O diz-que-me-disse cobria a cidade como nuvens cinzentas que preparam a tempestade. Em cada canto, cada esquina, cada fresta de janela, na boca de cada inha, madama ou cunhantã.
Geisebela tava na boca-do-povo. Cada tiquinho de seu dia, cada passo de seu caminho, cada pisco do seu olhar era engessado pela lama da maledicência.
Bem feito pra cumpadre Acabeu, sujeito tacanho, lerdo das idéias, cego do juízo e do coração. Para ele era Deus na terra e Geisebela no céu, mulher santa, dereita, prendada, um dengo só com as lidas da casa e os mimos pro marido. Não se queixava de nada, a probrezinha, tão prestativa e pronta a agradar.
Tanto era que não deu um pio de contrário quando ele recebeu em casa o amigo de longa data, tão chegado que era, unha-e-carne nos tempos da meninice. Vagou por este mundão, arrastando correntes de desgosto e desassossego. Pediu pousada por uns tempos, poucos dias, até pôr a cachola no lugar. E foi se ficando, ficando, os dias passando, os meses voando, o pó assentando, como-um-de-casa já dissolvido na rotina dos de dentro.
Geisebela, feito Danaide a encher seu pote, seguia nos seus afazeres de mulher ocupada, cuidando dos detalhes e querências de seus homens. Não demonstrava incomodância de um estranho no seu ninho. Pelo contrário, se punha mais vistosa, com maneirices de moça casadoira, sorriso aberto e olhos brilhosos. Mudava da água pro vinho.
Só o marido não notava...
Ou fingia não notar. Saíam os três pela cidade, a dar voltas no coreto em dia de festa. Desfilavam contentamento e felicidade.
Dos mais chegados, alguns tentaram Acabeu alertar. Mas qual nada, ele não dava ouvidos, confirmava a confiança no amigo e na amada, botava a mão no fogo por eles.
Mas nada como um atrás do outro...
Um belo dia, tendo findado mais cedo a labuta, volta Acabeu pro aconchego de seu lar e dá de cara com o amigo-amada engalfinhados num festim lidibinoso no escavado dos lençóis. Num repente de insânia e desvario, lacerou, retalhou, espostejou sua vergonha de guampudo. Depois fugiu em desatino para nunca mais voltar.
(Variante de Desenredo de João Guimarães Rosa, Valdeci Affonso de Lima, 4 de novembro de 2008)
Oi valll que legal(escondendo o ouro né)kkk
ResponderExcluiradoreiiii!!!! parabéns!!!
Parabens Val!!!!!!!!
ResponderExcluiradorei. beijos
Val que lindo! Sua danadinha... Aí quietinha e colocando o talento na gaveta! Vamos lá mulher manda mais, mais, mais e mais.... Adorei...
ResponderExcluirBjusss
Val, muito bom! Gostei demais, continue escrevendo pra gente. Bj!
ResponderExcluirVal, a-do-rei! A trilha sonora ficou perfeita!
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