domingo, 11 de novembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 29 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange



Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXIX

DESESPERO DE AMOR

Quando Maria "Flor de Amor" voltou a si, passou a mão pela fronte molhada de suor frio e imediatamente a cena da qual fora espectadora lhe voltou à mente, com toda a sua crueza.
Novamente a jovem se aproximou da porta entreaberta, com o coração em tumulto, e espiou para o outro aposento. Luís Paulo e Denise já não estavam mais ali, permanecia apenas o conde Fernando, sentado, de pernas cruzadas ensimesmado nos seus pensamentos.
Não conseguindo mais conter-se, ela deixou escapar um soluço e a este se seguiram outros mais, num pranto incontido e desesperado, que lhe sacudia todo o corpo. Depois, fora de si pela dor imensa que sentia, embora procurando apoiar-se na maçaneta da porta, caiu de joelhos, murmurando:
- Oh! Mas é horrível, é horrível demais!... Não é possível que a infelicidade me persiga a esse ponto...
O conde Fernando, vendo a porta se abrir e, Maria aparecer daquela maneira, ergueu-se e se dispôs a socorrê-la.
- Senhorita - exclamou, cheio de cuidado. - que aconteceu? Está passando mal? Que está sentindo?
O conde Fernando, em seguida, avançou em direção à jovem. Maria "Flor de Amor" não lhe deu tempo de auxiliá-la, pois se levantou por si mesma e, afastando-o de si com um gesto, sem o fitar no rosto, soluçou:
- Não é nada, senhor Conde... Um mal-estar passageiro... Desculpe se o assustei. Lamento muito.
-Mas... Deve estar doente... Está tão pálida!
- Sim, estou sofrendo... Mas que importância tem isso? Comecei a sofrer no dia em que nasci. Meu coração já está marcado de tanto sofrimento! Parece que a dor é o único sentimento que a vida tem me permitido experimentar...
Um brilho estranho cintilava nos olhos da mocinha e por instantes Fernando temeu que ela tivesse perdido a razão. Sentiu que um forte impulso de ternura lhe invadia o coração e, involuntariamente, pensou: "Pobre criança, quanto deve ter mesmo sofrido, para chegar a este estado... Parece uma menina e já em seus olhos se pode ler a angústia de uma mulher sofredora"...
Maria"Flor de Amor", enquanto isso, olhava à sua volta, atônita, como se buscasse ainda o rosto amado de Luís Paulo. O conde Fernando olhava-a, indeciso. Depois, pondo-lhe suavemente a mão no braço, disse, carinhosamente:
- Está cheia de desespero, senhorita. Estou vendo. Quer contar-me o que aconteceu que a deixou assim? Talvez tenha sido por culpa de alguém desta casa... Diga-me, rogo-lhe, e se puder eu a ajudarei com o maior interesse. Não quero ver lágrimas no dia jubiloso do casamento de minha filha!
Tudo fazendo para dominar-se e cerrando convulsivamente os punhos, para vencer o tremor que a agitava, Maria "Flor de Amor" respondeu:
- O senhor é muito bondoso, senhor conde, assim como a condessinha Denise. Ninguém me fez nada, eu lhe asseguro... É simplesmente isto: a dor faz quase parte integrante da minha existência... É coisa que vive, em mim... Às vezes adormece um pouco em meu coração, depois desperta de súbito e volta a me torturar...
- Mas não é possível! Deve haver um meio pelo qual a felicidade lhe possa ser restituída! Diga-me, sinceramente, o que agora a entristece e desespera?
- Peço-lhe, por favor, que não me faça esta pergunta...
- Entendo que é meu dever insistir, com o intuito de poder ajudá-la. Confie-me suas mágoas. Asseguro-lhe que desejo ser sinceramente seu amigo, embora só a conheça de pouco tempo. Vamos, sente-se aqui perto de mim...
- Os convidados o esperam, senhor conde... O casamento não pode ser celebrado sem a sua presença...
- Esperarão um pouco mais, não tenha dúvida. Além disso, Denise e Luís Paulo queriam falar-se, não sei sobre que, e nem eles inclusive foram ainda para o salão.
Maria "Flor de Amor" não achou jeito de fugir ao pedido do conde, feito daquele modo tão gentil e sentou-se, murmurando:
- Como o senhor é generoso, senhor conde... Infelizmente, porém, para mim, embora suas intenções sejam as melhores, nada poderá fazer... Para mim não existe nem a mais remota esperança de felicidade.
E a jovem, mais uma vez, foi sacudida por doloroso pranto, que mais e mais enchia de pena o coração rico de bondade do conde. Erguendo-lhe com toda delicadeza o rostinho banhado de lágrimas, ele tornou a pedir calmo:
- Fale, senhorita. Agora você já não pode calar.
A moça sentiu uma grande tentação de abandonar a cabecinha loura no ombro daquele homem tão compreensivo, mas foi contida pelo respeito que tinha pelo fidalgo e, limitando-se a aproximar-se mais um pouco dele, como em busca de calor e proteção, disse:
- Se assim o quer, direi tudo. Mas receio que irei causar-lhe com isso um grande desgosto e que terei depois que deixar esta casa, onde fui recebida não como uma empregada, mas como amiga...
- Mesmo que assim seja, nada receie. Fale.
- Estou apaixonada por um homem, senhor conde, um homem que representa para mim a razão de minha própria vida...
- E ele também a ama?
- Disse-me que me amava, quando nos conhecemos, e acredito que tenha sido sincero então, mas o destino nos separou e desde então eu não vivi senão para ele, sempre com a esperança de tornar a encontrá-lo, de poder abraçá-lo novamente...
Deteve-se um instante para enxugar os olhos num lencinho e Fernando observou:
- Naturalmente, hoje teve notícias... De que não poderá vê-lo mais.
- Pior do que isso... Eis o que é terrível!... Eu pensava que tinham sido as contingências da vida que o haviam afastado de mim, mas agora sei que não foi isso, que ele não me ama, que jamais me amou, que brincou cruelmente com o meu coração, para atirá-lo depois para um lado, como coisa sem valor.
- É bem triste, sim - murmurou o conde, que, ouvindo aquelas palavras, recordava os sofrimentos de sua juventude, seu primeiro amor... A desventurosa jovem que tanto se parecia com a que agora estava ao seu lado e que ele havia abandonado. Certamente a pobre Marta também chorara daquele modo, com o mesmo tom de voz infantil e doloroso...
Tomado de súbito por uma suspeita, perguntou:
- Senhorita, o homem que ama abandonou-a... Bem... Quero dizer... Nunca a senhorita lhe fez concessões... Não?
Maria "Flor de Amor" ergueu para ele os belos olhos e respondeu:
- Oh! Não... Nunca!
- Então, só o tempo é que poderá cicatrizar sua ferida, minha filha, posso dizê-lo por experiência própria! Se ele já não mais a ama, nada há que, possa fazê-lo voltar para você. Mas, a propósito, tem absoluta certeza de que ele deixou de amá-la?
- Infelizmente, sim...
- E em que se baseia? Ele a maltratou? Afastou-a de si?
- Muito mais do que isso... Ele está prestes a se casar com outra!
Fernando levou um choque ouvindo aquelas palavras, ao mesmo tempo em que uma suspeita lhe atravessava a mente.
- Diga-me, senhorita, quem é esse homem?
Maria "Flor de Amor" baixou a cabeça, como se lhe faltasse coragem para responder, depois, sentindo sobre si os olhos interrogativos do conde, sussurrou, como uma culpada:
- Ele é... Luís Paulo de Rastignac!
- Repita esse nome! - exigiu Fernando.
- Não é preciso, senhor conde... Não se zangue comigo... Luís Paulo, o noivo de sua filha, é o homem que me amava e que eu amo e amarei até morrer! Eis porque eu disse que iria dar-lhe um desgosto e que teria de abandonar esta casa. Como poderei suportar o martírio de estar vendo, a cada momento, o homem dos meus sonhos feliz ao lado de outra?
Fernando duvidou nesse instante se a presença de Maria no palacete seria uma advertência divina, um aviso de que não devia permitir que se realizasse um casamento por causa do qual, mais adiante, se haveria de arrepender. Só naquele momento lhe veio ao pensamento a estranha atitude de Luís Paulo, naquela manhã, a sua extrema palidez, suas mãos geladas. Que significaria tudo aquilo? Por que, se não amava Denise, mostrava-se disposto a desposá-la? Sentindo que sua mente vacilava, incapaz de encontrar um vislumbre de luz na treva daquele mistério, o conde Fernando fez um esforço para afastar de si tais pensamentos. "Deixei-me sugestionar", pensou consigo. "O sofrimento desta pobre menina me perturbou". Maria "Flor de Amor", acabrunhada, de cabeça baixa, parecia esperar sua condenação. Fernando, por seu lado, refletia febrilmente, avaliando todas as eventualidades. Perguntou a si mesmo se seria o caso de impedir, no último instante, o casamento. Mas, só de pensar no desespero em que Denise ficaria, logo desistiu. Afinal de contas, muitos casamentos realizados sob maus auspícios não acabavam resultando em êxito?
O que mais o atormentava, porém, era este pensamento: teria Luís Paulo a capacidade de esquecer a primeira mulher que amara, antes de Denise? A sombra daquela moça não iria persegui-lo por todo o resto da existência?
Ele próprio, anos atrás, mesmo tendo desposado a marquesa Renata, nunca deixara de pensar em Marta e isso lhe arruinara totalmente a vida, como um lento martírio. Não desejaria jamais que o homem que casasse com sua filha trilhasse a mesma "via-crucis" que tão duramente conhecera.
Sentia-se desarmado frente à jovem que tanto sofria, e sofria com ela, porque compreendia que era, afinal, naquele instante doloroso, o árbitro da felicidade de duas pessoas. Devia impedir o casamento de Denise que o conde acreditava ser sua filha, ou deixar tudo como estava, e entregar ao tempo, ao correr dos anos, a tarefa de amenizar a dor da linda "Flor de Amor"? Estranho, doloroso dilema! E o conde, enganado pela astúcia da filha de Renata, decidiu, como faria qualquer pai, resolvendo proteger a felicidade de Denise, deixar as coisas como estavam e sacrificar assim aquela que era verdadeiramente sangue do seu sangue, a pobre Maria "Flor de Amor"!
Aproximando-se da desconsolada moça, procurando mostrar-se sereno, disse:
- Estou certo da sinceridade do seu amor por Luís Paulo e creio que ele certamente a amou... Noutro tempo. Mas há um detalhe que certamente lhe escapou...
- Eu sou uma pobretona, não é isso? - observou Maria "Flor de Amor".
- Não, a pobreza não é um defeito, não desonra ninguém! Mas não lhe ocorreu que Luís Pauloé um fidalgo e que, de acordo com a lei da Nobreza, é obrigado a desposar uma mulher da sua classe social? Não digo isto para humilhá-la, veja bem, a fidalguia, às vezes, mais que um motivo de orgulho, é um grilhão.
Maria "Flor de Amor" se pôs de pé, deixando os braços penderem ao longo do corpo. Seu ar doloroso de criatura vencida comoveu intensamente Fernando, que acrescentou, já arrependido das palavras que pronunciara:
- Não lhe quero impor minha vontade, senhorita, mas estou convencido de que, se ama realmente, de todo o coração o rapaz, não porá obstáculos no caminho que ele escolheu... A senhorita tem o poder de mudar este dia de júbilo em dia de pranto e de dor. Mas, se fizer isso, que conseguirá? Destroçará meu coração de pai, o de minha filha e colocará Luís Paulo numa situação delicada, não mais podendo estar com seus amigos, porque eles saberão que ele esteve para desposar uma jovem, quando já havia trocado promessas de amor com outra... Olhe aquele ramo de rosas junto ao leito de Denise... Quer que elas murchem antes do tempo? Basta que diga uma palavra. Mas se a súplica de um pai pode fazer com que domine seu coração e suporte com resignação sua grande dor, sacrifique-se pelo bem do homem que ama! Fará isso, senhorita?

2 comentários:

  1. Paulo, será que Luís Paulo vai se casar com Denise? Espero que ocorra algo que impeça isso. Como se trata de um folhetim, tudo pode acontecer...

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  2. Pobre Fernando, sempre enganado, sacrificando mais uma vez alguém muito importante para ele! E Denise, irá conseguir casar com Luís Paulo, pois Renata ameaçou-a e ela é mesmo capaz de destruir a própria filha pra satisfazer um capricho. Para Maria "Flor de Amor" por enquanto, só sofrimento. Muito bom Paulo! Bjs.

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