quarta-feira, 29 de setembro de 2010

PAI HERÓI - CAPÍTULO VI

Puxada à avó, tendo de Januária o mesmo gênio forte e idêntica personalidade, Carina não podia se conformar à tirania de César. Mas, o que fazer? Astuta, ela arquitetou um plano: fingiu não po­der andar. O médico ficou sem saber do que se tratava, e achou que havia motivo psicológico para tão séria recaída.
Enquanto isso, contando com a cumplicidade da enfermeira, Ca­rina preparou tudo para a fuga. Tirou dinheiro do banco, arrumou malas, preparou as coisas para sumir dali, levando consigo a filha. Claro, havia muito de desespero em suas atitudes, mas o que se po­deria esperar de alguém em sua situação, emparedada, prisioneira em sua própria casa, afastada do homem que amava?
Foi levada para o hospital e de lá desapareceu. Só que a filha, a quem pretendia levar consigo, não pôde acompanhá-la. E Carina partiu, sozinha com seu desespero, sem que ninguém soubesse para onde tinha ido.
Todos ficaram desesperados. Buscas foram organizadas. Em meio a tudo isso, André começou a viver seu momento de angústia, so­bretudo depois de receber a carta que Carina, vencendo a vigilância de César, conseguiu fazer chegar a suas mãos. A carta dizia o seguinte:
André, agora que estamos irremediavelmente separados, sei o que você representa em minha vida. Estou sendo pressionada por Cé­sar. As razões são graves e são minhas e não é preciso que você as conheça, porque não quero que você tome nenhuma atitude. Tudo o que fizesse só pioraria as coisas. Só quero que saiba que não me reconciliei com César, porém estou sendo obrigada a não ver mais você. Fique com o carro. Ele é seu. Não pense nunca em me pagar nada, porque eu lhe devo muito mais do que isso. Eu lhe devo a minha vida. Estou procurando uma saída. Talvez encontre, talvez não, eu não sei. Se a encontrar, você será a primeira pessoa a saber. Mas não vamos alimentar esperanças porque está tudo muito difí­cil. Só queria que soubesse que o amo acima de tudo. Em nome do nosso amor, eu lhe peço: não me procure, porque não poderei cor­responder. Se me ligar, não poderei atender. Se me procurar em mi­nha casa, não poderei recebê-lo. Por enquanto, é adeus. Mas serei sua, para sempre, na vida e na morte, Carina.
A carta, para André, teve o efeito de uma salvação. Afastado de­la, sem imaginar nenhuma outra explicação além da de ter sido um capricho na vida de uma grã-fina, ele tomou novo fôlego, sentiu-se reviver. Mas, ironicamente, do que adiantava saber agora que era amado acima de tudo, se a havia perdido novamente, se ela desaparecera?

Conversa entre homens

Bateram na porta do quarto, André abriu, César entrou, perguntou:
- Onde está ela?
- O quê? - fez André, sem entender.
- Carina está aqui, não está?
- Escuta aqui, que maluquice é essa, hein? Eu por acaso ia esconder Carina?
César olhou dentro do banheiro, procurando-a, indagou:
- Ela lhe procurou hoje?
- Nem hoje nem dia nenhum. Por quê?
- Não interessa - respondeu César, fazendo menção de sair.
André segurou-o pelo paletó:
- Peraí... assim não, meu camarada. Se Carina sumiu, é porque tinha razão para chegar a esse extremo.
- A razão é você, eu acho.
- Se fosse eu, teria me procurado. Ela devia estar é cansada de você.
- Ora, não me amola.
André insistiu:
- O que foi que você fez com ela?
- Como... fez com ela?
- Como pressionou, como conseguiu levar ela a ponto de fugir?
- Eu só tentei salvá-la moralmente, já que ela se misturou demais com você.
- Você salvou?! Você acabou com ela... você destruiu ela.
André se colocou diante da porta, impedindo-o de sair.
- Tenho vontade de matar você - disse.
César retrucou, sarcástico:
- É... é só isso que te falta mesmo. Depois de um assalto, um assassinato. Aí completa bem o teu ciclo de crimes.
- Então é isso?! - exclamou André, compreendendo.
- Isso o quê?
- O assalto. Você sabe.
- Sei. E se não contei ao Baldaracci ou à polícia foi porque Carina pediu muito por você.
- Meu Deus do céu! Então você fez chantagem com isso?! E for­çou Carina a se afastar de mim porque descobriu o assalto! Desgra­çado! Eu te mato, miserável!
André, furioso, se atirou sobre ele. Os dois brigaram, esmurrando-­se, como se daquela forma pudessem dar vazão ao ódio que os do­minava. Ana Preta, chegando naquele momento, gritou:
- André! André! Pára com isso!
Os dois se detiveram. César ajeitou o paletó, a roupa, saiu.
- Que loucura! Pra que isso agora? Que foi que houve? - perguntou Ana Preta.
- Me deixa! Tenho de sair!
- Peraí. Não sai assim. Conta o que foi.
- Agora eu sei como ele forçou Carina a me deixar.
- E como foi?
- Ele soube do assalto. E fez chantagem. Carina se sujeitou a tudo pra ele não me entregar.
- Se esse homem sabe do assalto, você tá perdido, André.
- Ana, eu prefiro enfrentar a Justiça, provar que sou inocente do que permitir que Carina sofra mais nas mãos dele.
- Onde você vai agora?
- Tentar achar ela. Não sei se foi para a casa da praia. Eu vou pra lá.
- Vou com você.
- Deixa, Ana. Você tem o que .fazer.
- Não tem importância. Não vou deixar você sozinho numa ho­ra dessas.
- Está bem. Então vamos.

Um negro futuro

Carina não apareceu na casa da praia nem em outro lugar qual­quer. Em vez disso, seu carro foi encontrado, abandonado, longe do Rio, como se tivesse sofrido sério acidente. Dela, nenhuma notí­cia. A polícia, chamada pela família, fez investigações, mas o dele­gado encarregado do processo se viu obrigado a suspendê-lo, pelo menos temporariamente, pois nada o levou à convicção de que ti­vesse havido um crime, ou roubo, ou qualquer espécie de violência. A realidade, cruel, era uma só: Carina havia evaporado. Ninguém tinha qualquer notícia a seu respeito.
As conseqüências disso sobre André foram as mais dolorosas. Ele se desinteressou de tudo, apenas a revolta e o arnargor o minavam. Vendeu o carro para pagar a conta da pensão. Três meses após o desaparecimento de Carina, ele já tinha passado por inúmeros em­pregos; era agora garçom em humilde lanchonete. E assim as coisas continuaram inalteradas, até que, certo dia, o telefone tocou na pen­são onde André se encontrava.
- Alô? - atendeu ele.
- Quem está falando? - perguntou uma voz de mulher do outro lado.
- André.
- André, sou eu.
- Eu quem?
- Carina, amor. Sou eu, André.
- Carina?! É você mesma?!
- Claro que sou eu, André. Por que o espanto?
Ele respondeu, meio assustado, com um riso nervoso:
- Por quê?! Amor, você desaparece por quase quatro meses e ainda pergunta por quê?
- Não recebeu minha carta?
- Recebi uma.
- Mas como? Eu enviei uma outra, que escrevi logo depois que fugi desse inferno.
 - Não recebi nada. Onde você está?
- André, eu fundei uma companhia de balé, quando ainda estava aí. Ela significa muito pra mim.
- Eu sei.
- E hoje é a estréia, no Municipal de Niterói.
- Sei. Mas eu estou muito mais preocupado em saber o que aconteceu com você.
- Quero que você vá ao espetáculo, André. É importante pra mim que você vá.
- Tá, tá legal. Eu vou. Mas quero saber como você está, o que te aconteceu, de fato.
- Claro que.você vai saber de tudo. Mas, por favor, não deixe de ir ao teatro hoje. Faço muita questão que você vá. Nós nos fala­mos depois, amor. Estou sentindo muita falta de você. Estou precisando muito de você.
- Tudo bem, Carina... mas escuta...
Ela o interrompeu:
- Volto a falar com você.
Ele insistiu: .
- Carina, espera! Você está no Rio? Você vai ao teatro hoje? Por que quer que eu vá? O que está acontecendo, Carina? Por que tanto mistério, amor? Carina, está me ouvindo? Alô, Carina? Está me ouvindo?
Ela desligou, ele desesperado, insistindo com a telefonista para restabelecer a ligação, mas não conseguindo nada.

Um belo vigarista

Certo dia, apareceu em Nilópolis um sujeito chamado Gustavo Gurgel. Bem falante, insinuante, foi aos poucos se imiscuindo em todos os assuntos, nas coisas mais importantes, desde os interesses de Baldaracci aos de Ana Preta. Acabou, por artes de sua lábia, tornando-se gerente do Flor de Lys. O cabaré havia voltado às mãos de Ana Preta por ordem do juiz, quando Nuno perdeu a ação mo­vida contra ele por Ana. Gustavo envolveu-se com a própria Ana Preta, tentando conquistá-la. Só que, sempre apaixonada por André, ela, embora a corte a envaidecesse, não lhe deu muita corda. Mas, se isso, de certa maneira, fez bem a ela, causou muito mal a ele. Baldaracci, sempre apaixonadíssimo por Ana Preta, descobriu as intenções de Gustavo, chamou-o, mandou que ele sumisse de Ni­lópolis o mais rápido possível. Turrão, ele resistiu, e acabou levan­do enorme surra. Esta surra desvendou-lhe a verdadeira identida­de. Socorrido por Ana Preta, ela acabou vendo seus documentos, caídos do paletó. Gustavo Gurgel não era Gustavo coisíssima ne­nhuma. E muito menos Gurgel. Na verdade, seu nome era Benedito da Conceição, o desaparecido sobrinho de Mãe Tiana; durante to­do aquele tempo ele se mantivera junto dos que manuseavam os cor­déis daquela teia (ou eram manuseados por eles), à espera de uma boa oportunidade para ganhar muito dinheiro, em troca dos docu­mentos contra Baldaracci, que mantinha ciosamente em seu poder. Bem, desvendada sua identidade, era .tolice continuar a mentir. E ele então se propôs a negociar os tais documentos com Ana Preta, desde, é lógico, que ela lhe pagasse enorme quantia. Ela sabia mui­to bem da importância de entrar na posse daqueles papéis, mas sa­bia também que não tinha nenhum dinheiro. O que fazer? Ana Pre­ta não vacilou: vendeu imediatamente a casa em que morava, entre­gou o dinheiro exigido pelo falso Gustavo Gurgel, e passou a ter, a partir daquele momento, o destino de Nuno Baldaracci nas mãos.

Enfim, algo mais concreto

André, finalmente, recebeu nova carta com notícias de Carina.
Sôfrego, ele leu:
André, meu amor, estou nesta cidade há quase quatro meses, fo­ra do Brasil e muito triste. Cheguei aqui em busca de uma liberdade sonhada há muito tempo. Tudo ai no Rio era sufocante. A pressão de César, a incompreensão de minha familia, o desprezo de minha filha, a nossa separação forçada, os problemas que tive de enfren­tar para que César não o denunciasse à polícia. Tudo, tudo isso levou-me quase às portas da loucura. Resolvi romper de uma vez, porque, se o fizesse com cautela, teria perdido a coragem. O que aconteceu é que, chegando aqui, fiquei doente, minha perna come­çou a incomodar e tive de fazer um repouso forçado. Agora estou bem. Já tive alta do médico do hotel onde estou hospedado. O lu­gar aqui é lindo, mas me sinto muito só. Preciso que você venha imediatamente para ficar comigo. Temos muito que planejar sobre nossas vidas, nosso futuro, que eu espero seja um só. O lugar onde estou é Bariloche. Mais abaixo, vai o endereço do hotel em que me hospedei com o nome de Celina Borges. Não quero ser reconheci­da. Ninguém deve tomar conhecimento de que a ex-bailarina Cari­na Brandão se refugiou aqui, porque não quero ser encontrada. Não desejo sequer que minha família saiba que eu me comuniquei com você. Confio em que você virá, sem dizer a ninguém que vem ao meu encontro. Tremo de pavor só de pensar no que César poderá fazer, se descobrir onde estou. Prometa isso, André, e não demore a vir encontrar-me. Minha esperança se projetou agora apenas em você. Tua para sempre, Carina.
André, cumprindo à risca o que ela pedira, embarcou para Bari­loche. O encontro dos dois foi emocionante (e nem poderia ser dife­rente, amando-se como se amavam), mas, aos poucos, as coisas se mostraram complicadas, angustiantes. Ambos estavam. diferentes, haviam passado por muitas coisas; André mais amargo, Carina muito traumatizada, imaginando-se perseguida. Esses temores amargavam-­lhes o relacionamento. O tempo, contudo, encarregou-se de fazê-­los superar tais problemas; o convívio entre os dois se amenizou, as diferenças quase todas foram contornadas.
Carina alugou belo chalé, nas montanhas, e eles se mudaram pa­ra lá. André começou a procurar emprego, algo atravé do qual pu­desse manter as despesas, pois insistia em não depender monetaria­mente de ninguém, muito menos de Carina, sempre frisando que se aproximara dela apenas por amor. Ela deixava que ele tomasse essas iniciativas, procurava não melindrá-lo , mas a verdade é que tinha para ele planos muito diferentes, uma realidade não desven­dada, até que um belo dia exibiu-lhe um papel, dizendo:
- Isso é uma procuração. Passei pra você, ainda no Brasil, um dia antes de minha fuga.
- Uma procuração? Pra mim? E pra quê?
- Com essa procuração, você tem poderes para me representar em todos os atos que imaginar. Você pode receber dinheiro em meu nome, transferir quaisquer direitos meus, vender meus bens móveis e imóveis e especialmente me representar junto à Assembléia do meu grupo empresarial em qualquer decisão.
- Puxa! Mas é poder demais!
Ela sorriu, vendo o ar surpreso de André.
Encarando-a, ele perguntou:
- E pra que tudo isso?
Ela respondeu, firme:
- O primeiro ato que eu quero que você pratique com esta pro­curação é a derrubada de César da diretoria das minhas empresas. O que quer dizer que você vai tirá-lo da presidência.
André continuou a olhar para ela, sem saber o que dizer.
De repente, ele começou a rir:
- Derrubar César Reis?! Eu?! André Cajarana?
- Não sei do que está achando tanta graça.
- E se eu te disser que já sonhei mil vezes que estou desbancando a pose dele, você acredita? Estou sempre em cima de um cavalo branco, com uma lança desse tamanho, enfiando na barriga dele.
- Não acho graça - disse ela. - Fui triturada por esse homem e perdi noites de sono pensando na melhor maneira de derrubá-lo da forma mais humilhante possível. Se eu simplesmente o destituís­se do cargo, não modificaria nada. Mas você, com força para destruí-lo, vai humilhá-lo muito mais... muito mais do que ele me humi­lhou, me feriu.
- Mas como eu devo fazer? - indagou ele, agora já sério.
- Dentro de muito pouco tempo, haverá uma Assembléia na qual serão eleitos os membros da diretoria das minhas empresas. Nesse momento, você deverá propor o nome de Tiago, que, evidentemen­te, será o eleito por força da maioria dos votos que eu detenho. Entendeu?
- O negócio é meio complicado, mas vai falando.
- Quero também que venda todos os bens que vou relacionar.
Antes de você voltar ao Brasil, vou lhe dar uma lista de proprieda­des que devem ser vendidas. Você vai ficar com muito dinheiro nas mãos.
- Pra quê?
- Porque eu quero viver fora do Brasil, com você, sem problemas. O dinheiro é para nos estabelecermos fora do Rio, sossega­dos. Vamos empregá-lo em qualquer outra coisa. E você será meu procurador. Entendeu?
- Você pensou em tudo. Mas não pensou no mais importante.
- Eu sei. César, sem dúvida, vai querer uma revanche. E não vai ter nenhum pudor de entregá-lo à polícia.
 André então disse, com convicção:
- Acho que chegou a hora do vale-tudo. Ou a gente enfrenta com coragem o que está pra vir, ou a gente vai viver fugindo como dois criminosos, pagando por uma coisa que eu não fiz.
- O que quer dizer?
- Eu vou voltar. Vou fazer tudo o que precisa ser feito contra aquele traste. E, se ele me denunciar, estarei preparado para me de­fender. Tenho de enfrentar isso, senão vou ficar marcado pro resto da minha vida.
- E se prenderem você?
- Esse é um risco como qualquer outro. Mas um risco que vai valer a pena. E para o qual eu tenho defesa.
Ela aconselhou:
- Procure um bom advogado. Se cerque de todas as garantias possíveis. Com dinheiro, isso será fácil.
- É, eu sei. Só que não vou viver a suas custas, mas como seu procurador. Vou trabalhar pra você, em seu benefício.
Ela subitamente ficou triste:
- Vai ser muito ruim a gente se separar novamente.
Ele brincou, tentou animá-la:
- Mas eu juro que vou voltar, tá?
Ela sorriu, abraçaram-se, como se assim pudessem compensar a enorme sensação de risco que os dominava.

DEDICO ESSE CAPÍTULO À AMIGA MARCIASP, LEAL COMPANHEIRA DE SEMPRE E MINHA COMPANHIA NESSA MADRUGADA EM QUE ESTOU PUBLICANDO ESSE CAPÍTULO. 

3 comentários:

  1. JE que saudade menino!

    Faz tempo que não participo do chat, mas sempre que posso leio os posts, que estão cada vez melhores.

    Parabéns!!! O biscoitinho está bombando!rsrs

    Aproveito pra deixar um beijão pra todas as amigas do blog.

    Saudades de todos vcs!!!!!!!!!!

    Bjs da Joy!

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  2. Oi José Eugênio. Se bem me lembro , depois dessa parte, André e Carina ainda sofriam muito! E separados! Mas o nascimento do filho Ígor, trazia uma compensação, (pra ela, pois ele só ia saber do filho e conhecê-lo maiorzinho). Essa novela foi marcante! Obrigada pela lembranças! Bjs.

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  3. JE, cada vez melhor esse romance, fico feliz por eles terem se reencontrado, mas com certeza, ainda vem sofrimento por ai, enqto esse Cesar atormentar a vida de André e Carina.
    Obrigada e beijos

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