quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 30 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange



Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXX

EXPULSA DO PALACETE!

Maria "Flor de Amor", com os lábios a tremer e o semblante molhado de lágrimas, era a imagem da desolação. Não encontrava coragem nem força para responder à pergunta do conde Fernando e só fazia chorar, desesperadamente. O nobre, num instintivo gesto paternal, passou um dos braços pelos ombros da jovem, sacudidos pelos soluços.
- Não se desespere assim, minha filha... - suplicou. - Dói-me vê-la neste estado. Diga-me o que quer, o que posso fazer por você e será atendida.
O conde receava que a grande dor, aquele enorme sofrimento, manifestado de forma tão diferente da que seria usada, com histerismo, por outras mulheres, pudesse arruinar a vida da moça. Sabendo, porém, que todas as mulheres, e mesmo as mais virtuosas, têm sempre um pouco de ambição, disse, numa tentativa para acalmá-la:
- A senhorita é modista, não é verdade?
- Sim, sou ajudante...
- Pois bem, que diria se eu lhe oferecesse uma grande casa de modas, na cidade? Um magnífico "atelier", que fosse frequentado por todas as damas da alta sociedade? Diga-me: isso lhe agrada? Não precisaria mais trabalhar duramente para viver, seria a dona do estabelecimento, a chefe, rica e com um grupo de empregados às suas ordens...
A oferta era verdadeiramente tentadora, e até mesmo um tanto principesca!
E o conde Fernando que, como todo homem rico, conhecia e apreciava o valor do dinheiro, estava certo de que seria acolhida com satisfação. Por sua parte, estava disposto a investir prazerosamente um dinheiro que iria servir, afinal de contas, para consolidar seu desejo de ver Denise feliz.
Estava, por isso, esperando com um sorriso amável nos lábios e já certo de ter achado um caminho para convencer a jovem a renunciar ao homem amado, quando esta, olhando-o com firmeza, ainda com os olhos molhados de lágrimas, exclamou:
- O senhor me oferece riqueza, êxito... Mas de que me servirá isso, que valor terá tudo o que eu obtenha sem Luís Paulo a meu lado? Não servirá para nada! Nada!
O conde Fernando sentiu um arrepio lhe percorrer a espinha e fitou, cheio de estarrecimento, a frágil mocinha.
- Mas... Menina... Não percebeu bem o valor, a importância da oferta que lhe fiz? Ou será que imagina que não cumprirei minha palavra?
- Absolutamente, avalio perfeitamente, senhor conde... Mas, se tem ainda alguma consideração por mim, por favor, não repita essa oferta.
O tom decidido da recusa da Maria "Flor de Amor" fez com que o fidalgo desistisse do desejo que sentia de opor uma barreira àquele amor, tão elevado e sublime.
Corando levemente, pela visível repulsa que provocara, murmurou:
- Diga-me, então, o que deseja de mim?
Por um instante, a jovem pareceu vibrar sob o impulso da paixão que a dominava. Tomando entre as suas, uma das mãos do conde Fernando, suplicou:
- Que me seja permitido falar com Luís Paulo, antes que se realize a cerimônia...
- Mas, senhorita, ele está com minha filha! Não é possível...
- Só por alguns minutos, eu lhe suplico!
- Como poderei fazer isso? Não sei como justificar o pedido, perante os convidados, perante Denise...
Realmente, o conde não sabia como devia agir. Não tinha coração para recusar um favor àquela menina extraordinária e chorosa que, com o raro desprendimento de que dera prova, conquistara inteiramente sua estima e sua admiração. Mas, ao mesmo tempo, sabia que era enorme a dificuldade que teria de enfrentar para satisfazê-la. Por outro lado, receava que, cedendo àquele pedido, comprometesse aquilo por que tanto havia combatido até então: a felicidade de sua filha.
Como ter certeza de que, tornando a encontrar a moça, Luís Paulo não cedesse à antiga paixão que, como ele próprio havia constatado pouco antes, ainda lhe ocupava o coração? E o resultado de sua condescendência, não motivaria um escândalo do qual se envergonhasse para o futuro? Ele, o conde Fernando, o pai da noiva, solicitar um encontro de Luís Paulo com outra mulher, justamente alguns minutos antes da cerimônia do casamento? Seria inaudito!
- Espere ao menos que eles voltem da igreja - pediu, enquanto Maria "Flor de Amor" o fitava em suspenso.
- Mas, senhor conde, não compreende? Então será demasiado tarde!
Fernando levou as mãos às têmporas, temendo enlouquecer. Naquele momento, o mordomo bateu à porta e disse, sem penetrar no aposento:
- Senhor conde, lá embaixo reclamam sua presença. O senhor está sendo esperado.
- Diga que já descerei - respondeu Fernando, recuperando-se e passando o lenço pela fronte molhada de suor. Depois, disse a Maria, que esperava trêmula, agitadíssima:
- Espere aqui. Farei o que for possível para atender ao seu pedido. Aconteça o que acontecer!
Quando a porta se fechou às suas costas, Maria "Flor de Amor", como que inibida, permaneceu longo tempo a olhar para si mesma.
Atenderia Luís Paulo ao seu chamado desesperado, ou os sinos da igrejinha, anunciando o fim da cerimônia, iriam destruir com seus repiques festivos, dentro em pouco, sua esperança e talvez sua própria vida?
Cambaleando, tal era a angústia que a dominava, Maria "Flor de Amor" se aproximou de uma das janelas e olhou para fora, onde estavam enfileiradas as carruagens dos convidados.
Um tapete de veludo vermelho fora estendido sobre a escadaria que conduzia à entrada principal do palacete e ao lado desta haviam disposto dezenas de vasos com flores, cujo perfume alcançava até o ponto onde ela se encontrava, mergulhada em lágrimas. A brisa que soprava do poente lhe refrescou o rosto, proporcionando-lhe uma agradável sensação e permitindo que se distendesse um pouco.
Procurando acalmar-se, fez um esforço para pôr em ordem as próprias ideias. Por um instante se arrependeu de haver quase forçado o conde Fernando a aceitar que Luís Paulo viesse ter com ela. Que lhe diria, que lhe pediria, quando estivesse um diante do outro? Que iria fazer?
A dura realidade era que ele estava prestes a casar-se e isso, afinal significaria que Luís Paulo não mais a amava? Que a esqueceu, apaixonando-se por Denise? E se por acaso continuava a amá-la, não deveria impedir que ele casasse sem amor, arruinando sua felicidade? Não, não devia conformar-se a perder o homem que amava! Em consequência de sua visita noturna ao velho Dagoberto, médium e vidente, em cuja casa passou toda uma noite quando fugiu da fazenda de Leopoldo, agora sabia que ela não era filha de Ernesto de Rastignac. Evocado por Dagoberto, o espírito do barão respondera negativamente. Nunca teve uma filha, apenas um filho, Luís Paulo, seu herdeiro. E Maria "Flor de Amor" agora precisava saber, escutando dos próprios lábios de Luís Paulo se ele continuava amando-a, ou se seu amor desvanecera-se totalmente no seu coração.
Maria "Flor de Amor" olhou para o relógio que estava sobre a pedra de mármore de uma "console". Faltavam apenas quinze minutos para o início da cerimônia nupcial na igreja em que Denise e Luís Paulo deviam casar.
Por que Luís Paulo não veio ao seu encontro? Por que, ao menos, o conde Fernando não dava sinal? Teria, de propósito, deixado "Flor de Amor" encerrada naquela sala, para que ela não pudesse se aproximar do homem que era para ela toda a sua vida e todo o seu amor?
Súbito, teve a impressão de ouvir um ruído, o rumor de muitas vozes em conjunto que lhe chegavam do parque. Permaneceu imóvel, com o coração a bater furiosamente, o olhar distante. Incapaz de refletir, de pensar, abriu a vidraça da sacada, inclinou-se e olhou para baixo. O que viu lhe gelou o sangue nas veias!
O conde Fernando, tendo Denise pelo braço, já havia percorrido, em quase todo o seu comprimento, o tapete vermelho, em direção a carruagem de gala, que os levaria, a cuja porta, um lacaio, os aguardava respeitosamente inclinado. Logo atrás de Fernando e de Denise ia Luís Paulo, de cabeça baixa, e ao seu braço se apoiava uma velha senhora toda coberta de jóias, que Maria "Flor de Amor" não sabia quem era. Os convidados, a fina flor da nobreza de Nova Orleans, em fila, seguiam os noivos.
Maria "Flor de Amor" viu que o conde e a filha entravam na carruagem dos noivos. Deu-se imediatamente conta de que, se não agisse com rapidez, tudo estaria perdido para ela!
Permaneceu ainda uns segundos imóvel, indecisa sobre o que faria. Depois, como uma louca, afastou-se da sacada e se precipitou para a porta da sala. Agarrou a maçaneta com a mãozinha trêmula, puxou-a violentamente para si, com a força do desespero. Um grito rouco, estrangulado, lhe escapou do peito, a porta estava trancada por fora! Levou a mão à cabeça, temendo perder a razão, enquanto a surpresa e a angústia a imobilizavam.
O ruído das rodas das pesadas carruagens que se afastavam lhe chegou aos ouvidos, restituindo-lhe a energia momentaneamente perdida. Quase correndo, voltou para junto da sacada, ainda teve tempo de ver o vulto de Luís Paulo, a se introduzir no interior do veículo. Quis chamá-lo, gritar a sua dor, seu desespero, mas a emoção que dela se apoderara era tal que, por mais força que fizesse, da garganta só lhe saíam débeis lamentos.
Sentindo-se desfalecer, receou morrer ali mesmo e fechou os olhos, vencida pela impiedade dos acontecimentos.
Quando os reabriu, as carruagens já deixavam o jardim. A pobre Maria "Flor de Amor", agora, não tinha mais qualquer possibilidade de deter a marcha do destino!
Prisioneira no palacete, ela deveria aceitar com resignação que o amor de Luís Paulo lhe fosse roubado por uma rival que tinha tudo, enquanto ela só tinha aquela sua primeira e única paixão?
O vazio sob a sacada fez com que sua mente febril experimentasse uma vertigem, dando-lhe a impressão de que o tapete vermelho da entrada do palacete oscilava, movimentando-se feito uma serpente, como se quisesse rastejar pelo muro até chegar onde ela estava.
Mais um segundo daquela alucinação e o corpo da jovem teria ultrapassado a balaustrada, indo estatelar-se lá embaixo, contra o chão.
Porém, nesse momento crítico, em que ela estava para sofrer uma queda que seria mortal, um ruído seco despertou sua atenção, trazendo-a de volta à realidade, a chave da porta estava sendo movida dentro da fechadura. Aquele simples, insignificante fato lhe salvou a vida.
A porta se abriu e o mordomo penetrou na sala.
- O senhor conde mandou-me pedir desculpas à senhorita por não ter podido atender ao seu desejo - disse o empregado, acrescentando constrangido. - Disse o senhor conde que, no último instante pensou na filha, que nunca o perdoaria se a senhorita interviesse entre ela e seu noivo, com quem deve estar para casar neste momento.
- E que mais deve o senhor dizer-me da parte do conde Fernando?
O velho servidor olhou a jovem nos olhos, como se compreendesse o drama interior que a agitava. Conhecia Maria "Flor de Amor" de muito pouco, desde quando ela entrara para o serviço da filha de Renata Duplessis, mas logo sentira por ela uma grande simpatia, vendo-a tão boa e tão meiga, no trato com todos.
- O patrão disse que... Depois do que aconteceu, a senhorita não mais poderá permanecer no palacete... Pede muitas desculpas, mas acha que a senhorita compreenderá perfeitamente!
- Claro que compreendo... - murmurou Maria "Flor de Amor" - Não ficaria aqui nem mesmo que ele me pedisse.
O mordomo se aproximou dela e falou:
- Senhorita, todos nós neste palacete apreciávamos as suas ótimas qualidades e lhe queremos bem, não compreendemos os motivos que levaram o senhor conde a agir desta maneira, Asseguro-lhe, porém, que todos nós a recordaremos sempre como a mais bela e bondosa criatura que conhecemos!
- Muito obrigada! - disse profundamente comovida Maria "Flor de Amor".
Em seguida, o mordomo retirou de uma bandeja de prata um envelope, que entregou à moça.
Por um momento, Maria "Flor de Amor" imaginou que ali houvesse um bilhete de Luís Paulo, pretendendo justificasse.
Seu coração começou a bater mais forte e, com mãos trêmulas, abriu o envelope e examinou o conteúdo.
Um soluço abafado lhe escapou do peito. Dentro encontrou um cheque e o valor deste seria capaz de fazer feliz qualquer pessoa. Não, porém, a Maria "Flor de Amor"! Não era dinheiro o que para ela representava a felicidade!
Que lhe adiantaria ser rica, elegante, invejada, sem Luís Paulo ao seu lado? De que lhe serviria todo aquele dinheiro? Fernando talvez esperasse que a jovem, se consolaria e que encontraria na riqueza a tranquilidade que agora lhe faltava.
Aquele valoroso cheque, porém, ao contrário, parecia à Maria "Flor de Amor" uma afronta à sua dignidade de mulher. Nervosamente, Maria "Flor de Amor", com mãos trêmulas, tornou a colocar o cheque dentro do envelope, devolvendo-o ao mordomo e dizendo:
- Fique com ele, eu não posso aceitar... Dinheiro!
Ela falava como se a perda do homem de sua vida não pudesse ser indenizada nem com milhões!...
- Senhorita! - exclamou, estarrecido Pedro, o mordomo. - Por que não aceita isto? Uma quantia dessas! Não estou entendendo... Trabalhei trinta anos e apenas consegui guardar para minha velhice a vigésima parte do que contém este cheque.
- Porque as lágrimas e a dor do coração de uma mulher não têm preço!... - gritou "Flor de Amor" fora de si. - Oh, mas o senhor não pode compreender! O senhor é homem, é igual a todos os outros... Vá-se embora, vá! Deixe-me sozinha!
Aquela exaltada amargura impressionou mais ainda o velho Pedro que, encabulado e triste, retrucou:
- Não quis ofendê-la... Gosto da senhorita... Quis dizer apenas que em todos estes anos de minha vida de trabalho, nunca lidei com tanto dinheiro e que recusar tão elevada dádiva... Parece-me um pecado... Foi só isso...
O velho mordomo sofria, e nem ele mesmo sabia o porquê. O espetáculo daquela bela loura jovem, banhada em lágrimas, o enternecia.
Ele quisera poder fazer algo para aliviar a sua dor, mas não sabia o quê.
Maria "Flor de Amor", por sua vez, arrependida de ter derramado sobre o velho todo o seu dissabor, chegou-se a ele, enxugando os olhos com o lenço que o velho, num gesto instintivo e quase paternal, lhe estendera.
- O senhor não tem culpa de nada, senhor Pedro... Desculpe-me... O senhor é bom.
Um pensamento repentino lhe atravessou a mente e ela acrescentou:
- O senhor disse que trabalha há trinta anos, tentando fazer economias? Pois bem... Fique com este dinheiro. Fique com ele e poderá viver em paz a vida que Deus ainda lhe conceder. Será como se eu o tivesse aceitado. Terei, pelo menos, o consolo de ter praticado uma boa ação, de ter feito o bem a alguém, neste palacete que nunca esquecerei!
Pedro baixou a cabeça, olhando o envelope que conservava na mão, incrédulo, abalado.
- Mas... Eu não posso... - balbuciou. - É demais... É quase uma fortuna...
Maria "Flor de Amor", sem olhar para o emocionado mordomo incapaz de refletir direito ante aquela riqueza que lhe caía literalmente nas mãos, apanhou sua bolsa e se encaminhou para a saída. Deteve-se um instante e depois olhando para o velho servidor do conde, com todo o carinho que não tivera oportunidade de ter para com seu pai que não conhecera, ela voltou sobre seus passos e fez-lhe uma leve carícia no rosto. Uma carícia cheia de doçura, que era a expressão de toda a ternura que ainda havia no seu coração. Quando Pedro voltou a si do espanto, a jovem não mais estava na sala.

2 comentários:

  1. Paulo, desconfio que Maria "Flor de Amor" não conseguiu falar com Luís Paulo para impedir o casamento, mas Denise também não vai casar com ele, pois a tal "velha senhora toda coberta de jóias" desconfio que seja Renata, pra atrapalhar os planos da filha rsrsrs. Vou aguardar pra ver. Muito bom! Bjs.

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  2. Só em folhetim para alguém trocar dinheiro por amor. kkkkkkkkk. Mas está muito legal...

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