O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo
XXX
EXPULSA
DO PALACETE!
Maria
"Flor de Amor", com os lábios a tremer e o semblante molhado de
lágrimas, era a imagem da desolação. Não encontrava coragem nem força para
responder à pergunta do conde Fernando e só fazia chorar, desesperadamente. O
nobre, num instintivo gesto paternal, passou um dos braços pelos ombros da
jovem, sacudidos pelos soluços.
- Não se
desespere assim, minha filha... - suplicou. - Dói-me vê-la neste estado.
Diga-me o que quer, o que posso fazer por você e será atendida.
O conde
receava que a grande dor, aquele enorme sofrimento, manifestado de forma tão diferente
da que seria usada, com histerismo, por outras mulheres, pudesse arruinar a
vida da moça. Sabendo, porém, que todas as mulheres, e mesmo as mais virtuosas,
têm sempre um pouco de ambição, disse, numa tentativa para acalmá-la:
- A
senhorita é modista, não é verdade?
- Sim,
sou ajudante...
- Pois
bem, que diria se eu lhe oferecesse uma grande casa de modas, na cidade? Um
magnífico "atelier", que fosse frequentado por todas as damas da alta
sociedade? Diga-me: isso lhe agrada? Não precisaria mais trabalhar duramente
para viver, seria a dona do estabelecimento, a chefe, rica e com um grupo de
empregados às suas ordens...
A oferta
era verdadeiramente tentadora, e até mesmo um tanto principesca!
E o conde
Fernando que, como todo homem rico, conhecia e apreciava o valor do dinheiro,
estava certo de que seria acolhida com satisfação. Por sua parte, estava
disposto a investir prazerosamente um dinheiro que iria servir, afinal de
contas, para consolidar seu desejo de ver Denise feliz.
Estava,
por isso, esperando com um sorriso amável nos lábios e já certo de ter achado
um caminho para convencer a jovem a renunciar ao homem amado, quando esta,
olhando-o com firmeza, ainda com os olhos molhados de lágrimas, exclamou:
- O
senhor me oferece riqueza, êxito... Mas de que me servirá isso, que valor terá
tudo o que eu obtenha sem Luís Paulo a meu lado? Não servirá para nada! Nada!
O conde
Fernando sentiu um arrepio lhe percorrer a espinha e fitou, cheio de
estarrecimento, a frágil mocinha.
- Mas...
Menina... Não percebeu bem o valor, a importância da oferta que lhe fiz? Ou
será que imagina que não cumprirei minha palavra?
-
Absolutamente, avalio perfeitamente, senhor conde... Mas, se tem ainda alguma
consideração por mim, por favor, não repita essa oferta.
O tom
decidido da recusa da Maria "Flor de Amor" fez com que o fidalgo
desistisse do desejo que sentia de opor uma barreira àquele amor, tão elevado e
sublime.
Corando
levemente, pela visível repulsa que provocara, murmurou:
-
Diga-me, então, o que deseja de mim?
Por um
instante, a jovem pareceu vibrar sob o impulso da paixão que a dominava.
Tomando entre as suas, uma das mãos do conde Fernando, suplicou:
- Que me
seja permitido falar com Luís Paulo, antes que se realize a cerimônia...
- Mas,
senhorita, ele está com minha filha! Não é possível...
- Só por
alguns minutos, eu lhe suplico!
- Como
poderei fazer isso? Não sei como justificar o pedido, perante os convidados,
perante Denise...
Realmente,
o conde não sabia como devia agir. Não tinha coração para recusar um favor
àquela menina extraordinária e chorosa que, com o raro desprendimento de que
dera prova, conquistara inteiramente sua estima e sua admiração. Mas, ao mesmo
tempo, sabia que era enorme a dificuldade que teria de enfrentar para
satisfazê-la. Por outro lado, receava que, cedendo àquele pedido, comprometesse
aquilo por que tanto havia combatido até então: a felicidade de sua filha.
Como ter
certeza de que, tornando a encontrar a moça, Luís Paulo não cedesse à antiga
paixão que, como ele próprio havia constatado pouco antes, ainda lhe ocupava o
coração? E o resultado de sua condescendência, não motivaria um escândalo do
qual se envergonhasse para o futuro? Ele, o conde Fernando, o pai da noiva,
solicitar um encontro de Luís Paulo com outra mulher, justamente alguns minutos
antes da cerimônia do casamento? Seria inaudito!
- Espere
ao menos que eles voltem da igreja - pediu, enquanto Maria "Flor de
Amor" o fitava em suspenso.
- Mas,
senhor conde, não compreende? Então será demasiado tarde!
Fernando
levou as mãos às têmporas, temendo enlouquecer. Naquele momento, o mordomo
bateu à porta e disse, sem penetrar no aposento:
- Senhor
conde, lá embaixo reclamam sua presença. O senhor está sendo esperado.
- Diga
que já descerei - respondeu Fernando, recuperando-se e passando o lenço pela
fronte molhada de suor. Depois, disse a Maria, que esperava trêmula,
agitadíssima:
- Espere
aqui. Farei o que for possível para atender ao seu pedido. Aconteça o que
acontecer!
Quando a
porta se fechou às suas costas, Maria "Flor de Amor", como que
inibida, permaneceu longo tempo a olhar para si mesma.
Atenderia
Luís Paulo ao seu chamado desesperado, ou os sinos da igrejinha, anunciando o
fim da cerimônia, iriam destruir com seus repiques festivos, dentro em pouco,
sua esperança e talvez sua própria vida?
Cambaleando,
tal era a angústia que a dominava, Maria "Flor de Amor" se aproximou
de uma das janelas e olhou para fora, onde estavam enfileiradas as carruagens
dos convidados.
Um tapete
de veludo vermelho fora estendido sobre a escadaria que conduzia à entrada
principal do palacete e ao lado desta haviam disposto dezenas de vasos com
flores, cujo perfume alcançava até o ponto onde ela se encontrava, mergulhada em lágrimas. A brisa que
soprava do poente lhe refrescou o rosto, proporcionando-lhe uma agradável
sensação e permitindo que se distendesse um pouco.
Procurando
acalmar-se, fez um esforço para pôr em ordem as próprias ideias. Por um
instante se arrependeu de haver quase forçado o conde Fernando a aceitar que
Luís Paulo viesse ter com ela. Que lhe diria, que lhe pediria, quando estivesse
um diante do outro? Que iria fazer?
A dura
realidade era que ele estava prestes a casar-se e isso, afinal significaria que
Luís Paulo não mais a amava? Que a esqueceu, apaixonando-se por Denise? E se
por acaso continuava a amá-la, não deveria impedir que ele casasse sem amor,
arruinando sua felicidade? Não, não devia conformar-se a perder o homem que
amava! Em consequência de sua visita noturna ao velho Dagoberto, médium e
vidente, em cuja casa passou toda uma noite quando fugiu da fazenda de
Leopoldo, agora sabia que ela não era filha de Ernesto de Rastignac. Evocado
por Dagoberto, o espírito do barão respondera negativamente. Nunca teve uma
filha, apenas um filho, Luís Paulo, seu herdeiro. E Maria "Flor de
Amor" agora precisava saber, escutando dos próprios lábios de Luís Paulo
se ele continuava amando-a, ou se seu amor desvanecera-se totalmente no seu
coração.
Maria
"Flor de Amor" olhou para o relógio que estava sobre a pedra de
mármore de uma "console". Faltavam apenas quinze minutos para o
início da cerimônia nupcial na igreja em que Denise e Luís Paulo deviam casar.
Por que
Luís Paulo não veio ao seu encontro? Por que, ao menos, o conde Fernando não
dava sinal? Teria, de propósito, deixado "Flor de Amor" encerrada
naquela sala, para que ela não pudesse se aproximar do homem que era para ela
toda a sua vida e todo o seu amor?
Súbito,
teve a impressão de ouvir um ruído, o rumor de muitas vozes em conjunto que lhe
chegavam do parque. Permaneceu imóvel, com o coração a bater furiosamente, o
olhar distante. Incapaz de refletir, de pensar, abriu a vidraça da sacada,
inclinou-se e olhou para baixo. O que viu lhe gelou o sangue nas veias!
O conde
Fernando, tendo Denise pelo braço, já havia percorrido, em quase todo o seu
comprimento, o tapete vermelho, em direção a carruagem de gala, que os levaria,
a cuja porta, um lacaio, os aguardava respeitosamente inclinado. Logo atrás de
Fernando e de Denise ia Luís Paulo, de cabeça baixa, e ao seu braço se apoiava
uma velha senhora toda coberta de jóias, que Maria "Flor de Amor" não
sabia quem era. Os convidados, a fina flor da nobreza de Nova Orleans, em fila,
seguiam os noivos.
Maria
"Flor de Amor" viu que o conde e a filha entravam na carruagem dos
noivos. Deu-se imediatamente conta de que, se não agisse com rapidez, tudo
estaria perdido para ela!
Permaneceu
ainda uns segundos imóvel, indecisa sobre o que faria. Depois, como uma louca,
afastou-se da sacada e se precipitou para a porta da sala. Agarrou a maçaneta
com a mãozinha trêmula, puxou-a violentamente para si, com a força do
desespero. Um grito rouco, estrangulado, lhe escapou do peito, a porta estava
trancada por fora! Levou a mão à cabeça, temendo perder a razão, enquanto a
surpresa e a angústia a imobilizavam.
O ruído
das rodas das pesadas carruagens que se afastavam lhe chegou aos ouvidos,
restituindo-lhe a energia momentaneamente perdida. Quase correndo, voltou para
junto da sacada, ainda teve tempo de ver o vulto de Luís Paulo, a se introduzir
no interior do veículo. Quis chamá-lo, gritar a sua dor, seu desespero, mas a
emoção que dela se apoderara era tal que, por mais força que fizesse, da
garganta só lhe saíam débeis lamentos.
Sentindo-se
desfalecer, receou morrer ali mesmo e fechou os olhos, vencida pela impiedade
dos acontecimentos.
Quando os
reabriu, as carruagens já deixavam o jardim. A pobre Maria "Flor de
Amor", agora, não tinha mais qualquer possibilidade de deter a marcha do
destino!
Prisioneira
no palacete, ela deveria aceitar com resignação que o amor de Luís Paulo lhe
fosse roubado por uma rival que tinha tudo, enquanto ela só tinha aquela sua
primeira e única paixão?
O vazio
sob a sacada fez com que sua mente febril experimentasse uma vertigem,
dando-lhe a impressão de que o tapete vermelho da entrada do palacete oscilava,
movimentando-se feito uma serpente, como se quisesse rastejar pelo muro até
chegar onde ela estava.
Mais um
segundo daquela alucinação e o corpo da jovem teria ultrapassado a balaustrada,
indo estatelar-se lá embaixo, contra o chão.
Porém,
nesse momento crítico, em que ela estava para sofrer uma queda que seria
mortal, um ruído seco despertou sua atenção, trazendo-a de volta à realidade, a
chave da porta estava sendo movida dentro da fechadura. Aquele simples,
insignificante fato lhe salvou a vida.
A porta
se abriu e o mordomo penetrou na sala.
- O
senhor conde mandou-me pedir desculpas à senhorita por não ter podido atender
ao seu desejo - disse o empregado, acrescentando constrangido. - Disse o senhor
conde que, no último instante pensou na filha, que nunca o perdoaria se a
senhorita interviesse entre ela e seu noivo, com quem deve estar para casar
neste momento.
- E que
mais deve o senhor dizer-me da parte do conde Fernando?
O velho
servidor olhou a jovem nos olhos, como se compreendesse o drama interior que a
agitava. Conhecia Maria "Flor de Amor" de muito pouco, desde quando
ela entrara para o serviço da filha de Renata Duplessis, mas logo sentira por
ela uma grande simpatia, vendo-a tão boa e tão meiga, no trato com todos.
- O
patrão disse que... Depois do que aconteceu, a senhorita não mais poderá
permanecer no palacete... Pede muitas desculpas, mas acha que a senhorita
compreenderá perfeitamente!
- Claro
que compreendo... - murmurou Maria "Flor de Amor" - Não ficaria aqui nem
mesmo que ele me pedisse.
O mordomo
se aproximou dela e falou:
-
Senhorita, todos nós neste palacete apreciávamos as suas ótimas qualidades e
lhe queremos bem, não compreendemos os motivos que levaram o senhor conde a
agir desta maneira, Asseguro-lhe, porém, que todos nós a recordaremos sempre
como a mais bela e bondosa criatura que conhecemos!
- Muito
obrigada! - disse profundamente comovida Maria "Flor de Amor".
Em
seguida, o mordomo retirou de uma bandeja de prata um envelope, que entregou à
moça.
Por um
momento, Maria "Flor de Amor" imaginou que ali houvesse um bilhete de
Luís Paulo, pretendendo justificasse.
Seu
coração começou a bater mais forte e, com mãos trêmulas, abriu o envelope e
examinou o conteúdo.
Um soluço
abafado lhe escapou do peito. Dentro encontrou um cheque e o valor deste seria
capaz de fazer feliz qualquer pessoa. Não, porém, a Maria "Flor de Amor"!
Não era dinheiro o que para ela representava a felicidade!
Que lhe
adiantaria ser rica, elegante, invejada, sem Luís Paulo ao seu lado? De que lhe
serviria todo aquele dinheiro? Fernando talvez esperasse que a jovem, se
consolaria e que encontraria na riqueza a tranquilidade que agora lhe faltava.
Aquele
valoroso cheque, porém, ao contrário, parecia à Maria "Flor de Amor"
uma afronta à sua dignidade de mulher. Nervosamente, Maria "Flor de
Amor", com mãos trêmulas, tornou a colocar o cheque dentro do envelope,
devolvendo-o ao mordomo e dizendo:
- Fique
com ele, eu não posso aceitar... Dinheiro!
Ela
falava como se a perda do homem de sua vida não pudesse ser indenizada nem com
milhões!...
-
Senhorita! - exclamou, estarrecido Pedro, o mordomo. - Por que não aceita isto?
Uma quantia dessas! Não estou entendendo... Trabalhei trinta anos e apenas
consegui guardar para minha velhice a vigésima parte do que contém este cheque.
- Porque
as lágrimas e a dor do coração de uma mulher não têm preço!... - gritou
"Flor de Amor" fora de si. - Oh, mas o senhor não pode compreender! O
senhor é homem, é igual a todos os outros... Vá-se embora, vá! Deixe-me
sozinha!
Aquela
exaltada amargura impressionou mais ainda o velho Pedro que, encabulado e
triste, retrucou:
- Não
quis ofendê-la... Gosto da senhorita... Quis dizer apenas que em todos estes
anos de minha vida de trabalho, nunca lidei com tanto dinheiro e que recusar
tão elevada dádiva... Parece-me um pecado... Foi só isso...
O velho
mordomo sofria, e nem ele mesmo sabia o porquê. O espetáculo daquela bela loura
jovem, banhada em lágrimas, o enternecia.
Ele
quisera poder fazer algo para aliviar a sua dor, mas não sabia o quê.
Maria
"Flor de Amor", por sua vez, arrependida de ter derramado sobre o
velho todo o seu dissabor, chegou-se a ele, enxugando os olhos com o lenço que
o velho, num gesto instintivo e quase paternal, lhe estendera.
- O senhor
não tem culpa de nada, senhor Pedro... Desculpe-me... O senhor é bom.
Um
pensamento repentino lhe atravessou a mente e ela acrescentou:
- O
senhor disse que trabalha há trinta anos, tentando fazer economias? Pois bem...
Fique com este dinheiro. Fique com ele e poderá viver em paz a vida que Deus
ainda lhe conceder. Será como se eu o tivesse aceitado. Terei, pelo menos, o
consolo de ter praticado uma boa ação, de ter feito o bem a alguém, neste
palacete que nunca esquecerei!
Pedro
baixou a cabeça, olhando o envelope que conservava na mão, incrédulo, abalado.
- Mas... Eu
não posso... - balbuciou. - É demais... É quase uma fortuna...
Maria
"Flor de Amor", sem olhar para o emocionado mordomo incapaz de
refletir direito ante aquela riqueza que lhe caía literalmente nas mãos,
apanhou sua bolsa e se encaminhou para a saída. Deteve-se um instante e depois
olhando para o velho servidor do conde, com todo o carinho que não tivera
oportunidade de ter para com seu pai que não conhecera, ela voltou sobre seus
passos e fez-lhe uma leve carícia no rosto. Uma carícia cheia de doçura, que
era a expressão de toda a ternura que ainda havia no seu coração. Quando Pedro
voltou a si do espanto, a jovem não mais estava na sala.
Paulo, desconfio que Maria "Flor de Amor" não conseguiu falar com Luís Paulo para impedir o casamento, mas Denise também não vai casar com ele, pois a tal "velha senhora toda coberta de jóias" desconfio que seja Renata, pra atrapalhar os planos da filha rsrsrs. Vou aguardar pra ver. Muito bom! Bjs.
ResponderExcluirSó em folhetim para alguém trocar dinheiro por amor. kkkkkkkkk. Mas está muito legal...
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