O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim
Título original:
L’enfer d’un Ange
Henriette de Tremière/o inferno de um anjo
e revisado por Paulo Sena
Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
Capítulo XXXV
O HOMEM MISTERIOSO (CONTINUAÇÃO)
Atravessou
o escritório e alcançou a rua, encaminhando-se para uma cocheira próxima, onde
guardava uma pequena charrete e um cavalo. Uma vez na charrete, atravessou
então toda a cidade e, alcançando o subúrbio, percorreu um intrincado labirinto
de ruelas e foi parar diante de uma casa de péssima aparência, uma bodega mal
cuidada a cuja porta se lia o pomposo título: "Cervo de Ouro".
O
proprietário da espelunca já devia conhecê-lo, mas sob falsa identidade, pois
que mal ele entrou naquilo que chamavam sala de chá, foi cumprimentá-lo,
dizendo:
-
Oh! Senhor Fouquier! Faz bastante tempo que não o vejo! Sem dúvida os afazeres
não lhe permitiram...
-
Sim, sim... Muito trabalho... - interrompeu Duroi. - A propósito, Afonso está
aí?
-
Está sim, comum amigo.
-
Há alguém na salinha dos fundos? Desejaria estar tranquilo, sem ser incomodado.
-
Não, não há ninguém. Está às ordens. Quer que chame Afonso?
-
Chame, sim, obrigado - respondeu Ubaldo. - E se Rosendo estiver com ele, que
venha também.
Enquanto
o detetive entrava na salinha dos fundos, que servia de ponto de reunião para
os grupos de malfeitores que costumavam frequentar aquele local mal-afamado, o
dono da casa entrou numa fumarenta sala de jogo, na qual se encontravam,
empenhados em animado carteado, os tipos que haviam atentado contra a vida de
Luís Paulo, dias antes, sem sequer os cumprimentar, o homem fez parar o jogo e
disse:
-
Chega, rapazes. O senhor Fouquier está aí e lhes quer falar.
Aquele
nome devia ter uma grande influência entre eles, porque, mal o ouviram, ambos
se encaminharam para o ponto onde Ubaldo Duroi, sob falsa personalidade, os
aguardava. Mal os viu aparecer, o detetive os saudou com um gesto e disse:
-
Ainda bem que eu conheço a mania de vocês pelo baralho, seus vagabundos, pois
do contrário não saberia onde os encontrar.
-
Eh, chefe, você aí! Traga uma garrafa de conhaque! E vocês, sentem-se.
Depois
de todos terem aquecido o estômago com uns bons goles da bebida, o investigador
perguntou:
-
Temos tido muito trabalho, estes últimos dias?
Afonso
Houdin foi quem respondeu:
-
Nada!... Não aparece coisa que preste... Temos tido um azar desgraçado...
-
Então, meu caro, quando as coisas andam ruinzinhas assim, nada há de melhor que
uma excursão campestre. Que dizem? Por uns dias...
Afonso
olhou o detetive com a mesma expressão com que teria olhado um louco.
-
Lindo, sem dúvida, passar uns dias a passear pelos campos... Quem é que não
aprecia? Mas... Cadê a gaita? Onde está o tutú? Quem o tem?
-
Eu! - respondeu sem hesitação Duroi. E tirou, ao mesmo tempo, do bolso, um maço
de notas, do qual separou algumas, que distribuiu entre os malfeitores, que não
sabiam se deviam crer nos próprios olhos.
Afonso,
no entanto, passado o primeiro momento de surpresa, decidiu esclarecer as
coisas:
-
Ouça, senhor Fouquier. Eu o conheço muito bem, há muito tempo, e sei que o senhor
não dá nada por nada. Não é verdade? Que devemos fazer, por este dinheiro?
Ubaldo
Duroi sorriu, divertido.
-
Sempre desconfiadinho, Afonso... Até mesmo quando um amigo quer lhe fazer um
favor! Apenas me preocupava com a sua saúde... Naturalmente, pensei que, como a
gente no campo se sente às vezes entediado, poderia acontecer que lhe agradasse
sair em busca de uma jovem que andou caindo do alto de uma ponte, no rio, há
alguns dias, e cujo corpo ainda não foi encontrado.
-
Bem que eu sabia que havia algo por trás disso...
-
O que, aliás, é uma distração como qualquer outra!
Rosendo,
que até aquele momento se preocupava apenas com o dinheiro, que estava
ajeitando e guardando, e em saborear o conhaque pago pelo outro, ergueu a
cabeça e perguntou com jeito de quem já se sente contratado:
-
E onde fica esse negócio?
O
detetive entregou-lhe um papel com as necessárias explicações, indicando o
local do posto do guarda, a ponte etc.
-
É um bocado longe da cidade, lugar ideal para se descansar e... Para andar
pescando mulher afogada! - completou Afonso que, no fundo, estava bem
satisfeito por ter que sair da cidade.
-
Estamos, então, de acordo? - concluiu Ubaldo Duroi.
-
Esteja tranquilo, senhor Fouquier. Amanhã, cedo, já estaremos no nosso posto.
-
Muito bem. Façam a coisa direitinho e não se arrependerão. O corpo não deve ser
achado... E agora, com licença, vou ao encontro de Rosane... Há muito não a
vejo e ela deve se sentir sozinha, coitada.
-
Ela está aborrecida, sim, porque não temos organizado nenhum roubo de
importância - exclamou Afonso.
O
detetive falou que não tardariam em ter bons negócios a executar. Depois bebeu
ainda um copo de conhaque e, depois, levantando-se de onde estava, sem mais
ligar importância aos dois homens, saiu da salinha e entrou num corredor cujo
final havia uma escada. Chegando ao patamar, deu algumas batidas na porta e,
sem esperar resposta, foi entrando. Achou-se numa salinha modestamente
arrumada, na qual era envolvido por uma onda de perfume ordinário misturado com
fumaça de cigarro. Estirada no sofá estava uma bela moça de cabelos ruivos.
Estava lendo um livro e, sem erguer a cabeça, disse irritada: - Dê o fora
daqui! Já disse que não quero ver ninguém!
Nada
desencorajado com aquele acolhimento, Ubaldo Duroi se deixou afundar numa
poltrona velha e exclamou, rindo:
-
Minha bela Rosane, nunca esperei ser recebido com essas palavras tão duras!
Ouvindo
aquela voz, a moça teve um sobressalto e tratou de sentar-se.
-
Fouquier! É você? Eu devia ter visto logo quem devia ser, pois só uma pessoa
como você tem coragem de entrar no meu apartamento sem pedir licença!
Jogou
o livro para um lado e, pondo-se em pé, aproximou-se do detetive, perguntando:
-
Agora, diga-me: que bons ventos o trazem aqui, Fouquier?
-
Os ventos da fortuna, menina - respondeu o detetive particular, entre sério e
brincalhão. - Ventos que devem empurrar um bom dinheiro para os nossos bolsos!
-
Não diga bobagens! - respondeu a moça. - Vamos logo ao que quer, penso que se
tratará de alguma boa trapalhada para extorquir algum sujeito ou alguma dama
incautos.
-
Você gostaria de ir morar num belo palácio, onde tudo é luxo, elegância, refinamento?
De viver com uma jovem e riquíssima condessa, que a cumularia de amabilidade e
proporcionaria o modo de compartilhar do vidão que ela própria vive?
Rosana
mostrou os dentes alvíssimos num sorriso e ironizou: - E você? Não gostaria de
ser Napoleão, o Imperador da França?
Num
instante a voz do detetive se tornou dura, autoritária.
-
Engraçadinha idiota! Bem sabe que não aprecio piadas. Não vim aqui para contar
anedotas.
Enfiou
a mão no bolso interior do casaco e de lá retirou um envelope. E explicou:
-
Aqui está uma carta de apresentação para a baronesa Denise de Rastignac, em
cujo palácio você se apresentará amanhã à tarde e, graças à qual, entrará para
seu serviço, na qualidade de camareira, ou que sei eu... O importante é que
você seja admitida, em suma.
Mas deve ter em mente que você vai viver no meio de gente
fina, de fidalgos, pessoas educadas, terá de esquecer esses seus modos rudes e
plebeus. Entendido?
-
Está bem, saberei comportar-me como você deseja. Sempre sonhei ser uma atriz e
agora vou poder representar.
Mais um personagem mau caráter. Nossa, os maus são mais numerosos que os bons. Isso vai longe...
ResponderExcluirPaulo, já vi que vem mais surpresas por aí! Esse Ubaldo Duroi, está cheio de más intenções pelo jeito. E deve prejudicar Maria "Flor de Amor", com certeza! Que folhetim movimentado, sempre aparecendo novos personagens! Gostei! Bjs.
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