flor de Amor" já não mais fizesse parte do mundo dos vivos, parecia-lhe intolerável. Não conseguia aceitá-la, não admitia que o que acontecera fosse verdade.
- Então, senhor Duroi, acha que nada mais há a fazer? Que de Maria "Flor de Amor" só me resta a inapagável lembrança?
O detetive ergueu os ombros:
- Ninguém pode afirmar coisa alguma, barão... Afinal de contas, o corpo até agora não foi encontrado, talvez tenha sido salva por algum barqueiro. Encarregar-me-ei, se o deseja, de providenciar novas buscas, que acompanharei atentamente, e logo o informarei sobre o que ocorrer.
Luís Paulo, abismado na sua imensa dor, caminhou para a saída. Antes de transpô-la, voltou-se, porém, e disse:
- Sim, leve adiante as suas investigações. - Ah! Desculpe... Esqueci de indagar sobre os seus honorários...
O detetive estendeu-lhe a mão e respondeu:
- Ora, por Deus, barão! Num momento como este, sob o efeito de tão duro golpe... Não é o caso de falar em honorários!
Pensaremos nisso com vagar, depois de concluídas as buscas...
Decididamente, o mistério que envolvia a pessoa de Ubaldo Duroi e a fama de sua incrível capacidade eram, em grande parte, devidos a um só, mas poderoso fator: a sorte.
E uma pálida demonstração de que assim será, teve lugar pouco tempo depois da partida de Luís Paulo. O detetive, que estava a ponto de sair, dava algumas instruções à secretária, quando a campainha da entrada ressoou duas vezes, em curto intervalo e demoradamente. Aquele modo de anunciar-se era bastante incomum e denotava uma impaciência enorme, talvez raiva, por parte da pessoa que estava lá fora e o detetive se levantou irritado, ordenando à moça:
- Vá ver quem é esse mal-educado! Quem ele pensa que é?
Mas, tomando ele mesmo a iniciativa e antecipando-se à secretária, como se a irritação o impelisse, foi até à porta e abriu-a, dizendo:
- Escute... Se pensa que isto aqui...
Mas não continuou. Conteve-se de súbito porque, ao abrir, dera de cara com uma jovem e elegante senhora que, sem lhe dar tempo, sequer, para que a convidasse a entrar, afastou-o do caminho, interrogando:
- Este é o escritório do senhor Ubaldo Duroi, o detetive?
- Sim... Precisamente.
- Então faça o favor de avisá-lo que desejo vê-lo. É urgente, muito urgente!
- Ubaldo Duroi sou eu, para servi-la, senhora.
A moça examinou-o de alto a baixo, com ar talvez de desiludida. Evidentemente teria imaginado encontrar um belo homem, como são os detetives dos romances policiais, de ombros largos, cabelos louros... Infelizmente, porém, o que deparava era muito diferente desta descrição.
No entanto, era tal a excitação que a trazia ali, que esqueceu logo aquele detalhe sobre beleza física e, aproximando-se, exclamou:
- Tenho um encargo importantíssimo a confiar-lhe e fui mandada por... Alguém que me garantiu ser o senhor a pessoa indicada para levá-lo a bom termo.
Percebendo imediatamente que ali havia um bom negócio, Duroi tratou de tranquilizar a visitante:
- Não sei quem lhe poderá ter aconselhado os meus serviços profissionais, mas posso assegurar que, seja do que for que se possa tratar, pode contar inteiramente com meu esforço e minha discrição, senhora!
- Seja para o que for?
Embora achando que aquela pergunta fosse uma tanto ridícula, mas desejoso de saber mais alguma coisa sobre o assunto, o detetive respondeu sem hesitação:
- Diga-me quais as suas preocupações, as suas mágoas, os motivos que a trouxeram até aqui, em suma, e depois deixe comigo a maneira de agir. Esteja à vontade em meu gabinete, peço-lhe... Depois que a visitante se acomodou na mesma poltrona ocupada havia pouco por Luís Paulo, o detetive começou:
- Antes de mais nada, com quem tenho a honra...
- Sou a baronesa Denise de Rastignac.
- Por esta eu não esperava... - murmurou entre dentes o investigador, admirado. - Que coincidência...
- Que disse o senhor? - perguntou Denise, que não havia compreendido.
- Oh! Nada, senhora. Tenho o mau costume de pensar, de refletir à meia-voz. Mas, para lhe dar uma prova do quanto me interessa o seu caso, dir-lhe-ei apenas isto: a baronesa veio aqui para me falar sobre a mulher pela qual seu marido está apaixonado, não é verdade?
O verdadeiro estupor que se estampou no rosto de Denise dizia bem do que ela sentiu. O detetive costumava usar, sempre que podia, de tais recursos e truques, que serviam para impressionar os clientes, e o espanto da moça foi ainda maior do que o de Luís Paulo. Ficando tremendamente pálida, ela balbuciou a pergunta habitual em tais casos:
- Como é que sabe?!...
- É uma prerrogativa da minha profissão, a de saber tudo! - Falou Duroi, sorrindo levemente. - O povo costuma dizer que tenho poderes sobrenaturais e que ando metido em feitiçaria. Quem sabe se não é verdade?
Mas a filha da marquesa Renata estava de humor muito azedo para apreciar a brincadeira do detetive.
Sem se mostrar desejosa de conhecer as fontes de informações que ele possuía, verdadeiras ou não, entrou no assunto que a trouxera:
- Senhor Duroi, penso que posso confiar na sua discrição, conforme afirmou há pouco...
- E eu o confirmo, senhora!
Denise lançou um olhar em torno, como se temesse a presença de alguém que a pudesse escutar, depois, curvando-se mais para o homem, disse:
- Se o senhor sabe tanta coisa, deve estar a par do motivo do rancor que nutro por essa mulher, não é certo?
- Naturalmente, baronesa.
- Senhor Duroi... O senhor está sempre... Do lado da lei?
Os olhos do detetive tiveram um lampejo, enquanto ele respondia:
- É apenas uma questão de dinheiro!
Com decisão, Denise abriu a bolsa e dela retirou um maço de notas, que estendeu a Ubaldo, por cima da escrivaninha.
- Acha que esta importância possa interessá-lo? - perguntou.
O homem lançou uma olhadela aquele dinheiro e teve um sorriso de complacência, enquanto respondia e já o guardava no fundo da gaveta de sua escrivaninha.
- Pode interessar a título de adiantamento...
- Não vim aqui com a intenção de comerciar! - admitiu Denise. - O importante é isto: quero que essa mulher que meu marido ama e que pode arruinar o meu casamento desapareça de circulação! Se o senhor é capaz de fazer isso, pode pedir até um milhão e eu pagarei sem um piscar de olhos!
Ubaldo Duroi permaneceu durante alguns momentos em silêncio.
Depois, com rápida decisão, ergueu-se e estendeu a mão a Denise, dizendo:
- Negócio fechado, senhora! A partir de hoje, a senhora não terá ocasião de ouvir falar daquela que pode fazê-la perder a sua bela situação!
Depois que a secretária, terminado o trabalho do dia, foi embora, Ubaldo Duroi fechou sua escrivaninha e, mostrando-se alegre, disse em voz alta:
- E agora, vamos trabalhar!
Tirou do bolso um molho de chaves no qual escolheu a que serviu para abrir a porta que comunicava o escritório com um local absolutamente reservado, onde só o detetive penetrava.
Num dos cantos do aposento havia uma penteadeira, cheia de vidros e potes com pomadas. E ao lado um armário onde o detetive particular guardava perucas, barbas postiças e diversos disfarces, tudo aquilo, em suma, que poderia servir a um ator ou a alguém que desejasse mudar completamente de aspecto, graças à arte da maquilagem e do disfarce.
Ubaldo, o detetive, trancou cuidadosamente a porta por dentro e foi sentar-se diante do espelho de camarim. Inicialmente colocou na cabeça uma peruca grisalha que, pela perfeição, iludia os olhos mais atentos e desconfiados. Depois, com uma espécie de preparado cremoso e incolor, corrigiu as rugas dos olhos, que eram uma das características da sua fisionomia. E permaneceu assim por meia hora, usando truques singelos, porém hábeis, que em breve o transformaram num homem de têmporas grisalhas, uns quinze anos mais velho.
Terminou o trabalho vestindo um traje meio espalhafatoso, do tipo que usam os homens de certa idade que desejam parecer mais jovens. Sendo tal roupa totalmente diferente das que usava habitualmente. Ubaldo, o detetive particular, se tornava, assim, totalmente irreconhecível.
Depois de mirar-se no espelho; com evidente satisfação por seu trabalho de caracterização, o detetive saiu do aposento misterioso, não se esquecendo de tornar a fechar cuidadosamente a porta.

2 comentários:

  1. Mais uma vez, a turma do mal ataca, vamos ver no que vai dar dessa vez. É mais um nó nesse folhetim de tantos nós (problemas).

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  2. Paulo, sinto que Maria "Flor de Amor" corre grande perigo! Cada vez aparecem mais maus nessa história! Onde andará a pobre Maria? Vou aguardar. Bjs.

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