O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo
XXIX
DESESPERO
DE AMOR
Quando
Maria "Flor de Amor" voltou a si, passou a mão pela fronte molhada de
suor frio e imediatamente a cena da qual fora espectadora lhe voltou à mente,
com toda a sua crueza.
Novamente
a jovem se aproximou da porta entreaberta, com o coração em tumulto, e espiou
para o outro aposento. Luís Paulo e Denise já não estavam mais ali, permanecia
apenas o conde Fernando, sentado, de pernas cruzadas ensimesmado nos seus
pensamentos.
Não
conseguindo mais conter-se, ela deixou escapar um soluço e a este se seguiram
outros mais, num pranto incontido e desesperado, que lhe sacudia todo o corpo.
Depois, fora de si pela dor imensa que sentia, embora procurando apoiar-se na
maçaneta da porta, caiu de joelhos, murmurando:
-
Oh! Mas é horrível, é horrível demais!... Não é possível que a infelicidade me
persiga a esse ponto...
O
conde Fernando, vendo a porta se abrir e, Maria aparecer daquela maneira,
ergueu-se e se dispôs a socorrê-la.
-
Senhorita - exclamou, cheio de cuidado. - que aconteceu? Está passando mal? Que
está sentindo?
O
conde Fernando, em seguida, avançou em direção à jovem. Maria "Flor de
Amor" não lhe deu tempo de auxiliá-la, pois se levantou por si mesma e,
afastando-o de si com um gesto, sem o fitar no rosto, soluçou:
-
Não é nada, senhor Conde... Um mal-estar passageiro... Desculpe se o assustei.
Lamento muito.
-Mas...
Deve estar doente... Está tão pálida!
-
Sim, estou sofrendo... Mas que importância tem isso? Comecei a sofrer no dia em
que nasci. Meu coração já está marcado de tanto sofrimento! Parece que a dor é
o único sentimento que a vida tem me permitido experimentar...
Um
brilho estranho cintilava nos olhos da mocinha e por instantes Fernando temeu
que ela tivesse perdido a razão. Sentiu que um forte impulso de ternura lhe invadia
o coração e, involuntariamente, pensou: "Pobre criança, quanto deve ter
mesmo sofrido, para chegar a este estado... Parece uma menina e já em seus
olhos se pode ler a angústia de uma mulher sofredora"...
Maria"Flor
de Amor", enquanto isso, olhava à sua volta, atônita, como se buscasse
ainda o rosto amado de Luís Paulo. O conde Fernando olhava-a, indeciso. Depois,
pondo-lhe suavemente a mão no braço, disse, carinhosamente:
-
Está cheia de desespero, senhorita. Estou vendo. Quer contar-me o que aconteceu
que a deixou assim? Talvez tenha sido por culpa de alguém desta casa...
Diga-me, rogo-lhe, e se puder eu a ajudarei com o maior interesse. Não quero
ver lágrimas no dia jubiloso do casamento de minha filha!
Tudo
fazendo para dominar-se e cerrando convulsivamente os punhos, para vencer o
tremor que a agitava, Maria "Flor de Amor" respondeu:
-
O senhor é muito bondoso, senhor conde, assim como a condessinha Denise.
Ninguém me fez nada, eu lhe asseguro... É simplesmente isto: a dor faz quase
parte integrante da minha existência... É coisa que vive, em mim... Às vezes
adormece um pouco em meu coração, depois desperta de súbito e volta a me
torturar...
-
Mas não é possível! Deve haver um meio pelo qual a felicidade lhe possa ser
restituída! Diga-me, sinceramente, o que agora a entristece e desespera?
-
Peço-lhe, por favor, que não me faça esta pergunta...
-
Entendo que é meu dever insistir, com o intuito de poder ajudá-la. Confie-me
suas mágoas. Asseguro-lhe que desejo ser sinceramente seu amigo, embora só a
conheça de pouco tempo. Vamos, sente-se aqui perto de mim...
-
Os convidados o esperam, senhor conde... O casamento não pode ser celebrado sem
a sua presença...
-
Esperarão um pouco mais, não tenha dúvida. Além disso, Denise e Luís Paulo
queriam falar-se, não sei sobre que, e nem eles inclusive foram ainda para o
salão.
Maria
"Flor de Amor" não achou jeito de fugir ao pedido do conde, feito
daquele modo tão gentil e sentou-se, murmurando:
-
Como o senhor é generoso, senhor conde... Infelizmente, porém, para mim, embora
suas intenções sejam as melhores, nada poderá fazer... Para mim não existe nem
a mais remota esperança de felicidade.
E
a jovem, mais uma vez, foi sacudida por doloroso pranto, que mais e mais enchia
de pena o coração rico de bondade do conde. Erguendo-lhe com toda delicadeza o
rostinho banhado de lágrimas, ele tornou a pedir calmo:
-
Fale, senhorita. Agora você já não pode calar.
A
moça sentiu uma grande tentação de abandonar a cabecinha loura no ombro daquele
homem tão compreensivo, mas foi contida pelo respeito que tinha pelo fidalgo e,
limitando-se a aproximar-se mais um pouco dele, como em busca de calor e
proteção, disse:
-
Se assim o quer, direi tudo. Mas receio que irei causar-lhe com isso um grande
desgosto e que terei depois que deixar esta casa, onde fui recebida não como
uma empregada, mas como amiga...
-
Mesmo que assim seja, nada receie. Fale.
-
Estou apaixonada por um homem, senhor conde, um homem que representa para mim a
razão de minha própria vida...
-
E ele também a ama?
-
Disse-me que me amava, quando nos conhecemos, e acredito que tenha sido sincero
então, mas o destino nos separou e desde então eu não vivi senão para ele,
sempre com a esperança de tornar a encontrá-lo, de poder abraçá-lo novamente...
Deteve-se
um instante para enxugar os olhos num lencinho e Fernando observou:
-
Naturalmente, hoje teve notícias... De que não poderá vê-lo mais.
-
Pior do que isso... Eis o que é terrível!... Eu pensava que tinham sido as
contingências da vida que o haviam afastado de mim, mas agora sei que não foi
isso, que ele não me ama, que jamais me amou, que brincou cruelmente com o meu
coração, para atirá-lo depois para um lado, como coisa sem valor.
-
É bem triste, sim - murmurou o conde, que, ouvindo aquelas palavras, recordava
os sofrimentos de sua juventude, seu primeiro amor... A desventurosa jovem que
tanto se parecia com a que agora estava ao seu lado e que ele havia abandonado.
Certamente a pobre Marta também chorara daquele modo, com o mesmo tom de voz
infantil e doloroso...
Tomado
de súbito por uma suspeita, perguntou:
-
Senhorita, o homem que ama abandonou-a... Bem... Quero dizer... Nunca a
senhorita lhe fez concessões... Não?
Maria
"Flor de Amor" ergueu para ele os belos olhos e respondeu:
-
Oh! Não... Nunca!
-
Então, só o tempo é que poderá cicatrizar sua ferida, minha filha, posso
dizê-lo por experiência própria! Se ele já não mais a ama, nada há que, possa
fazê-lo voltar para você. Mas, a propósito, tem absoluta certeza de que ele
deixou de amá-la?
-
Infelizmente, sim...
-
E em que se baseia? Ele a maltratou? Afastou-a de si?
-
Muito mais do que isso... Ele está prestes a se casar com outra!
Fernando
levou um choque ouvindo aquelas palavras, ao mesmo tempo em que uma suspeita
lhe atravessava a mente.
-
Diga-me, senhorita, quem é esse homem?
Maria
"Flor de Amor" baixou a cabeça, como se lhe faltasse coragem para
responder, depois, sentindo sobre si os olhos interrogativos do conde,
sussurrou, como uma culpada:
-
Ele é... Luís Paulo de Rastignac!
-
Repita esse nome! - exigiu Fernando.
-
Não é preciso, senhor conde... Não se zangue comigo... Luís Paulo, o noivo de
sua filha, é o homem que me amava e que eu amo e amarei até morrer! Eis porque
eu disse que iria dar-lhe um desgosto e que teria de abandonar esta casa. Como
poderei suportar o martírio de estar vendo, a cada momento, o homem dos meus
sonhos feliz ao lado de outra?
Fernando
duvidou nesse instante se a presença de Maria no palacete seria uma advertência
divina, um aviso de que não devia permitir que se realizasse um casamento por
causa do qual, mais adiante, se haveria de arrepender. Só naquele momento lhe
veio ao pensamento a estranha atitude de Luís Paulo, naquela manhã, a sua
extrema palidez, suas mãos geladas. Que significaria tudo aquilo? Por que, se
não amava Denise, mostrava-se disposto a desposá-la? Sentindo que sua mente
vacilava, incapaz de encontrar um vislumbre de luz na treva daquele mistério, o
conde Fernando fez um esforço para afastar de si tais pensamentos.
"Deixei-me sugestionar", pensou consigo. "O sofrimento desta
pobre menina me perturbou". Maria "Flor de Amor", acabrunhada,
de cabeça baixa, parecia esperar sua condenação. Fernando, por seu lado,
refletia febrilmente, avaliando todas as eventualidades. Perguntou a si mesmo
se seria o caso de impedir, no último instante, o casamento. Mas, só de pensar
no desespero em que Denise ficaria, logo desistiu. Afinal de contas, muitos
casamentos realizados sob maus auspícios não acabavam resultando em êxito?
O
que mais o atormentava, porém, era este pensamento: teria Luís Paulo a
capacidade de esquecer a primeira mulher que amara, antes de Denise? A sombra daquela
moça não iria persegui-lo por todo o resto da existência?
Ele
próprio, anos atrás, mesmo tendo desposado a marquesa Renata, nunca deixara de
pensar em Marta e isso lhe arruinara totalmente a vida, como um lento martírio.
Não desejaria jamais que o homem que casasse com sua filha trilhasse a mesma
"via-crucis" que tão duramente conhecera.
Sentia-se
desarmado frente à jovem que tanto sofria, e sofria com ela, porque compreendia
que era, afinal, naquele instante doloroso, o árbitro da felicidade de duas
pessoas. Devia impedir o casamento de Denise que o conde acreditava ser sua
filha, ou deixar tudo como estava, e entregar ao tempo, ao correr dos anos, a
tarefa de amenizar a dor da linda "Flor de Amor"? Estranho, doloroso
dilema! E o conde, enganado pela astúcia da filha de Renata, decidiu, como
faria qualquer pai, resolvendo proteger a felicidade de Denise, deixar as
coisas como estavam e sacrificar assim aquela que era verdadeiramente sangue do
seu sangue, a pobre Maria "Flor de Amor"!
Aproximando-se
da desconsolada moça, procurando mostrar-se sereno, disse:
-
Estou certo da sinceridade do seu amor por Luís Paulo e creio que ele
certamente a amou... Noutro tempo. Mas há um detalhe que certamente lhe
escapou...
-
Eu sou uma pobretona, não é isso? - observou Maria "Flor de Amor".
-
Não, a pobreza não é um defeito, não desonra ninguém! Mas não lhe ocorreu que
Luís Pauloé um fidalgo e que, de acordo com a lei da Nobreza, é obrigado a
desposar uma mulher da sua classe social? Não digo isto para humilhá-la, veja
bem, a fidalguia, às vezes, mais que um motivo de orgulho, é um grilhão.
Maria
"Flor de Amor" se pôs de pé, deixando os braços penderem ao longo do
corpo. Seu ar doloroso de criatura vencida comoveu intensamente Fernando, que
acrescentou, já arrependido das palavras que pronunciara:
-
Não lhe quero impor minha vontade, senhorita, mas estou convencido de que, se
ama realmente, de todo o coração o rapaz, não porá obstáculos no caminho que
ele escolheu... A senhorita tem o poder de mudar este dia de júbilo em dia de
pranto e de dor. Mas, se fizer isso, que conseguirá? Destroçará meu coração de
pai, o de minha filha e colocará Luís Paulo numa situação delicada, não mais
podendo estar com seus amigos, porque eles saberão que ele esteve para desposar
uma jovem, quando já havia trocado promessas de amor com outra... Olhe aquele ramo
de rosas junto ao leito de Denise... Quer que elas murchem antes do tempo?
Basta que diga uma palavra. Mas se a súplica de um pai pode fazer com que
domine seu coração e suporte com resignação sua grande dor, sacrifique-se pelo
bem do homem que ama! Fará isso, senhorita?
Paulo, será que Luís Paulo vai se casar com Denise? Espero que ocorra algo que impeça isso. Como se trata de um folhetim, tudo pode acontecer...
ResponderExcluirPobre Fernando, sempre enganado, sacrificando mais uma vez alguém muito importante para ele! E Denise, irá conseguir casar com Luís Paulo, pois Renata ameaçou-a e ela é mesmo capaz de destruir a própria filha pra satisfazer um capricho. Para Maria "Flor de Amor" por enquanto, só sofrimento. Muito bom Paulo! Bjs.
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